Juiz natural

Exame de repercussão geral por assessores incomoda

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2 de junho de 2011, 9h59

Em sua página oficial o Supremo Tribunal Federal apresenta o instituto da Repercussão Geral, dizendo, em apertada síntese, que o mesmo teria sido incluído em nosso ordenamento jurídico a partir da Emenda Constitucional 45/2004, com regulamentação pelo Código de Processo Civil e Regimento Interno da Corte Suprema, passando a ser exigência necessária para o conhecimento de recursos extraordinários. Aludido instituto ainda incrementaria a comunicação entre os órgãos do Poder Judiciário no que diz respeito à sistematização das ações e adoções de práticas efetivas para aplicabilidade das mesmas.

E não é só! Referido instituto ainda teria por escopo garantir a racionalidade dos trabalhos e a segurança dos jurisdicionados.

Desde a adoção e aplicação do mencionado instituto, entretanto, uma série de questionamentos foram lançados contra sua verdadeira efetividade e, mais ainda, sobre sua observância, em face de disposição expressa processual que permite ao julgador, em especial o singular, firmar sua livre convicção sobre os conflitos que lhe são submetidos para análise. Críticas também foram tecidas quanto a sua aplicação, em alguns casos em abuso à segurança jurídica que tinha de observar.

Note-se, por relevante, e para aqueles que têm por hábito consultar o andamento do referido instituto e sua regulamentação, que nova modalidade de ordem prática vem sendo adotada na condução do instituto: a análise em Plenário Virtual de manifestações sobre haver ou não repercussão geral sobre determinado tema, manifestações essas de ordem exclusiva da presidência do Supremo Tribunal Federal. Tal novidade, frisamos, difere dos regulamentos normativos já existentes sobre o tema[1].

E assim afirmamos, pois em período anterior a maio de 2011 os recursos extraordinários com entrada no Supremo Tribunal Federal eram, n’um primeiro instante, analisados quanto à observação de seus pressupostos de cabimento e sobre a matéria em debate nos mesmos já estar com análise de repercussão geral, o que implicaria a devolução dos mesmos aos respectivos tribunais de origem, com tal certificação aposta nesses autos. Se os apelos extraordinários estivessem em boa ordem, eram os mesmos distribuídos de forma eletrônica e aleatória. Daí, ao ministro designado como relator caberia a elaboração de manifestação – a ser submetida ao Plenário Virtual – sobre haver ou não repercussão geral da matéria submetida a exame naquele recurso extraordinário.

A partir de maio de 2011 alterou-se o procedimento! Agora, os recursos têm sido ‘represados’ na presidência da Corte Suprema e de lá, além das análises de praxe, também são examinados para fins de se informar e submeter ao Plenário Virtual a existência ou não de repercussão geral sobre matéria específica. Em decidindo pela existência de repercussão geral os apelos, então, serão eletronicamente distribuídos a um dos ministros que compõem aquela Casa, para julgamento de mérito. Em não havendo, serão devolvidos à origem.

A manifestação em comento, ainda é preciso observar, oriunda daquela presidência é eletronicamente assinada, o que não poderia ser diferente em razão da enormidade de processos que diariamente adentram a Corte. Mais ainda, tais decisões não devem sequer passar pelo crivo do atual ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, o mesmo que, em páginas amarelas de revista de grande circulação, expressamente afirmou que é humanamente impossível a análise dos processos submetidos para relatoria e votação[2], daí a relevância das assessorias instaladas nos gabinetes dos ministros e na própria presidência daquele tribunal.

Tais práticas e observações nos levam crer que o mesmo tem ocorrido para a elaboração dessas manifestações de haver ou não repercussão geral nos recursos extraordinários com passagem – agora obrigatória – pela presidência, ou seja, assessores têm promovido o exame dos apelos e elaborado tais manifestações para submissão posterior ao Plenário Virtual.

Essa prática incomoda, não pela competência daqueles que foram destacados para tal missão, pois se estão à frente dos postos que ocupam é por que houve reconhecimento prévio de suas capacidades, mas, sim, pelo fato de que tais manifestações – podemos afirmar – são sim, em algum sentido, unas, e assim serão de forma perene, sujeitas que estarão à convicção de alguns poucos e de sua formação doutrinária e jurisprudencial.

A forma anterior, em que os demais ministros se permitiam a elaborar tais manifestações de haver ou não repercussão geral, prestigiava não só a formação colegiada do tribunal – constitucionalmente determinada -, mas também o pensamento livre e diferenciado entre os 11 componentes da Corte, cada qual imbuído de convicções, fossem elas pessoais, acadêmicas ou oriundas das funções profissionais anteriormente desempenhadas por cada um.

Tal modalidade de procedimento dava oxigenação aos ‘corredores’ da Casa e ao debate, sujeita agora a uma apreciação e submissão única da presidência da Corte.

E mais, referida modalidade ainda nos leva a questionar a estrita observação ao princípio do juiz natural pela Corte, uma vez que humanamente impossível que o presidente do Supremo Tribunal Federal possa individualmente analisar, elaborar e submeter tais manifestações ao Plenário Virtual.

Mais uma vez, repita-se, não se questiona a competência das pessoas e servidores designados para o exercício de árdua tarefa, mas a observação que se deve ter a um princípio maior, que é o do juiz natural[3]. Celeridade e esvaziamento de escaninhos não podem prevalecer sobre tal determinação constitucional.

Lançamos aqui essas poucas linhas para reflexão, cientes de que um maior aprofundamento sobre algumas afirmativas se fazia necessário, mas assim o fizemos para proposital provocação, ainda mais observadores que somos do firme propósito que há no sentido de se dar mais celeridade ao Poder Judiciário; promoverem-se reformas processuais – em especial de ordem recursal -; e, somado a tudo isso, a constatação d’uma atuação ativista[4] de nossa Corte Suprema.


[1] CF/88, artigo 102, § 3º, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45/04; CPC, artigos 543-A e 543-B, acrescidos pela Lei nº 11.418/06; RISTF, Artigos nºs 322-A e 328, com a redação da Emenda Regimental nº 21/2007, Artigo nº 328-A, com a redação da Emenda Regimental nº 23/08 e da Emenda Regimental nº 27/2008, Artigo nº 13, com a redação da Emenda Regimental nº 24/2008 e da Emenda Regimental nº 29/2009, Artigo nº 324, com a redação da Emenda Regimental nº 31/2009; e, Portaria 138/2009 da Presidência do STF

[2] Fontes: http://www.espacovital.com.br e http://www.anajus.org, acessado o segundo em 31/05/2011

[3] Artigo 5º, LIII, CF/88

[4] “Um novo Supremo passou a exercer notável protagonismo.

De guardião dos direitos individuais contra atos do Poder Público, assumiu a condição de Poder Político interessado na consecução dos objetivos governamentais. Suas decisões oscilam entre a defesa jurídica da Constituição e os imperativos do governo. As primeiras reforçam a legitimidade de órgão de cúpula do Judiciário, pois baseadas na imparcialidade técnico-jurídica. As demais revelam a inafastabilidade do juízo político da função de quase Corte Constitucional.” (“in” Tratado de Direito Constitucional, v. 1/coordenadores Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 975)

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