Novas regras

Marco da Mineração pode estimular destruição ambiental

Autor

  • Victor Fróis Rodrigues

    é advogado e professor universitário. Especialista em Direito Notarial e Registros Públicos pela Anhanguera-Uniderp/SP. Especialista em Direito Público pela PUC/MG. Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos/MG.

26 de julho de 2011, 11h36

A mineração tornou-se um dos setores com melhor desempenho econômico, atraindo largo volume de investimento no atual panorama da economia brasileira, impulsionando os índices da tabela de exportações e refletindo em arrecadações recordes para a Fazenda Pública.

O cenário é promissor, pois a exploração mineral no país vive um momento de destaque e chama a atenção dos investidores de todo o planeta.

No setor, o foco gira em torno dos índices econômicos e perspectivas de ganhos e lucros futuros, como demonstra o prospecto publicado recentemente pelo Ministério de Minas e Energia, estimando um desenvolvimento astronômico para a exploração mineral até o ano de 2030.

O tema que proponho debater tem enorme relevância para a manutenção deste cenário positivo, a adaptação das normas legais que regulamentam a atividade, ao panorama moderno de exploração mineral, enfrentando problemas de ordem prática como a preservação e conservação do meio ambiente junto ao desenvolvimento sustentável da atividade, a fiscalização e regulamentação da garimpagem, da faiscação e da cata (modalidades de exploração feita individualmente, por meio de instrumentos rudimentares), a criação de uma Agência Reguladora que viria a substituir o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a exploração em terras indígenas e a questão mais debatida, o reajuste das taxas percentuais do CFEM, os chamados royalties da mineração, e das respectivas cotas partilhadas entre Município, Estado ou Distrito Federal e União, ponto que já é discutido hoje em relação ao pré-sal.

O vetusto diploma mineral, publicado no longínquo ano de 1967, não enfrentava, à época, a problemática do desenvolvimento sustável, questão que hoje caminha paralelamente ao discurso do desenvolvimento econômico. Questões antes negligenciadas hoje exigem reflexão e comprometimento. Qual o melhor caminho para conciliar a preservação dos recursos naturais e promover o desenvolvimento de um país em ascensão econômica, como conservar e aproveitar nossos recursos para que asseguremos a sobrevivência do setor em futuros menos próximos são os pontos em destaque. Os legisladores acenam com a hipótese de instituir um sistema de compensação ambiental, que é um mecanismo de compensação financeira devida pelos impactos e danos ao meio-ambiente, valores que seriam revertidos imediata e diretamente na reconstituição das áreas degradadas ou na criação de “parques ecológicos”.

A medida deve ser vista com reservas, este mecanismo, via indireta, estimula os exploradores a lesarem nosso patrimônio natural, pois a sanção pecuniária poderá ser compensada pelos vultosos lucros obtidos pela extração não-racional, e certamente após a constatação da compensação financeira, seria a multa englobada nos custos da exploração. Afigura-se mais próximo dos reais efeitos desejados a instituição de um modelo de recompensas ou gratificações, que naturalmente deveria ser de natureza pecuniária, a redução progressiva dos royalties, conforme o cumprimento de metas, que poderiam ser a prática de atos de omissão, ou a abstenção de agir, não destruir, não degradar, e atos comissivos, como por exemplo, a reconstituição de áreas já degradadas.

Durante a década de 80, no Brasil, a garimpagem teve seu período de destaque no século, a chamada corrida do ouro moderna gerou um dos maiores movimentos migratórios do país, milhares de garimpeiros se dirigiram à região da Serra Pelada após o anúncio oficial da existência de ouro no local feito pelo então Ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki. Percebe-se que problemas discutidos à época ainda hoje seguem relevantes quando falamos de garimpagem. Como já mencionado, a exploração desordenada é causadora de enormes malefícios ao meio-ambiente, exemplo constado na própria Serra Pelada, além da fiscalização que se torna inviável devida à extensão continental do país e o grande número de garimpeiros em exercício. O atual Código de mineração, decreto-lei 227/67 e a lei 11.685, o chamado Estatuto do Garimpeiro, enfrentam a matéria de forma pertinente, combatem diretamente questões sociais relevantes, como o trabalho infantil e o trabalho escravo, incentivam a associação dos garimpeiros por meio de cooperativas representativas de seus direitos, facilitando a fiscalização do DNPM. Instituem o registro individual do garimpeiro nas Coletorias Federais do Município, o que na prática também facilita a fiscalização da atividade e a arrecadação das taxas devidas. Contudo, apesar dos avanços, ficam os diplomas em dívida no que pertine à regulação dos meios de fiscalização, a cominação de sanções, e como será feita a recuperação das áreas degradadas.

A exploração mineral em terras indígenas, tema que frequenta com assiduidade as discussões, preocupa. Conflitos entre os nativos e os aventureiros que eventualmente buscam nessas terras o exercício de uma atividade econômica lucrativa já são realidade, trata-se de um conflito entre interesses que são inclusive tutelados constitucionalmente, o direito à livre iniciativa, e o desenvolvimento econômico se contrapõem à preservação de valores, tradições e direitos originários dos indígenas. A Constituição da República atribui ao Congresso Nacional a competência para conceder a permissão de exploração dos recursos minerais que se encontrem em terras indígenas, mas dispõe em seguida que deverão ser ouvidas (audiência pública) as comunidades afetadas, e a estas deverá ser assegurada a participação nos resultados da lavra. Tramita no Congresso Nacional sob regime de urgência, o Projeto de Lei 1.610/96, que visa regulamentar a disposição constitucional pertinente á exploração de recursos minerais dentro das terras indígenas, discute-se centralmente a possibilidade de dar aos indígenas o poder de decisão de final em relação à exploração, e em contrapartida quais serão os retornos e compensações devidas às comunidades indígenas pela exploração.

Um traço básico do direito minerário é a duplicidade da propriedade. Da propriedade do solo se desdobra e distingue-se a propriedade da jazida mineral, espacialmente podem sobrepor-se e confundir-se, mas a Constituição da República é imperativa, dispõe pertencer a União todos os recursos minerais, inclusive os do subsolo. Não chega tal hipótese a ser uma das modalidades de perda da propriedade imóvel, como as descritas no rol do artigo 1.275 de nosso diploma civil, mas uma limitação expressa à extensão do domínio, como dispõe o mesmo diploma em seu artigo 1.230, a propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, como já exposto, estas pertencem exclusivamente à União, mas nada impede que o proprietário do solo adquira o título suficiente para exploração destas. Na prática veremos grandes conflitos entre mineradoras e proprietários, estes últimos por fim, deverão suportar a realização da pesquisa, da lavra e em alguns casos a instituição de servidões em nome de um interesse maior, o interesse Nacional, a União então, através do regime de concessões outorgará a particulares o direito de exploração, adquirirão estes, a propriedade daqueles minerais que extrair, realizando o devido pagamento compensatório à União e a participação ao proprietário do solo.

Os proprietários geralmente descontentes pleitearão, pois, os seus direitos reparatórios, e vê-se aqui a polêmica que atravessa não somente a exploração nas reservas indígenas. A legislação em vigor diz fazer jus o proprietário do solo, a indenização decorrente de danos e prejuízos causados a área, mas este valor não poderá exceder o valor venal da propriedade, excepcionando somente a hipótese de inutilização para fins agrícolas e pastoris de toda a parte da propriedade encravada na área de exploração ou pesquisa, quando fará jus ao valor venal máximo da mesma. O legislador, a meu ver foi displicente, na tentativa frustrada de impedir o enriquecimento ilícito, excedeu-se ao razoável e ao justo, o valor arbitrado a título indenizatório deveria ser limitado ao valor real da área, o valor em prática no mercado imobiliário local e não ao valor venal da área.

Outra hipótese que foi proposta ao texto do novo marco regulatório é a criação de uma agência reguladora da atividade que viria a substituir o DNPM, autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia hoje responsável por disciplinar e regulamentar a atividade. As agências reguladoras são criação doutrinária do direito norte-americano, tem natureza jurídica de autarquia, mas em um regime especial que as atribui maior autonomia. Na prática não ocorrerão mudanças significativas, a esta agência serão outorgados poderes para conferir concessões, permissões e autorizações de pesquisa ou lavra, no mesmo formato que se aplica hoje. A modificação seria motivada, a meu entender, por uma vaidade formalista, que traria padronização nominal e jurídica aos entes da administração indireta com função reguladora (Anatel, Aneel, ANTT, Anvisa).

A grande polêmica ficará por conta da CFem, e não, não é a natureza jurídica desta contribuição o enfoque do debate, apesar de levantar grande expectativa dos estudiosos a solução desta controvérsia. Discutem nossos ilustres legisladores sobre modificação da alíquota desta contribuição que incide sobre o faturamento líquido da empresas comercializadoras de produtos minerais, descontados todos os tributos incidentes, e também os valores do transporte e do seguro da mercadoria. Hoje a alíquota varia entre os percentuais de 0,2 a 3%, conforme o tipo de mineral extraído. O ministro Edson Lobão (Minas e Energia) já afirmou que os valores pagos a título de royalties pela extração mineral são baixos, e comparou as nossas alíquotas com as da Austrália, país referência pela sua participação no setor, que hoje recebe mais de 7% de royalties sobre o faturamento líquido se suas empresas com a venda de minérios.

Em outro sentido, caminha discussão sobre a distribuição do CFEM. Hoje a contribuição é repartida entre os Municípios, os Estados ou Distrito Federal e a União, respectivamente nos seguintes percentuais: 23%, 65% e 12%, sendo que 10% dos valores direcionados à União serão revertidos em favor do DNPM e o restante 2%, constitui parcela destinada à proteção ambiental das regiões degradadas pela exploração, por intermédio do IBAMA. Os municípios reivindicam uma distribuição mais benéfica, consubstanciam sua razão no fato de serem o ente federativo mais afetado com os prejuízos e danos ambientais proporcionados pela atividade, e por também serem os menos providos economicamente para promover a reconstituição destas áreas, logo fariam jus a uma participação maior do rateio.

Não seria viável aqui a exposição de todas problemáticas da atual legislação mineral, mas vale frisar em conclusão, que muito deve ser feito em prol da desburocratização dos procedimentos administrativos:

I  A eficiência e a publicidade são princípios norteadores e devem permear os atos daquele ente que vier a ser o regulamentador e fiscalizador do setor;

II – Os investidores buscam clareza, concisão e segurança na legislação, o grande número de portarias regulamentadoras, decretos ministeriais, orientações normativas, a variedade de tributos e os entraves para se obter o licenciamento ambiental, são fatores determinantes no direcionamento de investimentos no setor, o legislador deverá observar estas questões práticas na elaboração do novo marco regulatório da mineração para garantir a vertiginosa crescente do setor.

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