Recurso duplo

MPF recorre duas vezes da decisão da Castelo de Areia

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6 de julho de 2011, 17h44

Ao recorrer da decisão do Superior Tribunal de Justiça que derrubou a operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, o Ministério Público Federal pode ter trombado consigo mesmo e comprometido uma possível reversão a seu favor. Assim que o acórdão foi publicado, no último dia 28, o órgão se apressou em entrar com Recurso Extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal. Ao mesmo tempo, porém, uma procuradora ajuizou Embargos de Declaração contra a decisão da 6ª Turma da corte. Como o vice-presidente do STJ, ministro Felix Fisher, negou o seguimento do Recurso Extraordinário ao STF, o caso pode estar decidido. Segundo a lei processual, não se pode ajuizar dois recursos idênticos, o que compromete um possível Recurso Extraordinário contra a decisão dada nos Embargos.

O esbarrão se deve à decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do caso, de unificar os dois pedidos de Habeas Corpus dos acusados. De um lado, o suíço Kurt Paul Pickel, apontado pelo MPF como doleiro, foi defendido pelo criminalista Alberto Zacharias Toron em seu recurso. De outro, os diretores da construtora Camargo Corrêa foram patrocinados pelos advogados Celso Vilardi e Pierpaolo Bottini em pedido semelhante. Ambos os recursos foram julgados simultaneamente pela 6ª Turma do STJ, que prolatou acórdão idêntico para os dois. Para a defesa dos acusados, o acórdão foi um só. E o Ministério Público é uma instituição una.

"É inacreditável que, tendo havido julgamento único dos Habeas Corpus, com acórdão único para ambos, se possa pensar numa cisão artificial, como se voltassem a caminhar separados", disse Toron ao contestar o Recurso Extraordinário. "Tanto não é assim que os embargos opostos no HC 159.159, caso acolhidos, fulminariam este recurso."

O advogado se refere ao fato de que, quando a questão foi decidida pela 6ª Turma, os autos do HC em favor de Pickel seguiram para o subprocurador-geral da República Haroldo Ferraz da Nóbrega, que mais que depressa tentou o Recurso Extraordinário. Ele alegou repercussão geral da discussão, cerceamento da atividade do MPF por aditamento feito na defesa sem a manifestação do órgão e da competência do juiz federal para julgar Ação Penal já deflagrada, e a validade das provas decorrentes de interceptação telefônica — consideradas ilegais pelo STJ por se basearem em denúncia anônima.

Ao julgar o encaminhamento do recurso ao STF, no entanto, o ministro Felix Fisher, vice-presidente do STJ, lembrou que os argumentos constitucionais mencionados sequer haviam sido pré-questionados no próprio STJ, em Embargos de Declaração. “O apelo extraordinário esbarra nas Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal”, disse o vice-presidente em despacho monocrático no mesmo dia em que o pedido foi feito, 30 de junho.

Acontece que, na mesma data, o MPF também ajuizou Embargos de Declaração contra a decisão — relacionados, porém, ao pedido de HC em favor dos diretores da construtora, e não do suíço. A responsável pelos autos é a subprocuradora Maria das Mercês de Castro Gordilho Aras. O recurso já foi julgado e negado pela 6ª Turma.

"Temos agora uma bagunça processual, pois o MPF não poderá interpor outro Extraordinário contra o mesmo acórdão que já teve a mesma proposta recusada", diz Toron. A saída para os procuradores seria, segundo o criminalista, começar tudo de novo. "O MPF poderá oferecer outra peça sem a prova considerada nula", disse nas contrarrazões entregues ao STJ.

Para o MPF, porém, o desencontro não atrapalha. O órgão entende que os pedidos de HC são independentes, o que permite tanto Agravo contra a decisão do ministro Felix Fisher negando a subida do Recurso Extraordinário, quanto o próprio Extraordinário contestando a decisão nos Embargos. De acordo com a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da República, o recurso contra a decisão nos Embargos será ajuizado em agosto, após o recesso, o que também pode acontecer com os Agravos.

Castelo no chão
A operação Castelo de Areia foi deflagrada em março de 2009 para investigar crimes financeiros e desvio de verbas públicas que envolviam diretores de empreiteiras e partidos políticos. Em dezembro do mesmo ano, o então juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo — hoje desemabargador —, acolheu parte da denúncia do Ministério Público contra três executivos da Camargo Corrêa.

Em abril, três dos quatro ministros da 6ª Turma do STJ consideraram ilegais as provas colhidas na investigação. Segundo eles, as interceptações telefônicas foram autorizadas pela primeira instância com base em denúncia anônima, o que é ilegal. Para o desembargador convocado Celso Limongi, que pediu vista do processo e fez coro com a relatora do caso, “a delação anônima não serve, por si só, para a violação de qualquer garantia fundamental dos cidadãos, como é o caso do sigilo de dados telefônicos”, disse em seu voto

O desembargador (hoje aposentado) considerou a quebra do sigilo determinada pela Justiça Federal de São Paulo com o fornecimento de senhas para policiais federais acessarem os dados de quaisquer assinantes das companhias telefônicas “destituída de fundamentação”. De acordo com Celso Limongi, uma denúncia anônima deve servir para que as autoridades policiais busquem indícios do crime relatado anonimamente e, só no caso de os encontrarem, pedir a quebra de sigilo para a Justiça. “A abrangência do deferimento concedendo, indiscriminadamente, senhas foi uma autorização geral, em branco, servindo para a quebra de sigilo de qualquer número de telefone, dando ensejo a verdadeira devassa na vida dos suspeitos e de qualquer pessoa”, afirmou.

HC 137.349
HC 159.159

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