contratos de trabalho

Prisão em flagrante não justifica justa causa

Autores

  • Simone Barbosa de Martins Mello

    é advogada professora e coordenadora do curso de Pós Graduação da UNINOVE mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e em Direito Constitucional pela UNIFOR e membro da Asociación Ibero-americana del Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social.

  • JACKSON PASSOS SANTOS

    é advogado coordenador do Curso de Direito da Universidade Nove de Julho mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES-SP especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

11 de julho de 2011, 7h29

Pela ausência de previsão expressa na lei, gera controvérsia o tratamento a ser conferido ao empregado que é preso em flagrante. Ou seja, o que fazer com o contrato de trabalho? Há a autorização celetista para aplicação da despedida por justa causa para o empregado que tenha sido condenado criminalmente, com trânsito em julgado e se não houver suspensão da execução da pena – que não é o caso. E há situações que, por interpretação doutrinária ou por fixação legal, o empregado não presta serviço, mas recebe salário ou conta o tempo de serviço. Noutros casos o empregado não trabalha, não recebe salário, nem conta tempo de serviço. Desse modo, o presente trabalho indicará situações que geram a interrupção, a suspensão do contrato de trabalho e apresentará elementos que justifiquem a conclusão apresentada.

Quando se fala em prisão, remete-se naturalmente ao disciplinamento celetista que trata da despedida por justa causa por condenação criminal. Contudo, exige-se o trânsito em julgado – o que não ocorre na prisão em flagrante ou na prisão preventiva -. Outro questionamento que se faz: é possível despedir o empregado preso em flagrante sem justa causa? Não há óbice legal. Contudo, a medida pode ser entendida como discriminatória. E, como tal, o Juiz poderá determinar a reintegração do empregado afastado. Ademais, cumpre salientar que na prática há casos em que a autoridade policial sequer permite que o empregado assine documentos pertinentes a sua dispensa enquanto estiver sob a custódia do Estado.

Imagine que o empregado fique mais de 30 dias preso em razão do flagrante. É possível despedi-lo por abandono de emprego? Entendemos que não, pois nos termos do artigo 482, i, da CLT, o empregado deve ser notificado para retornar ao emprego e, nesse caso, não houve (em tese) a intenção de abandonar o serviço. Ele (em tese) quer trabalhar, mas não pode, pois está preso. Segue decisão do Tribunal Regional de São Paulo:

Da alegada dispensa por justa causa. Não prosperam os argumentos da reclamada. Como o recorrido estava detido, de nada adiantariam a notificação extrajudicial e telegrama enviados ao reclamante. Tampouco prospera o argumento de que a família do autor faltou com a verdade, pois pouco importa a tipificação do delito, que levou à prisão do obreiro. Importa que, com a detenção, o reclamante deixou de comparecer ao trabalho, mas sua ausência foi involuntária, o que descaracteriza a justa causa. Nego provimento. (TRT-SP; 10ª. Turma; Proc.: 00636-2006-037-02-00-0; Relatora: Desemb. Marta Casadei Momezzo; Publicação: 26/03/2010)

Diante do impedimento, há empregadores que optam despedir com base na alínea e do artigo 482 da CLT (desídia). Nesse sentido, segue decisão do TRT da 4ª Região que é transcrita em detalhes para que seja possível contextualizar melhor a situação:

No caso presente, a despedida do recorrente, por justa causa, teve por fundamento as faltas ao trabalho no período de 03.02.2009 a 24.03.2009, conforme se depreende da comunicação de rescisão do contrato de trabalho dirigida ao recorrente (…).  Quanto ao cerne da questão, a detenção do empregado, por si só, não encerra motivo justificável à rescisão do contrato por justa causa, fundamentada, como foi no caso dos autos (fl. 83), na alínea “e” do artigo 482 da CLT (“desídia no desempenho das respectivas funções”) (…) Como se observa, por óbvio, o autor estava impossibilitado de se apresentar ao trabalho em virtude de sua prisão, o que não se confunde nem caracteriza desídia no desempenho das funções, ressaltando-se que, tão logo posto em liberdade, o recorrente se apresentou à empresa para retomar suas atividades, o que evidencia seu interesse na continuidade da prestação laboral. (…) Não é razoável exigir do recorrente que tivesse comunicado a empresa, em virtude de se encontrar recluso, e, portanto, privado de sua liberdade, não havendo como imputar ao recorrente a culpa por não ter alguém que o fizesse com a eficiência necessária.(…) Afastada a justa causa alegada pela ré, por consequência lógica, são devidas as verbas rescisórias pleiteadas pelo recorrente (…). (TRT-RS; 0138100-24.2009.5.04.0020 (RO); Desembargador Relator Milton Varela Dutra; Data da publicação: 05.05.2011). (original sem grifos)

Interessante observar que o julgador dispensou a obrigatoriedade da comunicação da prisão, pois o empregado, por razões óbvias, estava impedido de fazê-la e não havia como assegurar a eficiência de amigos ou parentes.

Como fora dito, há casos em que o empregado não exerce suas atividades laborativas, mas que, no entanto, recebe salário ou conta o tempo de serviço – é a hipótese da interrupção do contrato de trabalho. Podemos citar como exemplos o repouso semanal remunerado, faltas justificadas e as férias. Noutros casos, o empregado não exerce sua atividade, não recebe salário, nem conta seu tempo de serviço – é a hipótese de suspensão do contrato de trabalho. Como exemplo, há as seguintes situações: intervalos e a suspensão disciplinar.

E como caracterizar a situação do empregado preso em flagrante com manutenção do vínculo: seu contrato pode ser considerado suspenso ou interrompido?

O fato é que não há na CLT regra que determine ao empregador o pagamento dos dias não trabalhados. Portanto, não se trata de interrupção do contrato de trabalho. Exceto, se o empregador, por liberalidade, resolver conferir a tal período, o matiz de licença remunerada (princípio da condição mais favorável).

Ao tratar das férias, o legislador elencou a hipótese de prisão preventiva, que por analogia (artigo 8º da CLT), pode ser aplicada se houver prisão em flagrante: Art. 131 – Não será considerada falta ao serviço, para os efeitos do artigo anterior, a ausência do empregado: (…)  V – durante a suspensão preventiva para responder a inquérito administrativo ou de prisão preventiva, quanto for impronunciado ou absolvido; (…). (original sem grifos).

Portanto, a CLT dispõe que se o empregado for absolvido, o período de prisão preventiva não será considerado como falta ao serviço para efeito de férias. Desse modo, trata-se de interrupção do contrato de trabalho.

Quanto ao salário? Deve ser pago enquanto o empregado estiver preso? Devemos considerar algumas hipóteses:

a) se a prisão em flagrante ocorre por ato do empregador (ato tipificado como crime foi praticado na empresa) – não há previsão legal que obrigue o pagamento do salário, consoante decisão do TRT de São Paulo:

(…) Ainda que o direito e a moral, na visão de Kelsen, sejam autônomos, não se pode comungar da tese explicitada na petição de ingresso, posto que beira à má-fé ao postular os salários do período em que, confessadamente, não houve trabalho em razão de o autor se encontrar cumprindo pena de prisão. (…) (TRT-SP; PROCESSO TRT-SP Nº 01637.2009.020.02.00-3 – 1ª TURMA (20100454750); Desembargadora Relatora: Lizete Belido Barreto Rocha; publicação: 05.04.2011) (original sem grifos)

Mas no caso de absolvição, o tempo deve ser considerado para efeito de férias (artigo 131, CLT), sem prejuízo da reparação civil e da possível cobrança de salários (e reflexos) pelo período injustamente afastado. Segue decisão que trata do dano moral:

DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE ENTRE O MONTANTE ARBITRADO E O GRAVAME SOFRIDO PELO EMPREGADO. (…) No caso em que o valor da indenização a ser paga foi considerado sob o prisma da ofensa sofrida, em que o autor que já trabalhava há 17 anos na empresa foi exposto a humilhação decorrente de flagrante de prisão orquestrado pelo empregador. (…)Embargos não conhecidos. (TST – E-RR – 763443-70.2001.5.17.5555, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 15/08/2005, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 26/08/2005).

No processo acima citado, restou provada a orquestração da prisão em flagrante e o empregador foi condenado a pagar indenização por dano moral.

b) se a prisão em flagrante ocorre por ato alheio ao empregador ou seja, se o fato ocorreu fora do ambiente do trabalho, não tendo com ele qualquer relação. Nesse caso, não há previsão legal que obrigue o pagamento de salário. Se o empregado for absolvido, o tempo será contado para efeito de férias e ele poderá, se for o caso, ajuizar ação para reparação civil contra o Estado e não contra o empregador, pois este não teve participação nos fatos ocorridos.

c) se o ato criminoso do qual decorre a prisão em flagrante for praticado enquanto o empregado estiver no gozo de benefício previdenciário (auxílio-doença) – para o empregador, o contrato de trabalho está suspenso. Nesse caso, entendemos que o empregador não deve adotar qualquer medida, mas aguardar o procedimento do INSS.

Nas hipóteses previstas nos itens “a” e “b”, o empregador poderá deliberar pelo pagamento do salário. A situação seria tratada como licença remunerada. Sem dúvida o procedimento é oneroso e pode gerar dificuldade, pois se a prisão do empregado perdurar e, posteriormente, o empregador quiser suspender o salário e outros benefícios mantidos, não poderá, por ter incorporado o patrimônio jurídico do trabalho. Irretorquível que, ocorrendo o trânsito em julgado da sentença criminal, sem a suspensão da execução da pena, o empregado poderá ser despedido por justa causa.

Pelas razões acima, conclui-se que na hipótese de prisão em flagrante de empregado, se ele for absolvido, fica caracterizada a interrupção de contrato de trabalho, pois será contado seu tempo de serviço para efeito de férias (art. 133 da CLT). E quanto ao salário, não há lei que obrigue seu pagamento no período de afastamento. No entanto, deve haver bom senso e os riscos devem ser mensurados pelo empregador, pois, em eventual demanda trabalhista, as peculiaridades de cada caso serão apreciadas pelo Poder Judiciário.

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    é advogada, professora e coordenadora do Curso de Pós Graduação da UNINOVE, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e em Direito Constitucional pela UNIFOR, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UNIFOR, e membro da Asociación Ibero-americana del Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social.

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    é advogado, coordenador do Curso de Direito da Universidade Nove de Julho, mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES-SP, especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

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