Propriedade rural

Só lei pode regular compra de imóvel por estrangeiro

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6 de junho de 2011, 16h47

Após a publicação do Parecer 01/2007 da Advocacia Geral da União (AGU), a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros residentes no Brasil, por pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil e por pessoas jurídicas brasileiras que tenham a maioria do seu capital social detido por estrangeiros, passaram a ser questionadas, em especial, diante da equiparação, para fins das restrições impostas pela Lei 5.709/1971, da pessoa jurídica brasileira que tenha maioria do seu capital social detido por estrangeiros à pessoa jurídica estrangeira.

A Lei 5.709/1971 impôs as seguintes restrições: a) compra e arrendamento somente daquelas propriedades rurais que tenham de 3 a 50 módulos de exploração indefinidos; b) a soma das áreas rurais pertencentes a estrangeiros não deve ultrapassar um quarto da superfície dos municípios onde se situem e c) pessoas da mesma nacionalidade não podem ser proprietários ou arrendatários de áreas correspondentes a mais de 40% do município onde estejam localizadas as propriedades.

O cenário que existia até 2010 previa a equiparação da pessoa jurídica brasileira que tenha maioria do seu capital social detido por estrangeiros às empresas nacionais. Diversos dispositivos previstos na Constituição de 88 (CF/88) fizeram com que se firmasse entendimento de que o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 5.709/1971 (que trata da equiparação) não teria sido recepcionado pela Constituição Federal. O principal deles é o artigo 5º da CF/88 que vedou distinções de qualquer natureza entre brasileiros e estrangeiros residentes no País. O artigo 190 da mesma CF permitiu ao legislador ordinário regulamentar apenas a aquisição e o arrendamento de imóvel rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, sem restrições para empresas brasileiras. A Emenda Constitucional 06/1995 revogou o então artigo 171 da CF/88 suprimindo os conceitos de empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional (controle por estrangeiros).

Em 1998, a AGU emitiu o Parecer 181 concluindo que o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 5.709/1971 não teria sido recepcionado pela CF/88, confirmando o entendimento de que aquela lei não poderia ser aplicada às empresas brasileiras controladas por estrangeiros. Isso permitiu a criação de um cenário absolutamente legal para que as pessoas jurídicas constituídas no Brasil, sob o regime das leis brasileiras, pudessem adquirir terras brasileiras sem restrições já que não eram mais consideradas pessoas jurídicas estrangeiras.

O atual parecer da AGU altera profundamente o cenário, ao forçar uma nova interpretação acerca de um assunto que já estava definido e consolidado. Dentre as justificativas utilizadas pela AGU para a alteração da sistemática atualmente vigente, encontram-se argumentos de que o Estado brasileiro “perdera as condições objetivas de proceder ao controle efetivo sobre a aquisição e o arrendamento de terras realizadas por empresas brasileiras cujo controle acionário e de gestão estivesses nas mãos de estrangeiros”, que o parecer protege a soberania nacional, evita aquisições ilegais de terras, aumento da grilagem, dentre outros. A realidade é que a mudança de interpretação tem como pano de fundo o fato do Governo Federal ter decidido frear o avanço dos “estrangeiros” na aquisição de terras.

O que se verifica é que o Governo ao tentar inibir essa aquisição, prejudica uma série de empresas já estabelecidas há muitos anos no País. Imagine-se, por exemplo, aquelas empresas brasileiras com controle estrangeiro que necessitam de áreas rurais para fins de desenvolvimento de experimentos e novas tecnológicas tais como campos de cultivo de sementes e/ou testes de novos produtos. Com essa nova interpretação, a aquisição de terras, acima dos limites impostos pela Lei para essa finalidade, está proibida ou, pelo menos, seria objeto de extensas discussões judiciais.

Para dar andamento aos seus objetivos, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou recentemente que os cartórios de notas e os registros de imóveis passem aplicar as restrições previstas na Lei 5.709/1971, promovendo a adaptação de suas normas. Em março deste ano, a AGU encaminhou ao Ministério da Fazenda e ao Ministério do Desenvolvimento, ofícios de solicitação de providências para cumprimento do Parecer da AGU bem como para que se dê cumprimento à Lei 5.709/1971 junto às Juntas Comerciais, neste caso para impedir o arquivamento de alterações societárias de empresas proprietárias de área rural que promovam a transferência de controle para pessoas estrangeiras e à Comissão de Valores Mobiliários para que adote nos títulos e contratos de investimentos negociados em bolsa ou balcão as regras previstas na referida Lei e recusar a emissão de valores que não satisfaça aos padrões da Lei.

Acreditamos que a forma de enfrentamento da questão deve ser a democrática. Deve existir debate legislativo e político sobre o tema e, se for o caso, a revisão e alteração da legislação aplicável. A mudança na interpretação não configura meio democrático de regular o tema e afronta a segurança jurídica, uma vez que, se houve uma mudança na Constituição que eliminou a diferença entre empresa de capital nacional e de capital estrangeiro, não podemos concordar com a conclusão desse parecer, que justamente se baseia nessa distinção.

Apesar de ainda não existir nenhuma posição oficial firmada pelos Cartórios de Registros de Imóveis, Juntas Comerciais e CVM, dentre outras, o fato é que se essas determinações forem levadas “ao pé da letra” e, provavelmente serão, as empresas que se sentirem prejudicadas devem recorrer ao Judiciário.

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