Efeito vinculate

União gay não precisa ser regulamentada por lei

Autor

  • Bruno Barata Magalhães

    é advogado consultor em Direito Administrativo e Eleitoral membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

27 de julho de 2011, 9h03

O Brasil vivenciou no dia 5 de maio de 2011 um momento único, comparável aos grandes acontecimentos da história do país. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar, por unanimidade, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, conferiu amplitude à interpretação do artigo 1.723 do Código Civil, permitindo o reconhecimento legal da união homoafetiva como entidade familiar.

A decisão proferida pelo Pretório Excelso não apenas reconheceu a legalidade da união estável homoafetiva, mas também ratificou a regra insculpida no caput do artigo 5º da Lex Mater: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

A ADI 4.277, de autoria da Procuradoria-Geral da República, inicialmente classificada como ADPF 178 e re-autuada posteriormente, apresentou dois pedidos distintos: “declarar a obrigatoriedade do reconhecimento, como entidade familiar, da união entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidos os mesmos requisitos exigidos para a constituição da união estável entre o homem e a mulher” e “declarar que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo”.

Através da petição 88343/2009, a Procuradoria-Geral da República requereu, como pedido subsidiário, o conhecimento da ADPF 178 como ação direta de inconstitucionalidade, conferindo interpretação extensiva ao artigo 1.723 do Código Civil, aplicando às uniões homoafetivas as mesmas regras constantes no mencionado dispositivo.

O brilhante voto do Ministro Ayres Britto, Relator dos citados processos, faz um resumo dos intensos debates ocorridos no plenário da Suprema Corte. Compuseram os debates não somente os argumentos dos Ministros, mas também as opiniões de diversas entidades insertas ao processo como amicus curiae que, por meio de petições ou sustentações orais, expressaram seus conceitos com relação ao objeto do julgamento.

Há que se destacar trecho da conclusão do voto do Eminente Relator, verbis:
“Dando por suficiente a presente análise da Constituição, julgo, em caráter preliminar, parcialmente prejudicada a ADPF 132-RJ, e, na parte remanescente, dela conheço como ação direta de inconstitucionalidade. No mérito, julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva”.

A decisão constante na certidão de julgamento da ADI 4.277 resume o consenso alcançando pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, cujo trecho ora se transcreve:
“Prosseguindo no julgamento, o Tribunal reconheceu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de inconstitucionalidade, por votação unânime. Prejudicado o primeiro pedido originariamente formulado na ADPF, unânime. Em seguida, o Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão, independentemente da publicação do acórdão”.

Muito se discutiu, e ainda se discute, sobre a repercussão e aplicação dessa decisão. O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, ressaltou a importância do Poder Legislativo em exercer uma de suas funções precípuas: a função legislativa. Discutiu-se, nessa esteira, que a decisão do Pretório Excelso apenas vislumbrava a possibilidade da existência da união estável homoafetiva, mas que a mesma precisaria de regulamentação para ser aplicada.

Também vem se discutindo, após a decisão do Pretório Excelso, sobre a necessidade de casais homoafetivos ajuizarem medidas judiciais a fim de reconhecer, por sentença judicial, sua união estável e poder, enfim, garantir o exercício de seus direitos.

A decisão da Suprema Corte despertou, outrossim, a necessidade de célere votação do Projeto de Lei da Câmara 122/06, em tramitação perante o Senado Federal, que altera a Lei federal 7.716/89, o Decreto-Lei 2.848/40 e o Decreto-Lei 5.452/43, a fim de coibir a discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Destarte, o cerne da discussão decorrente do julgamento da ADI 4.277 foi a necessidade de maior movimentação do Poder Legislativo. Ademais, nesse mister, cumpre analisar a real incidência dos efeitos dessa importante decisão.

A Emenda Constitucional 45/2004 alterou o parágrafo 2º do artigo 102, conferindo-lhe a seguinte redação:
“Artigo 102
Parágrafo 2º: As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

Depreende-se da leitura do mencionado dispositivo que as decisões definitivas de mérito em sede de ação direta de inconstitucionalidade produzem eficácia erga omnes e efeito vinculante, não apenas aos órgãos do Poder Judiciário, mas, também, à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Significa dizer, portanto, que não apenas o Poder Judiciário tem de aplicar, obrigatoriamente, a decisão proferida nos autos da ADI 4.277, vez que estão vinculados, mas também toda a Administração Pública, direta e indireta.

Nesse mister, a união estável homoafetiva não necessita de normatização seja por via de lei ordinária, seja por via de emenda constitucional. Ademais, frise-se que a união estável está positivada na Lex Mater, no parágrafo 3º do seu artigo 226, regulamentada pela Lei federal 9.728/96 e prevista no Código Civil.

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, ao dar nova interpretação ao artigo 1.723 do Código Civil, conferindo paridade entre os casais homoafetivos e os casais heteroafetivos, vai ao encontro dos dispositivos acima mencionados, não sendo obrigatório aguardar qualquer iniciativa do Poder Legislativo para aplicar o referido decisum.

Dessa forma, a fim de restar configurada a união estável homoafetiva, os respectivos casais apenas têm de cumprir os mesmos requisitos já cumpridos pelos casais heterossexuais. Requisitos esses previstos na legislação e na jurisprudência pátria, senão vejamos o dispositivo-objeto da ADI 4.277, qual seja, o artigo 1.723 do Código Civil:
“Arigo. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Se um casal homoafetivo mantém união estável pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família, está configurada a entidade familiar, sem a obrigatoriedade de edição de qualquer outra norma acerca da matéria.

Destarte, desde a publicação da decisão proferida nos autos da ADI 4.277 e, portanto, com o início da vigência dos seus respectivos efeitos vinculantes, os casais homoafetivos podem habilitar-se perante qualquer instituto de previdência a fim de requerer a respectiva pensão de seus companheiros, estabelecer na entidade familiar, legalmente, o regime da comunhão parcial de bens, regime aplicável pelo Código Civil à união estável, dentre outras possibilidades.

É evidente que a alteração da legislação é importante e salutar, não apenas para os beneficiados pela decisão na ADI 4.277, mas para toda a sociedade. Toda a forma de discriminação com relação à opção sexual há de ser abolida. Positivar o fim desse abismo que separavam casais homoafetivos de casais heteroafetivos é uma forma de aprofundar o fim dessa discriminação no âmago da sociedade. Contudo, prima facie, os direitos dos casais homoafetivos estão resguardados pelos efeitos vinculantes da decisão do Supremo Tribunal Federal, devendo a aplicação de tais efeitos ocorrer de imediato.

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    é advogado, consultor em Direito Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

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