"Advocacia pública jamais pode ser imparcial"
3 de julho de 2011, 9h38
Recentemente, uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça comprovou o óbvio: o poder público é o grande vilão do Judiciário quando se trata da montanha de processos. Das 86,5 milhões de ações tramitando, um quarto se deve a uma lista de apenas 100 autores e réus. Só a União é responsável por 38% desses casos. Bancos, categoria encabeçada pela Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, em que o governo federal é o principal sócio, ficam em segundo lugar, com outros 38%. Mas se as instituições financeiras têm ao seu lado um exército de advogados privados atuando em contencioso de massa, a União conta com apenas 8 mil procuradores federais em todo o país, sobrecarregados com as tarefas de defender o patrimônio público, dar pareceres sobre todo o tipo de questão jurídica e administrativa e correr atrás de devedores do fisco.
O resultado não poderia ser outro. Sem tempo para analisar adequadamente os casos, apertados pelas cobranças dos chefes e pela Lei de Improbidade Administrativa, os procuradores adotam a regra de recorrer sempre. Sob tanta pressão, é até mesmo desnecessário lembrar da indisponibilidade do dinheiro público. Levar qualquer processo até a última instância é praxe.
Mas não é só com processos que os membros da Advocacia-Geral da União se preocupam ultimamente. É cada vez mais comum o Judiciário expedir ordens de prisão contra procuradores federais por descumprimento de decisões judiciais pela administração pública. A frequência levou o presidente da União dos Advogados Públicos Federais do Brasil, uma das entidades que representa a classe, a bater à porta do Conselho Nacional de Justiça. Luis Carlos Palacios propôs à corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, que o órgão recomende moderação aos magistrados.
“O juiz pode ordenar multa diária contra o ente e até contra o gestor, e mandar cópia dos autos ao Ministério Público, ao Conselho de Ética da Presidência da República e à Controladoria-Geral da União. Mas prender o procurador é uma forma de coerção”, diz em entrevista à ConJur.
O presidente da Unafe tentará até o fim do ano que vem, quando termina seu mandato, objetivos nada simples. O primeiro é convencer o Supremo Tribunal Federal de que a dupla vinculação dos procuradores à AGU e aos ministérios é inconstitucional, o que combate por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade. A outra, ainda mais complicada, é garantir que os desejados cargos comissionados de consultoria nos órgãos federais são de exclusividade de advogados concursados, e não de convidados do governo. A celeuma divide opiniões. Quando era advogado-geral da União, o ministro José Antônio Dias Toffoli estipulou a exclusividade — regra derrubada na sequência por seu sucessor, Luís Inácio Lucena Adams, atual chefe do órgão.
As entidades da classe tiveram ainda de assistir de longe a elaboração do projeto de lei complementar que vai dar nova cara à advocacia pública federal. A nova lei orgânica da AGU, que promete dar mais discricionariedade aos procuradores e resolver o problema das prisões, está em estudo na Secretaria da Casa Civil da Presidência da República, e lá chegou sem qualquer opinião dos representantes da categoria.
Com apenas 30 anos, Palacios está há seis na carreira, o que diz dever ao ministro Dias Toffoli. “Tomei posse em 2005, no fim da gestão anterior à do ministro, mas estava esperando outro concurso”, conta. “O horizonte era bem negro.” Segundo ele, as medidas de valorização da carreira tomadas pelo então advogado-geral motivaram a permanência. Antes de assumir o comando da Unafe, Palacios foi assessor no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, depois procurador em Campinas (SP) e subchefe da Procuradoria Seccional da União em Santos (SP).
Leia a entrevista:
ConJur — As prisões de advogados públicos quando gestores descumprem ordens judiciais começa a causar apreensão. Como enfrentar isso?
Luis Carlos Palácios — Apresentamos essa reclamação à ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça. Estivemos também com o conselheiro Jorge Hélio, que concordou conosco. Queremos que o CNJ faça uma recomendação aos magistrados, para que distingam o advogado público do órgão que ele representa. Ao advogado cabe apenas cientificar, diligenciar, mediante expedição de documentos, atos formais, avisando ao gestor de que há ordem judicial para cumprimento. Não se quer tolher o poder dos magistrados. Mas em caso julgado recentemente, uma colega chegou a colocar trajes de prisioneira. A associação está sendo obrigada a pedir diversos Habeas Corpus, inclusive preventivos. O juiz pode ordenar multa diária contra o ente e até contra o gestor, e mandar cópia dos autos ao MP, ao Conselho de Ética da Presidência da República e à Controladoria-Geral da União. Mas prisão é uma forma de coerção. Soubemos na Casa Civil que o projeto de Lei Orgânica da AGU trata do assunto. Além disso, o crime de desobediência é de menor potencial ofensivo, conforme a Lei 9.099/1995. Por crime de menor potencial ofensivo, ninguém vai preso. O máximo que pode acontecer é entrar em uma delegacia e comparecer a uma audiência. Recentemente, o STF julgou Reclamação de um associado nosso, reconhecendo que não cabe a advogado público pagar multa diária de R$ 1 mil por descumprimento de decisão judicial. Isso é ilegal.
ConJur — Pesquisa recente do Conselho Nacional de Justiça comprovou que o Estado é o principal responsável pelas milhões de ações que entopem o Judiciário. O que a AGU pode fazer para resolver o problema?
Luis Carlos Palácios — Inicialmente, é preciso mudar a cultura dos órgãos públicos de que, na dúvida, a resposta é não. Isso acontece muito, por exemplo, em relação a pedidos de benefício previdenciário no INSS. O correto é que o órgão, na dúvida, encaminhe o processo a um procurador federal, para análise. No INSS, essa prática já redundou na queda do índice de discussões judiciais de benefícios. Hoje, há muito mais concessões administrativas e menos repercussões em juízo. A atuação é conjunta do INSS e da AGU.
ConJur — É possível que um procurador seja punido por não recorrer, e tenha de ressarcir valores?
Luis Carlos Palácios — É claro. Uma perda de prazo pode ser uma prevaricação. Mas deveria haver na lei orgânica que dispositivo que esclarecesse os objetivos a serem alcançados pela advocacia pública, com regramentos para que se fundamentasse o deixar de recorrer. Hoje, é conturbado, dificultoso. Devido à falta de estrutura, o advogado recorre.
ConJur — Que discricionariedade tem o procurador de recorrer ou não em um processo?
Luis Carlos Palácios — Do ponto de vista legal, não há nenhum regramento que obrigue o procurador a recorrer. A lei complementar obriga apenas a seguir as súmulas e pareceres do advogado-geral da União. Em todo o resto, há autonomia. Mas cá entre nós, o que é mais fácil: o concursado, que lutou para conseguir aquele cargo público, diante da dúvida, recorrer ou deixar de recorrer? Ele tem o dever de fundamentar todos os seus atos, mas o regramento é complexo. Se decidir não recorrer, submete a intenção ao chefe, que manda para o procurador-regional da União, que precisa dar o aceite, e se ficar na dúvida, repassa ao procurador-geral da União. Isso gera uma agonia. Por isso, na dúvida, recorremos. O que a gente defende é que o advogado público, em todas as carreiras, tenha autonomia para resolver causas de até 60 salários mínimos. A não ser que o processo envolva erro. Teria que ser criado um colégio de procuradores que analisaria, por e-mail, a tese administrativa em discussão. Isso permitiria a formação de consensos em todo o país, e decisões mais rápidas. A regra passaria a ser não recorrer.
ConJur — Como isso funcionaria?
Luis Carlos Palácios — Por que não criar nas três carreiras da procuradoria balcões de atendimento para o cidadão? Em casos de acidente de carro, por exemplo. Na Justiça Federal, se um carro oficial bate no de um particular, o dono precisa entrar com uma ação para ser ressarcido. Ela vai passar pelas três instâncias, e pode chegar até ao STF. Com o aumento do valor causado pelos juros de mora, o pagamento não poderá mais ser feito por requisição de pequeno valor, e entra na fila dos precatórios. Seria diferente nos balcões de atendimento. O sujeito apresenta o boletim de ocorrência, testemunhas e três orçamentos para o conserto. O procurador faria um parecer com base na jurisprudência, submete à chefia regional e reconhece o direito. Em um ano, se resolveria um problema que deixaria de abarrotar o Judiciário. Para que pagar juros de mora de 15 anos?
ConJur — Um dos projetos de lei de autoria do ministro Adams dá ao procurador federal a possibilidade de transacionar. Ajudaria?
Luis Carlos Palácios — O procurador pode transacionar, mas a Lei 9.457 prevê algumas vedações, como em casos patrimoniais ou acima de certo valor. Mas isso é um juízo. O que proponho não é um juízo.
ConJur — E como superar a indisponibilidade do bem público?
Luis Carlos Palácios — Nesses balcões, seria possível transacionar até mesmo em causas tributárias. Tudo é dinheiro público. Se houve um erro no Imposto de Renda e o cidadão diz que a cobrança está errada, pode levar os documentos que comprovam e acabou. O fato de o crédito ser indisponível não obriga a se recorrer de tudo. Se o procurador reconhece que há um equívoco, o dinheiro é da pessoa. Se não foi o carro da Justiça Federal quem bateu e sim o motoqueiro, aí o dinheiro é indisponível. A advocacia pública tem que reconhecer o que é de cada um. Na área tributária, esse procedimento seria feito durante o processo administrativo.
ConJur — A advocacia pública deve defender o Estado ou o governo?
Luis Carlos Palácios — Nós temos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal que trata disso, ao buscar a declaração de inconstitucionalidade de dois dispositivos da nossa Lei Complementar 73/1993. Esses dispositivos falam da subordinação das consultorias jurídicas e dos procuradores da Fazenda Nacional a ministros de Estado. Não é nem ao Ministério da Fazenda, por incrível que pareça. É ao ministro da Fazenda, nos termos do artigo 11 e 12 da lei complementar.
ConJur — Os procuradores e consultores acabam tendo dois chefes?
Luis Carlos Palácios — Em última análise, é isso. A vinculação direta do advogado público ao Poder Executivo, nos termos do que está na lei complementar, limita a independência técnica e profissional. Tendo em vista a indisponibilidade do interesse público, ela deve ser limitada mas mediante mecanismos democráticos, como edições de súmulas e pareceres pelo advogado-geral da União, que é o chefe da nossa instituição. Jamais pela estrutura do Poder Executivo.
ConJur — Por que a dupla vinculação seria inconstitucional?
Luis Carlos Palácios — Temos um parecer feito gratuitamente pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello para a nossa ADI, que demonstra que a Constituição prevê a Advocacia-Geral da União em tópico apartado, como instituição especial da Justiça. Foi uma grande vitória conseguir um parecer de um jurista como o professor Celso Antônio. A premissa básica da nossa ação é tripartição do poder feita pela Constituição. Porém, em capítulo apartado — e isso tem relevância no direito, a topografia —, se disciplina a advocacia pública. A Advocacia-Geral da União representa a União e parte de todo o Poder Executivo. A única vinculação é que temos exclusividade na assessoria jurídica para o Executivo. Representamos os poderes Legislativo e Judiciário em juízo. Você nunca vai ver um Tribunal Regional Federal como parte. Precedente recente do Supremo Tribunal Federal em relação ao TRF da 3ª Região considerou indevida a contratação de advogado particular para defender a presidente do TRF. Não se pode, pelo princípio da tripartição de poderes, aceitar que uma instituição seja do Poder Executivo e represente o Legislativo e o Judiciário juntos.
ConJur — Seria possível uma Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional desvinculada do Ministério da Fazenda?
Luis Carlos Palácios — Por que ela tem de ser vinculada? Juridicamente, ela é vinculada à AGU. O professor Bandeira de Mello deixa isso claro ao afirmar que a Advocacia-Geral da União é uma instituição una. Como pode ter dois chefes? Na carreira de procurador da Fazenda Nacional, não há diferença entre consultivo e contencioso. Então, essa subordinação é ainda mais perigosa, porque o mesmo advogado faz o contencioso e o consultivo. A carreira é dividida em consultivo e o contencioso. O contencioso é o próprio processo judicial, e o consultivo só faz pareceres e analisa licitações de diversos órgãos. Quando tomei posse na AGU, fui para o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em uma consultoria jurídica. Em Brasília, as consultorias jurídicas ficam atreladas ao órgão do Executivo. Quando entrei na carreira, ganhei uma funcional da AGU, mas também ganhei uma do MDIC, por incrível que pareça.
ConJur — Isso não permite que os advogados se especializem na área para a qual trabalham?
Luis Carlos Palácios — O fato de estar na mesma estrutura não quer dizer necessariamente especialização. Hoje, na estrutura da AGU, há especialidades como o G-Copa, que cuida da Copa do Mundo, o G-PAC, que cuida do PAC, e o grupo de elite na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que só cuida das grandes teses contra grandes devedores. Há também um grupo da Procuradoria-Geral da União que só cuida de improbidade administrativa e execuções do Tribunal de Contas da União. São especialidades dentro da carreira sem a necessidade de que haja inserção na estrutura de outro órgão ou vinculação a outra chefia, que pode inclusive interferir no desempenho das funções do advogado.
ConJur — A função da advocacia pública não é defender as decisões da administração?
Luis Carlos Palácios — Cada advogado público contribui para as políticas governamentais, e isso não é advocacia de governo, é advocacia de Estado. Políticas governamentais, como obras para a Copa do Mundo, para as Olimpíadas, por exemplo, devem ocorrer independentemente do governante, não se confunde com advocacia de governo. O que essa dupla estruturação hoje permite é a realização de pareceres sob encomenda, submetidos ao alvedrio do órgão gestor, e a usurpação das atribuições do advogado público concursado.
ConJur — Que usurpação?
Luis Carlos Palácios — Hoje, 35% dos cargos de advogado público nas consultorias jurídicas dos Ministérios são comissionados. O sujeito não fez concurso público e é alçado à condição de membro da AGU, submetido à nossa lei complementar.
ConJur — O advogado-geral da União, que é quem dá a última palavra inclusive em questões jurisdicionais na AGU, não precisa ser de carreira. Não é contraditório que se exija que o órgão tenha sangue puro?
Luis Carlos Palácios — Não há na Constituição regramento específico determinando que o advogado-geral da União seja de carreira, mas ele tem status de ministro e é de livre exoneração. Para os demais membros, a regra é entrar por concurso público. Não se pode alargar a falta de previsão constitucional em relação ao chefe da instituição a qualquer caso. Isso seria questionar a própria existência da Advocacia-Geral da União. Considerar que uma instituição pública pode ser ocupada por não concursados quebra a regra do artigo 37 da Constituição e seus parágrafos, que dispõe que, para ingressar no serviço público, é necessário concurso público. Defendemos, inclusive, que o advogado-geral seja escolhido entre os membros da instituição, mas isso depende de um trabalho do Legislativo ou de outra ADI.
ConJur — Há alguma medida contra essas nomeações?
Luis Carlos Palácios — Levamos ao Supremo Tribunal Federal a Proposta da Súmula Vinculante 18, que já teve sua procedibilidade deferida pela comissão de jurisprudência da corte. A jurisprudência do Supremo é tranquila no sentido de que, com exceção do cargo de procurador-chefe, os demais cargos devem ser ocupados por concursados, tendo em vista a regra constitucional do concurso público para ingressar na administração. Ponderar que não concursados podem fazer atividades típicas da carreira é o mesmo que aceitar a existência de defensor público, membro do Ministério Público ou juiz não concursado.
ConJur — É possível governar sem advogados comissionados, tendo em vista que todo partido político leva seus quadros quando assume o poder?
Luis Carlos Palácios — Essa é uma premissa utilizada exatamente para justificar essa vinculação, mas é equivocada. Não cabe ao advogado público, em matéria nenhuma, em nenhuma hipótese, discutir o mérito da política governamental. Não somos Ministério Público. Há necessidade de autonomia, mas é uma autonomia limitada. A advocacia pública jamais pode ser imparcial. É uma advocacia do Estado, defende os interesses do Estado. Se a política governamental é boa, ruim, amarela, verde, azul ou vermelha, pouco importa para o advogado público. Jamais vai haver um parecer consultivo discutindo o mérito da decisão do administrador. E somente um advogado oficiado, que não está atrelado de forma comissionada ao gestor, de forma servil, pode ter essa independência. O que o advogado público precisa é saber o seu papel, e isso demandaria até uma proposta de emenda constitucional ou que ficasse bem claro na nossa nova lei orgânica. É inegável que é preciso colocar metas e diretrizes para os advogados públicos, como, por exemplo, sempre lutar pela implementação de políticas governamentais, desde que se coadunem com a Constituição Federal e com a lei. Essa coadunação teria de ser avaliada mediante a análise de doutrina e jurisprudência vigente.
ConJur — Essa avaliação não evita embates como o que envolveu a usina hidrelétrica de Belo Monte.
Luis Carlos Palácios — Belo Monte teve uma grande dissídio. Ali não há uma defesa do mérito da questão. Em juízo, é diferente do consultivo. A questão constitucional é muito perigosa no consultivo. No contencioso, é próprio do advogado ter o poder da dialética, abre-se o leque de teses. As informações virão de um ministro, em uma salinha, e ele goza de presunção de veracidade e legitimidade. Cabe à gente reproduzir. É um técnico quem está me passando os dados. Eu não sou técnico em energia, não posso dizer: “Não, o Brasil pode construir uma usina nuclear.” Todos os atos administrativos devem ser fundamentados. Não cabe ao advogado público fazer esse questionamento.
ConJur — Mas isso vai ser questionado na Justiça.
Luis Carlos Palácios — E quem disse que o Ministério Público Federal tem razão? A ação contra concessões de empresas de rádio e difusão é um exemplo. O Ministério Público Federal diz que é preciso fazer licitação. O governo entende que não. Pegamos as informações do Ministério e estudamos os aspectos jurídicos. Há um indicativo técnico.
ConJur — No que isso difere do trabalho dos comissionados?
Luis Carlos Palácios — No consultivo, é muito perigoso. O não concursado, via de regra, tem o interesse de se manter naquele cargo, atrelado a quem o colocou. E aí, na elaboração dessa política governamental, de pareceres de licitação, por exemplo, pode ficar clara a diferenciação entre a advocacia de Estado e de governo. Quem dá a última palavra é a AGU.
ConJur — Sendo de fora da carreira, o ministro Dias Toffoli, quando foi advogado-geral da União, trouxe benefícios para a carreira. Certo grau de oxigenação nos cargos não faz o mesmo?
Luis Carlos Palácios — Não se pode comparar um cargo que, de acordo com a Constituição é próprio de ministro, com cargos destinados a concursados.
ConJur — E do ponto de vista prático?
Luis Carlos Palácios — Há na AGU um corpo de mais ou menos 8 mil membros concursados. É um dos concursos mais difíceis do país, que ganhou, inclusive, prova oral nos últimos dois anos. O índice de reprovação é altíssimo. Existe uma instituição de caráter constitucional, com pedigree. A Rede Ferroviária Federal foi uma sociedade de economia mista que, depois de extinta, passou para a União. Se você pegar um dos processos envolvendo a empresa e vir as defesas que alguns escritórios particulares fizeram para ela, vai entender do que estou falando. Será que eles fizeram o trabalho melhor do que os advogados do Estado, que têm a Lei de Improbidade sobre suas cabeças e a possibilidade de responder a processo administrativo inclusive com risco de exoneração?
ConJur — Recentemente houve polêmica sobre a contratação de um escritório de advocacia para defender o governo federal na Organização Mundial do Comércio. Esse seria um papel da AGU?
Luis Carlos Palácios — Essa era uma das bandeiras do ministro Dias Toffoli. A União representa todos os entes da Federação internacionalmente. Por isso, essa competência seria da AGU. Mas devido a uma tradição histórica, que não tem fundamento jurídico, a defesa vem sendo feita pelo Itamaraty, que contrata esses escritórios. Isso deveria passar pela AGU, como defendia o ministro Toffoli. Mas seria preciso uma melhoria estrutural no órgão. Mal conseguimos atuar dentro do país, quanto mais fora.
ConJur — Que melhorias são necessárias?
Luis Carlos Palácios — A AGU precisa de investimento muito maior, principalmente em carreiras de apoio, que não existem, é uma colcha de retalhos. Uma carreira de apoio forte é importante principalmente levando em conta as causas bilionárias em que a União é ré. Nesses processos, o advogado faz a defesa do ponto de vista técnico, mas não faz cálculos, pelo que depende do núcleo de cálculos e perícias. Na prática, o advogado se utiliza de cálculos de outras procuradorias. Há uma gama muito intensa de processos distintos em que há necessidade de carreiras de apoio como técnicos em contabilidade e economistas. É um absurdo pensar que se pode perder um processo por erro de cálculo, porque não há uma pessoa competente para fazer isso. A questão salarial também redunda em menor interesse na carreira. Hoje, o vencimento base é de R$ 14,9 mil, mas há problemas de promoção. Vamos contratar um estatístico para fazer um levantamento matemático e levarmos ao advogado-geral para conversar. Dos 305 aprovados no último concurso de procurador federal, a lista caiu para 280, porque 25 já haviam tomado posse em Ministérios Públicos estaduais. A disparidade salarial é gritante, o piso no MP é de R$ 22 mil.
ConJur — Qual a importância da passagem do ministro Dias Toffoli pela AGU?
Luis Carlos Palácios — Foi ele quem começou a tomar atitudes práticas em relação à dupla vinculação, à exclusividade do advogado público na defesa do Estado. Foi ideia dele o programa de redução de demandas e do núcleo da Procuradoria-Geral da União que cuida apenas de ações populares, de improbidade administrativa, possessórias e de execução de créditos do TCU, sempre no polo ativo. Ele não quis saber de desculpas por excesso de trabalho. O problema era que, se o procurador tivesse uma ação de um particular que reclamava de uma batida de um carro oficial cobrando R$ 1 mil, e diversos outros processos de R$ 100 mil, com prazo, nem precisa perguntar o que ele faria primeiro. Mas o ministro determinou que os procuradores sentassem com advogados da União específicos para tratar desses temas. Execução de crédito do TCU seguiu o mesmo caminho. Depois do julgamento de tomada de contas, a AGU notifica o condenado a pagar. Decorrido o prazo, ajuíza ação de cobrança, o que demora. No entanto, foram criados escritórios avançados da AGU na Câmara dos Deputados e no TCU. Hoje é possível antecipar a tomada de bens do sujeito que reiteradamente comete atos de prejuízo ao patrimônio, figuras conhecidas. Tendo o primeiro parecer na tomada de contas do tribunal que dá negativo, já se entra com uma cautelar. Quando transitar em julgado, os bens estão garantidos. Do ponto de vista pessoal, antes de o ministro assumir, eu estava estudando para outra carreira. Entrei na AGU em 2004, tomei posse em 2005, no fim da gestão anterior à do ministro Toffoli, mas estava esperando outro concurso.
ConJur — Vindo da carreira, qual é a importância do ministro Adams?
Luis Carlos Palácios — Ponto positivo é a continuação de alguns dos projetos do ministro Toffoli. Ele firmou acordo com o Senado para a instalação do escritório da AGU lá. Os núcleos de polo ativo continuam atuantes, com independência. Porém, em relação à exclusividade, recuou. O ministro Toffoli baixou a Instrução Normativa 28, segundo a qual, até o fim do seu mandato, seria vedada a ocupação de cargos de assessoria jurídica por estranhos à carreira. O Adams não cumpriu a regra, alegando falta de profissionais. E disse que o órgão precisa de oxigenação. Ele também impulsionou o projeto de Lei Orgânica, mas não abriu o texto para as associações discutirem. A proposta foi toda formatada dentro da AGU, não conhecemos seu teor. Houve uma promessa dele de que haveria encaminhamento de um projeto de lei que cria carreiras de apoio. A data fatal para apresentação é agosto deste ano, senão o projeto não vai ser contemplado em 2012. Ele também não parou o processo de descentralização das procuradorias federais.
ConJur — Ao assumir a chefia da AGU, uma das primeiras atitudes do ministro Luís Inácio Adams foi acabar com as eleições para o comando das procuradorias regionais, instituídas por seu antecessor. A Unafe protestou. A medida não evita a politização de um cargo tão importante?
Luis Carlos Palácios — Quando o ministro Dias Toffoli submeteu a escolha dos nomes aos membros da AGU, apenas limitou os próprios poderes. Ele poderia nomear todos os chefes de cima a baixo. Ele não transmitiu esse encargo aos membros, mas deu poder de consulta. Os três nomes mais votados compunham uma lista, e ele não era obrigado a escolher o primeiro. O atual procurador-regional da União em São Paulo, Gustavo Amorim, foi o segundo mais votado, e trouxe um salto de qualidade gigantesco. De forma alguma houve politização. A consulta pública entre os membros dá maior grau de legitimidade. Você não vai escolher para te representar alguém incompetente. A pessoa que chefia reflete os membros. Além disso, as pessoas se sentem parte integrante da procuradoria e há rotatividade no comando. Com votação, há um estreitamento nas relações, a porta sempre fica aberta para que os procuradores tenham acesso ao chefe.
ConJur — O procurador deve receber honorários mesmo não tendo que arcar com o prejuízo se perder a ação?
Luis Carlos Palácios — Hoje, o advogado público paga anuidade à Ordem dos Advogados do Brasil, está subordinado ao Estatuto da OAB, mas não tem o benefício previsto na lei, que é o honorário. A Unafe pleiteia os honorários em Mandado de Segurança alegando isso. Não se pode aplicar a lei apenas na parte conveniente e na outra não. Nossos honorários caem em um cofre único, e não são revertidos sequer para carreiras de apoio. Essa era outro projeto do ministro Toffoli. Uma Medida Provisória determinaria que uma parte dos honorários fosse para a estrutura física da AGU, outra para remuneração de servidores e outra para remuneração do procurador.
ConJur — O advogado público pode exercer advocacia privada?
Luis Carlos Palácios — A Unafe fez votação e houve por bem não mudar isso. A meu ver é correto. Não se pode confundir advocacia pública com privada.
ConJur — No que a OAB tem ajudado?
Luis Carlos Palácios — Estão com o presidente Ophir Cavalcante dois pedidos da maior importância para a AGU: as intervenções da OAB tanto na ADI quanto na Proposta de Súmula Vinculante. Sabemos que a OAB tem suas instâncias de deliberação, e recentemente passamos a questão da dupla vinculação para a comissão de assuntos constitucionais, que teve parecer favorável do conselheiro relator, Zulmar Fachin. Na PSV, conversamos frequentemente com o presidente Ophir para saber sobre o seu encaminhamento. São as bandeiras em que a OAB pode nos ajudar.
ConJur — A presença de ministros do Supremo com origem na advocacia pública, assim como a nomeação do procurador federal Mauro Hauschild para a presidência do INSS, significam que a carreira está sendo prestigiada?
Luis Carlos Palácios — A nomeação de ministros do STF é política. Os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, antigos advogados-gerais da União, não eram da carreira. Se eventualmente o ministro Adams for escolhido para uma vaga, aí isso pode ter alguma relevância. Quanto ao INSS, o governo está percebendo que há reservas morais e técnicas dentro da advocacia pública, e que o os procuradores têm conhecimento da estrutura administrativa para resolver os problemas.
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