Vício de iniciativa

Lei municipal não pode exigir fim da sacola plástica

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28 de julho de 2011, 11h26

O sistema de divisão de função impede que o órgão de um poder exerça as atribuições de outro, de modo que a Prefeitura não pode legislar, como também a Câmara não pode ter função específica do Poder Executivo. No Direito brasileiro, o vício da lei, por usurpação de iniciativa, é causa de nulidade, por inconstitucionalidade formal.

Com o fundamento de vício de iniciativa e de violação do pacto federativo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou inconstitucional a Lei 2483-A/2010, do município de São Vicente, no litoral paulista. A norma obrigava supermercados a substituir as sacolas plásticas convencionais por embalagens biodegradáveis.

A lei ainda determinava prazo de 30 dias para as empresas se adequarem a regra e, no caso de descumprimento, previa multa de R$ 1,5 mil que seria aplicada em dobro no caso de reincidência. O projeto de lei foi apresentado por um vereador, aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pelo prefeito.

A tese vencedora encontrou resistência. Por quinze votos a seis, prevaleceu o entendimento do desembargador Samuel Júnior, relator do recurso. “Quando o Parlamento, portanto, edita, por sua iniciativa, lei cuja matéria é reservada ao Poder Executivo, o ato será nulo, por vício de inconstitucionalidade formal”, afirmou o relator.

Para o desembargador Samuel Júnior, ao propor a norma, a Câmara de Vereadores editou ato que gera obrigação e deveres para os órgãos executivos do Município e, com isso, deixou de observar a iniciativa de lei reservada ao prefeito, contrariando regras do estado de São Paulo e da Constituição Federal.

“A falta de iniciativa, quando se trata de competência reservada, não pode ser convalidada pela sanção, do mesmo modo que o projeto de lei votado sem quorum”, justiçou o desembargador Samuel Júnior. Segundo o relator, o vício de origem opera ex nunc (desde agora), não podendo o ato de sanção confirmar esse erro.

O desembargador Renato Nalini capitaneou a divergência. Ele considerou que a defesa de um meio ambiente saudável não permite o apego a esse tipo de formalismo. No entendimento de Nalini, é certo que a lei questionada goza de legitimidade, exatamente por ter sido decorrência de uma política municipal de defesa do meio ambiente. Ainda segundo o desembargador, a legitimidade da norma também deve prevalecer por esta [a lei] se inserir em um amplo plano de medidas que encontram fundamento na defesa do interesse das presentes e futuras gerações.

“Dessa maneira, emerge cristalino que a força legitimadora da ação do Estado – aqui através da figura do Município – no plano de uma democracia participativa com fundamento discursivo e dialógico – é instrumento hábil a afastar a incidência de principiologia ultrapassada acerca da constitucionalidade da lei questionada”, completou.

O tribunal acabou atendendo pedido do Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo. Por quinze votos a seis, a corte paulista entendeu que a lei de São Vicente era inconstitucional por vício de iniciativa (no lugar de ser proposta pelo Executivo, partiu de provocação da Câmara de Vereadores) e violava o pacto federativo.

“A iniciativa de matérias reservadas ao Poder Executivo não pode ser suprida por membro do Poder Legislativo, naquilo que se denomina usurpação de iniciativa. Mesmo quando a autoridade responsável pela sanção em vez de vetar o projeto de lei, demonstrar sua aprovação, seja expressa ou tacitamente, não estaria convalidando a iniciativa, ou seja, não estaria tornando válido o ato usurpador”, afirmou em seu voto o desembargador Samuel Júnior.

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