Devolução de créditos

Fim de guerra fiscal pode custar R$ 250 bilhões

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2 de junho de 2011, 18h48

Apesar de ter colocado um ponto final na discussão sobre os benefícios tributários concedidos unilateralmente pelos estados na guerra fiscal, a decisão do Supremo Tribunal Federal pode gerar consequências complexas. Segundo tributaristas, ao considerar inconstitucionais leis e decretos de 14 estados que concediam vantagens aos contribuintes no recolhimento do ICMS, a corte não especificou se as empresas que usaram os benefícios terão agora de recolher as diferenças com multa e juros.

É que afirma a advogada Bianca Xavier, professora da FGV Direito Rio. “Esses benefícios são dados por quase todos os estados e apenas alguns deles possuem questionamento no Supremo”, lembra. Segundo ela, não está claro como devem ser questionados estados que não tiveram o benefício julgado pelo STF. “Nesses casos, a guerra vai continuar?”

Nesta quarta-feira (1º/6), o Supremo julgou inconstitucionais, por unanimidade, 23 normas estaduais que reduziam alíquotas, bases de cálculo e acréscimos no recolhimento do ICMS com o intuito de atrair contribuintes. São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Paraná, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Pará tiveram leis derrubadas. Para os ministros, só são válidas facilidades concedidas com a aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne representantes de todos os estados e do Distrito Federal, como prevê a Lei Complementar 24/1975 e o artigo 155 da Constituição. Segundo o presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso, os membros do STF podem agora decidir liminarmente outros casos que aguardam julgamento sobre o mesmo tema.

De acordo com Gilberto Luiz do Amaral, coordenador de estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, caso os estados resolvam cobrar o ICMS reduzido com as leis de incentivo, sobraria para as empresas uma dívida de R$ 250 bilhões. O valor corresponde a 14% da arrecadação total de ICMS no país perdida com renúncia fiscal, multiplicada pelos últimos cinco anos, segundo levantamento do instituto. Os setores mais atingidos seriam o automotivo, eletroeletrônico, agropecuária, máquinas e equipamentos, papel e celulose, metalúrgia e minerais metálicos, aeronáutico, embarcações, medicamentos, comércio atacadista, transportes e combustíveis.

Isso significa, segundo a vice-presidente do IBPT, Letícia do Amaral, a possibilidade de inúmeras ações anulatórias desabarem sobre o Judiciário. “Ao serem cobradas, as empresas vão argumentar que agiram conforme as normas vigentes”, afirma. “Expressivos negócios foram estruturados e viabilizados a partir da redução do custo do ICMS, obtido via benefícios fiscais”, acrescenta o advogado Cristiano Lisboa Yazbek, sócio do escritório Amaral & Associados.

"Vige, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, não se podendo atribuir ao adquirente de boa-fé a responsabilidade pelo eventual descumprimento da Constituição Federal pelos Estados e o Distrito Federal", lembra o tributarista Alexandre Nishioka, do Wald Associados e Advogados. 

O advogado lembra que, no julgamento do Recurso Especial 31.714, no dia 3 de maio, o Superior Tribunal de Justiça manteve o crédito ao contribuinte adquirente de boa-fé.

O problema se deve à falta de consenso para resolver o assunto na reforma tributária, na opinião do advogado Alexandre Nassar Lopes, sócio do Fragata e Antunes Advogados. "Enquanto nem Executivo nem Legislativo tomam as rédeas da reforma tributária, o Judiciário decide a respeito e define temas importantes para o Estado."

Já para o advogado Alysson Mourão, sócio do escritório Cedraz & Tourinho Dantas Advogados, a decisão do Supremo equilibrou o mercado. “Há reflexos positivos no âmbito empresarial, pois estas decisões recolocam os agentes econômicos antes beneficiados pelas leis inconstitucionais em posição de igualdade com os seus concorrentes”, pondera. A banca patrocina outras 13 ações diretas de inconstitucionalidade contra benefícios fiscais estaduais, todas movidas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. “O ICMS é um tributo com reflexo nacional, já que as operações mercantis em grande parte se desdobram pelo território de diversos estados.”

"Essa leis estaduais criam benefícios fiscais para atrair investimentos mas, ao mesmo tempo, geram desigualdade concorrencial, já que permitem às empresas a prática de preços mais baixos graças ao imposto reduzido ou diferido", concorda Alexandre Lopes.

Sacha Calmon Navarro Coelho, professor de Direito Tributário e Financeiro na Universidade Federal do Rio de Janeiro, também comemorou a decisão. “O STF vai bombardeando os vasos de guerra de todos os estados, que ao fim ficarão sem munição”, diz. Segundo ele, benefícios fiscais de qualquer natureza em relação ao ICMS atrapalham. “O ICMS tem que ser neutro, sem incentivo algum, no destino em 80%, e na origem em 20%, plurifásico, sobre o valor adicionado em cada operação, admitindo-se sua incidência para frente apenas nas cadeias de produção curtas, como energia, cigarros, bebidas e carros.”

No caso de incentivos irregulares, o tributarista Igor Mauler Santiago, também do escritório Sacha Calmon — Misabel Derzi Consultores e Advogados, lembra que a Lei Complementar 24/1975 estabelece duas hipóteses de sanção. “A exigência, pelo estado de origem, do tributo que indevidamente dispensara e a negativa, pelo estado de destino, dos créditos a ele correspondentes”, diz. No entanto, elas não podem ser aplicadas em conjunto, para não haver dupla cobrança do imposto. “Recente decisão da ministra Ellen Gracie aponta para a solução correta: a cobrança da diferença no origem e a manutenção dos créditos no destino.”

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