Jurisprudência do STF

Carf já pode julgar casos de sigilo bancário

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4 de junho de 2011, 8h30

Apesar de se aplicar apenas ao caso concreto levado ao Supremo, a última decisão da corte que tirou do fisco o poder de exigir informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes sem o aval da Justiça pode definir também os casos em julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda. Devido a um dispositivo em seu regimento, o tribunal responsável pelos julgamentos administrativos de contestações a cobranças da Receita Federal e da Previdência Social pode aplicar diretamente decisões do Plenário do Supremo que considerem normas inconstitucionais, mesmo que elas não tenham o chamado efeito erga omnes — para todos os casos —, nem estejam sob o rito da repercusão geral.

Isso quer dizer, na prática, que mesmo que o Supremo ainda não tenha julgado definitivamente a matéria, sua decisão em relação à Lei Complementar 105/2001, tomada no ano passado em favor de apenas uma empresa, pode ser um argumento em todos os processos administrativos levados ao Carf. A previsão é do artigo 62 do Regimento Interno do órgão, no inciso I do seu parágrafo 1º. O dispositivo veda aos julgadores afastar aplicação de norma sob o argumento da inconstitucionalidade. A exceção são os casos de "tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo (…) que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão plenária definitiva do Supremo Tribunal Federal".

Segundo o entendimento do fisco, a Lei Complementar 105/2001 permite que os auditores determinem diretamente aos bancos que mandem informações de clientes que estejam sob fiscalização, sem que seja necessária uma autorização judicial para quebrar o sigilo. Em dezembro, porém, o Plenário do STF decidiu, por cinco votos a quatro, que a Receita Federal não tem poder de decretar a quebra por autoridade própria. "Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal — parte na relação jurídico-tributária — o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte", diz o acórdão publicado em maio.

A decisão apertada, no entanto, não resolve a questão. Pelo menos seis ações diretas de inconstitucionalidade contra a lei complementar ainda aguardam para ser julgadas na corte, além do Recurso Extraordinário 601.314. Devido ao reconhecimento da repercussão geral do RE e do controle concentrado das ADIs, a posição firmada pelo tribunal em qualquer um desses julgamentos colocará, aí sim, um ponto final na discussão. 

Enquanto isso não acontece, os contribuintes podem adiantar o fim da disputa já na fase administrativa. De acordo com o conselheiro Mauro Silva, da 1ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção do Carf, o regimento autoriza a aplicação da decisão do Supremo diretamente aos casos sob análise no órgão. Ele, porém, lembra os efeitos negativos que decisões do órgão nesse sentido teriam. "Extratos passariam a ser provas ilícitas e julgamentos seriam desfeitos. Processos administrativos julgados contra o contribuinte seriam reiniciados com inúmeros pedidos de restituição", afirmou, nesta segunda-feira (30/5), em seminário sobre a Lei Complementar 105, organizado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) em São Paulo.

Segundo ele, os conselheiros relatores, conforme o regimento, podem reconhecer de ofício a decisão do Supremo como aplicável, mas isso gera debates. "É o contribuinte quem tem de mencionar, mesmo que em memoriais", diz.

É o que tem feito a tributarista Marissol Sanchez Madriñan, do escritório Sanchez Madriñan Advogados Associados. Em pelo menos 17 recursos levados ao Carf, a advogada pediu a aplicação imediata do entendimento do Supremo. Nenhum foi analisado ainda. "É importante que a parte tome a iniciativa, mesmo que seja necessário aditar o recurso", explica. Segundo ela, os conselheiros não costumam observar argumentos não mencionados nas peças. "Há diversas decisões do Carf negando o que está fora do pedido."

Ao adiantar-se ao que o Supremo vai dizer, porém, o Carf pode acabar se desencontrando com uma possível decisão final da corte, na opinião do conselheiro Marcos Mello, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. "Uma decisão do STF por dez a um, mesmo que não seja sob repercussão geral, é irreversível, mas diante de um caso de maioria apertada, mantenho a norma", diz. 

No ano passado, o Supremo mostrou não ter chegado a um consenso sobre o assunto. Ao julgar o Recurso Extraordinário 389.808, por seis votos a quatro, a corte entendeu que não existe quebra de sigilo bancário na solicitação às instituições financeiras de informações sobre movimentações de clientes. O entendimento, que cassou liminar dada pelo ministro Marco Aurélio, foi de que não há quebra, mas transferência de dados de uma entidade com dever de sigilo — no caso, os bancos — para outra com a mesma responsabilidade — o fisco.

Em seguida, no julgamento de mérito da matéria, uma mudança de posição do ministro Gilmar Mendes e a ausência do ministro Joaquim Barbosa levaram o caso, por cinco votos a quatro, para o lado oposto: o fisco não tem autoridade para quebrar o sigilo bancário do contribuinte sem interferência do Judiciário, com base no que diz o artigo 5º da Constituição, em seu inciso XII. No entanto, depois da entrada do ministro Luiz Fux na corte, a votação recomeçaria do zero. Se repetidos os votos, caberia a ele o desempate.

Para Rodrigo Farret, do Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados, o fato de a maioria ser apertada não tira a autoridade da decisão da corte, nem da aplicação literal da regra regimental do Carf. "Foi uma decisão do Plenário, que normalmente é difícil de ser revertida", diz. Marissol concorda. "A decisão pode ser alterada, mas isso pode acontecer com qualquer posicionamento dependendo da mudança na composição da corte", lembra.

Conselheiro do Carf há 11 anos, o advogado Dalton Miranda lembra que em 2005, quando o Supremo restringiu a ampliação da base de cálculo do PIS e da Cofins feita pela Lei 9.718/1998, ainda não havia o instituto da repercussão geral, no entanto, isso não impediu que o conselho aplicasse a decisão em todos os recursos. "Na época não havia o artigo 62-A no regimento, que de certa forma matou essa possibilidade", explica. O artigo obrigou os julgadores a sobrestar processos que envolvem discussões ainda em debate no Supremo sob repercussão geral, ou no Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos repetitivos. De acordo com Miranda, os conselheiros passaram a preferir esperar a decisão definitiva com base nos novos filtros processuais das cortes.

Processos na geladeira
Casos questionando quebra de sigilo podem também tomar outro caminho. O conselheiro Paulo Jakson da Silva Lucas, membro da 1ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção, afirma sobrestar todos os recursos sobre a matéria desde que o Supremo reconheceu a repercussão geral do tema. "Tenho pelo menos 16 casos sobrestados", conta. Alexandre Alkmim Teixeira, da 1ª Turma da 4ª Câmara da mesma seção, diz tomar a mesma medida. "Já tivemos casos em que o contribuinte pediu o sobrestamento na sustentação oral", diz.

Segundo Rodrigo Farret, há colegiados que adotam o procedimento mesmo sem a parte tomar a iniciativa. "Em um caso envolvendo decisão do STJ em recurso repetitivo dada depois da impetração do recurso no Carf, a turma aplicou o sobretamento", conta. O julgamento ocorreu nesta quinta-feira (2/6). No entanto, a decisão tem cabido aos presidentes das turmas, e não aos relatores, segundo ele.

Clique aqui para ler o acórdão do STF sobre sigilo bancário.

RE 389.808
RE 601.314

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