Questão conceitual

Receita desrespeita classificações de barcos

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15 de julho de 2011, 7h29

A Receita Federal está cobrando da Petrobras R$ 4,6 bilhões, correspondentes ao não pagamento de Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos auferidos no país por residentes ou domiciliados no exterior, com o aluguel de plataformas marítimas, no período de 1999 a 2002. Nos termos da Lei 9.481, de 13 de agosto de 1997, a isenção de IR somente é concedida para o aluguel de embarcações marítimas. Contudo, a Receita Federal entende que, por terem como atividade principal a exploração petrolífera, desenvolvida enquanto estacionadas sobre um determinado ponto do mar, as plataformas marítimas não se enquadrariam na categoria de embarcação, que se limitaria ao transporte de pessoas e cargas.

A decisão da Receita Federal consegue, ao mesmo tempo, desrespeitar a distinção conceitual entre embarcação e navio, e aplicar equivocadamente o teste da função principal para a classificação de embarcações como navios.

Apesar das frequentes imprecisões no uso dos conceitos de embarcação e navio como sinônimos, tais conceitos não se confundem, eis que: (i) o navio é uma espécie do gênero embarcação; (ii) o gênero embarcação compreende vários engenhos navais que se locomovem ou flutuam sobre as águas; e (ii) a espécie navio está limitada às embarcações que sejam usadas na navegação, isto é, embarcações que transportam mercadorias ou pessoas sobre águas navegáveis, para determinado destino.

Verifica-se que o conceito de embarcação é amplo o suficiente para abranger as inovações impostas pelo constante processo tecnológico, como é o caso das plataformas marítimas que são construções navais que permitem o alcance de reservas do fundo do mar, usadas em operações de exploração (perfuração de poços para a avaliação da vantagem econômica da produção) e de produção (perfuração de poços para a extração do petróleo). Ambos os tipos de plataformas marítimas, usadas na exploração ou na produção de petróleo no mar, têm necessariamente a capacidade de se locomoverem para alcançar o poço e de flutuarem sobre o poço durante o desempenho de suas atividades, e, portanto, são sempre embarcações que, ademais, podem ser classificadas como navios nos casos das plataformas marítimas usadas em operações de exploração.

Como a isenção fiscal é concedida a embarcações de modo geral e não apenas a navios, a Receita Federal não poderia ter aplicado o teste da função principal para afastar a qualificação das plataformas marítimas como embarcações, eis que o referido teste somente teria relevância para fins do conceito de navio, e não de embarcação.

De acordo com o teste da função principal, sempre que surgir a questão de se qualificar uma estrutura como navio, as cortes devem buscar a intensidade em que a navegação é desenvolvida. Mesmo se for escassa ou auxiliar em relação à função principal, a estrutura ainda assim pode ser considerada um navio. A única exceção seria nas hipóteses de navegação mínima ou inexistente. Ressalte-se que a aplicação de tal teste pelo direito inglês no caso Clark (Inspector of Taxes) v. Perks ([2001] 2 L. Rep. 431) teve como resultado as plataformas marítimas móveis usadas na exploração de petróleo serem consideradas navios. Isto é, o fato de a função principal de tais tipos de plataformas marítimas ser a exploração de recursos no fundo do mar, atividade desempenhada em posição estática, não foi suficiente para afastá-las do conceito de navio porque durante a atividade de exploração as plataformas navegavam para ir de um local de perfuração a outro.

Espera-se que a Petrobras obtenha êxito nas medidas judiciais propostas contra a cobrança indevida da Receita Federal, promovendo-se a segurança jurídica com a aplicação do regime jurídico das embarcações às plataformas marítimas, importantes instrumentos do desenvolvimento econômico.

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