Defesa categórica

"O inconsciente coletivo não compreende o advogado"

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2 de junho de 2011, 10h53

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Marcelo Knopfelmacher2 - spacca

O Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) nasceu em 2002, quando jovens advogados se uniram para contestar as recorrentes invasões a escritórios de advocacia pela Polícia Federal. “Os mandados judiciais para essas diligências eram muito amplos e as buscas e apreensões não respeitavam a lei da advocacia à época, que já estabelecia a necessidade de acompanhamento de um representante da OAB”, relembra Marcelo Knopfelmacher, um dos fundadores do grupo, que há um ano está no comando do MDA.

A entidade, segundo ele, foi criada para complementar e reforçar a atuação de associações como a OAB, o Instituto dos Advogados de São Paulo, o Instituto dos Advogados Brasileiros. E, por ter estrutura menor (hoje são 350 associados e 66 conselheiros), tem a vantagem de ser mais rápida na hora de identificar problemas e fazer reivindicações em defesa da classe e de suas prerrogativas. O primeiro presidente foi o criminalista Sérgio Rosenthal.

Em entrevista à ConJur, Knopfelmacher diz que a sociedade ainda não entende muito bem o papel do advogado. "No inconsciente coletivo, há muita incompreensão sobre a atividade do advogado. É uma profissão que enfrenta muitos desafios", afirma. Sobre a audiência no Senado em que se discutiu a apresentação de projeto de lei para vetar pagamento de honorários com dinheiro de origem ilícita, afirma que o advogado não pode fazer juízo de valor sobre a origem do dinheiro que recebem de seus clientes, culpados ou inocentes. "Defender alguém que está sendo acusado é a tarefa básica da advocacia. Lidamos mesmo com problemas. Se não há problemas nós não precisamos existir."

Durante o seu primeiro ano de gestão do MDA, Marcelo enxugou o número de comissões. Hoje, são quatro: Comissão de Prerrogativas, de Assuntos Penais, Assuntos Tributários, e de Apoio a Departamentos Jurídicos.

A primeira é a "espinha dorsal" da entidade. Dentre outras atividades, conseguiu ser incluída amicus curiae na ADI proposta pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal contra a Resolução 63 do Conselho da Justiça Federal contra a tramitação direta dos inquéritos entre a PF e o Ministério Público Federal, sem a intervenção do Judiciário. "O Ministério Público não tem estrutura para essa atuação e é muito importante a intervenção do Judiciário que vai controlar essas tramitações", acredita.

A Comissão de Assuntos Tributários teve um papel determinante na dispensa de apresentação por instrumento público na representação dos contribuintes na Receita Federal, e a de Departamentos Jurídicos, estuda questões como a inviolabilidade do departamento e da comunicação entre o advogado e a empresa, os limites da consciência de cada um versus a imposição da empresa.

Marcelo Knopfelmacher tem 35 anos. Há dez, fundava o seu próprio escritório de advocacia, especializado em Direito Tributário. Bacharel e mestre pela PUC-SP transformou em livro a tese Conceito de Receita na Constituição — Método para sua Tributação Sistemática, com apresentação de Ives Gandra Martins.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual é a história do Movimento em Defesa da Advocacia?
Marcelo Knopfelmacher —
O MDA surgiu em 2002, formado por um grupo de advogados entre 30 e 40 anos, a partir de uma necessidade momentânea de vozes para defender a advocacia. Naquela época ocorreram diversas invasões em escritórios de advocacia pela Polícia Federal, que estava cometendo muitos abusos em buscas e apreensões absolutamente indiscriminadas. Os mandados judiciais para essas diligências eram muito amplos e as buscas e apreensões não respeitavam a lei da advocacia à época, que já estabelecia a necessidade de acompanhamento de um representante da OAB. Não havia uma separação entre o que era atividade do cliente, que estava sendo objeto de busca e apreensão, e o que era uma eventual participação dos advogados nesses supostos delitos. Teoricamente, o advogado não poderia ter seus arquivos violados a menos que também estivesse sendo investigado.

ConJur — As instituições que já existiam não davam conta de proteger essas prerrogativas?
Marcelo Knopfelmacher —
Naquele momento sentimos que havia um vácuo. Até porque, constitucional e legalmente falando, a OAB tem uma série de atribuições, e muitas vezes as respostas por parte de uma entidade tão volumosa não são tão rápidas como de um grupo de advogados que realmente estava sentindo na pele o que acontecia. Também havia a necessidade de fazermos algo com as nossas próprias mãos.

ConJur — Quais medidas foram tomadas pelo MDA naquela época?
Marcelo Knopfelmacher —
Diversos ofícios foram mandados, houve uma pressão forte para que essas buscas e apreensões de fato fossem acompanhadas por representantes da Ordem. Ao lado das demais entidades de classe, solicitamos a regulamentação para investigações em escritórios de advocacia e, em 2005, foram editadas as Portarias 1.287 e 1.288 do Ministério da Justiça, que fazem isso. Isso foi muito importante. Não é mérito só do MDA, mas sua formação foi uma tomada de posição muito significativa.

ConJur — A comissão de apoio ao departamento jurídico está discutindo a inviolabilidade do departamento jurídico. Como vocês enxergam essa questão? O que pode ser investigado? Quando a Polícia pode entrar em busca de documentos? Quais são os limites dessa investigação?
Marcelo Knopfelmacher —
O entendimento da nossa entidade é de que o departamento jurídico deve receber o mesmo tratamento legal e jurídico que recebem os escritórios de advocacia. Essas buscas e apreensões precisam ser observadas caso a caso, mas o sigilo de correspondência entre o advogado e o cliente deve ser respeitado. Só se pode fazer busca e apreensão nos computadores do profissional se ele também estiver sendo acusado de prática delituosa. Caso contrário, seria o mesmo que para investigar um homicídio a Polícia entre no consultório do psiquiatra e revire todos os arquivos para entender se aquela pessoa que está sendo acusada de homicídio tem alguma disfunção mental ou não. Aquele profissional que atende a pessoa, seja ele o cliente ou o paciente, está protegido pelo sigilo profissional e não pode divulgar essas informações.

ConJur — O fato do advogado do departamento jurídico ser funcionário da empresa não muda essa situação?
Marcelo Knopfelmacher —
Hoje há uma indefinição, não existe uma norma legal que atenda essa especificidade. Por isso, a Comissão de Departamentos Jurídicos está envolvida na elaboração de um projeto para criar um dispositivo que detalhe melhor essa equiparação, inclusive do advogado empregado. Mas, no meu entendimento, não é porque o advogado é empregado que deixa de ser advogado. Claro que existe muita confusão dentro das empresas grandes, o advogado muitas vezes fica muito limitado, mas isso vai da consciência de cada profissional.

ConJur — É possível abrir exceção quando houver indícios de que no departamento jurídico estejam sendo guardadas provas contra os acusados?
Marcelo Knopfelmacher —
Cada caso é um caso. Não se pode criar uma regra geral e acabar, sob o manto do sigilo profissional, acobertando situações que são irregulares. Nós não estamos aqui para usar o escritório de advocacia como um local inviolável, porque podem acontecer abusos, que devem ser coibidos. Mas uma coisa é fato: o advogado não pode ter o seu HD, no qual constam informações de outros clientes, apreendido pela Polícia em seu pleno exercício profissional, com base em uma ordem judicial absolutamente aberta. Isso não é possível, porque não é democrático, é bárbaro.

ConJur — Houve uma audiência no Senado sobre a possibilidade de se vetar o pagamento de honorários com dinheiro de origem ilícita. O senador Pedro Taques (PDT-MT) declarou que vai apresentar um projeto de lei para que integrantes do crime organizado sejam representados por defensores públicos. Você acredita que o advogado tem que dizer para a Polícia o crime do cliente que ele está defendendo?
Marcelo Knopfelmacher —
Eu não conheço o projeto, mas não se pode fazer juízo de valor sobre a origem do dinheiro pago para o profissional trabalhar. Mais uma vez o advogado pode estar sendo confundido com a figura de seu cliente. Isso não pode acontecer. Ele é um profissional como qualquer outro. Defender alguém que está sendo acusado é a tarefa básica da advocacia. Lidamos mesmo com problemas. Se não há problemas nós não precisamos existir. Parece que realmente existe nessa proposta, como existe no inconsciente coletivo, muita incompreensão com relação à atividade do advogado. Esse inconsciente coletivo acaba sendo escutado por outro parlamentar e tendo eco no Congresso Nacional.

ConJur — Essa também não é uma forma de limitar o direito de defesa do réu?
Knopfelmacher —
Todo profissional tem de ser remunerado. Essa é a ordem natural das coisas. Mais do que o direito de defesa, a ideia viola o exercício da profissão. O direito de defesa é uma consequência, não menos importante, da violação ao exercício profissional, que também é uma garantia constitucional, o livre exercício de qualquer profissão. Especialmente uma profissão regulamentada, que a própria Constituição diz em seu artigo 133 ser indispensável à administração da Justiça.

ConJur — O senhor mencionou a questão do inconsciente coletivo não compreender a atividade do advogado e de se manifestar nesse tipo de projeto. Enxerga alguma outra forma de manifestação disso?
Marcelo Knopfelmacher —
Muitas vezes, o advogado não consegue ter acesso aos autos do inquérito em que é patrono. O STF já aprovou a Súmula Vinculante 14, que diz ser “direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. O simples fato de o Supremo ter de editar uma súmula para garantir esse direito mostra que as coisas não vão bem. Na área tributária também têm situações muito difíceis, como é o caso da exigência de procuração por instrumento público para o advogado ter acesso aos processos administrativos tributários federais. Nesse assunto, o MDA teve uma atuação muito importante, ao ajudar a evitar a conversão em lei da Medida Provisória 507. O Movimento mandou ofício para todos os deputados da Câmara pedindo a não conversão da MP em lei e explicando que era mais um entrave para os advogados poderem atuar de uma maneira livre. Dos 513 ofícios, 30% foram respondidos. Antigamente havia um respeito muito maior pelo advogado. Hoje as coisas mudaram, e está errado.

ConJur — Como avalia o seu primeiro ano à frente do MDA?
Marcelo Knopfelmacher —
Tem sido extremamente gratificante por uma única razão: poder fazer alguma coisa pela profissão que me deu tudo. Nesse primeiro ano, reestruturamos o MDA enxugando a quantidade de comissões. Hoje existem quatro. A Comissão de Prerrogativas, presidida pelo Rogério Coriliano, é bastante reativa, emite muitos ofícios quando provocada. A comissão de assuntos penais, cujo presidente é o Fábio Delmanto, acompanha todas alterações jurídicas relevantes, e até participou como amicus curiae em uma ADI proposta pela Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal contra a Resolução 63 do Conselho da Justiça Federal, que determina a tramitação direta dos inquéritos entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, sem a intervenção do Judiciário. Também tem a Comissão de Assuntos Tributários, presidida pelo Humberto Golveia, que atuou na não conversão da MP 507 em lei. Temos também a Comissão de Apoio aos Departamentos Jurídicos, presidida pelo Romeu Amaral, que também tem estudado questões sobre os limites da consciência de cada um “versus” a imposição da empresa, e a separação física do departamento jurídico.

ConJur — O MDA está discutindo a PEC 15/2011 dos Recursos, apresentada com base na proposta do ministro Cezar Peluso?
Marcelo Knopfelmacher —
Os motivos para formulação da PEC são muito válidos, a morosidade da Justiça é um tema que atinge em cheio a classe dos advogados. Nós somos os que mais sofremos com ela, mas não podemos admitir a violação da garantia da ampla defesa e do contraditório, com a eliminação dos recursos a elas inerentes. Pessoalmente, entendo que o problema maior é uma falta sistêmica e crônica de investimento no Poder Judiciário, na estrutura e nas pessoas. O Poder Judiciário tem que ser olhado com olhar de gestão, como serviço público, da mesma forma que olhamos os hospitais. Não é imitando as cortes europeias ou as cortes norte-americanas e tirando o direito do cidadão de ter a sua pretensão reconhecida pelo Judiciário que vamos resolver o problema. O Supremo já está conseguindo se pronunciar sobre os temas que a sociedade precisa, e vai ter que se pronunciar sobre a PEC. Lembrando que o próprio STF já derrubou emendas constitucionais.

ConJur — Um dos focos do projeto de reforma do CPC é reduzir o número de recursos, mas não como forma de reduzir o direito de defesa. Esse enxugamento nas possibilidades de se recorrer é válido?
Marcelo Knopfelmacher —
Entendo que não há muitos recursos no sistema processual brasileiro. O problema é a burocracia e a tramitação deles. O próprio ministro Peluso teve uma grande iniciativa em 2008 quando modificou a legislação processual sobre o recurso de despacho denegatório a Recurso Especial e Extraordinário. Antes era preciso fazer o traslado de todas as peças do processo para Brasília. Hoje, se faz um Agravo nos próprios autos e o processo sobe diretamente. É da essência do nosso direito ter recursos. O que não pode acontecer é a apresentação de recursos protelatórios. O projeto do CPC não está pretendendo acabar com os recursos, mas otimizar os já existentes. Otimização é sempre válida. Chegou o momento de resolvermos a morosidade da Justiça, o que não vai acontecer com uma canetada. É necessária uma mudança de comportamento, de controle, inclusive dos juízes e servidores. O juiz deve ser entendido como funcionário público. Muitos juízes preferem trabalhar de casa, porque lá conseguem se dedicar mais. Com isso, os cartorários não se sentem pressionados a produzir melhor. Essas questões precisam ser padronizadas e normatizadas para não atravancar a máquina do Judiciário.

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