Eleições consecutivas

TSE nega recurso contra mandato de prefeito itinerante

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2 de julho de 2011, 7h44

Se o prefeito que já exerceu dois mandatos em uma cidade se candidata para concorrer ao mesmo posto em cidade vizinha, seus adversários devem contestar eventual fraude na transferência do domicílio eleitoral durante o processo de registro de candidatura. Quando isso não é feito no tempo correto e a Justiça Eleitoral concede o registro, não cabe mais ação de impugnação de mandato eletivo.

O entendimento foi reafirmado na terça-feira (28/6) pelo ministro Arnaldo Versiani, do Tribunal Superior Eleitoral. De acordo com a decisão, possível fraude na troca de domicílio eleitoral tem de ser discutida durante o processo de registro da candidatura.

Ao julgar ação que impugnou o mandato do prefeito da cidade de Paulista (PE), Yves Ribeiro (PSB), o ministro entendeu que o fato de o prefeito que já havia exercido dois mandatos ter renunciado ao posto dentro do prazo de desincompatibilização previsto em lei e ter trocado o domicílio eleitoral para a cidade vizinha não configura manobra ou ato de má-fé com o objetivo de enganar o eleitorado. Por isso, não caracteriza fraude eleitoral.

O que poderia se discutir, em tese, é se o caso se encaixaria na proibição de o prefeito exercer mais de dois mandatos consecutivos, o que geraria sua inelegibilidade. Mas essa discussão não pode ser travada depois de a Justiça Eleitoral ter aprovado a candidatura.

O ministro acolheu os argumentos dos advogados Walter Costa Porto e Márcio Gesteira Palma, que representaram o prefeito Yves Ribeiro. Eles sustentaram que o debate sobre possível fraude refere-se às práticas que visam burlar o processo eletivo, o que não ocorreu no caso, e não ao de registro de candidatura que tem seus recursos e prazos próprios. Todos esgotados.

O recurso ao TSE foi apresentado pelo candidato Antonio Wilson Speck (PTB), segundo colocado nas eleições de 2008 no município de Paulista. Ele sustentou que Yves Ribeiro foi eleito para seu quinto mandato consecutivo como prefeito. De fato, Yves governou as cidades vizinhas de Itapissuma e Igarassu (duas vezes) antes de se eleger pela primeira vez, em 2004, prefeito de Paulista.

Antonio Speck alegou que, em 2008, o próprio TSE havia reconhecido que se trata de fraude à Constituição o prefeito que, depois de governar uma cidade por duas vezes seguidas, se elege novamente ao mesmo cargo em outra cidade. De acordo com a decisão de Versiani, o caso de Yves Ribeiro, contudo, não se encaixa nessa tese.

Isso porque eventual fraude na troca de domicílio eleitoral tem de ser discutida no processo de registro de candidatura, não em ação de impugnação de mandato eletivo. “A fraude, bem como a corrupção e o abuso do poder econômico dizem respeito a situações que necessariamente viciam a eleição e resultam na deturpação da vontade do eleitorado, o que não se averigua no caso em exame”, afirmou o ministro Arnaldo Versiani.

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 3076543-48.2009.6.17.0146 – PAULISTA – PERNAMBUCO.
Recorrentes: Antônio Wilson Speck
Coligação Paulista Cansou e Quer Mudança
Recorridos: Yves Ribeiro de Albuquerque
Durffles de Azevedo Pires.

DECISÃO

O Juízo da 146ª Zona Eleitoral de Pernambuco acolheu preliminar de existência de coisa julgada material e extinguiu, sem julgamento de mérito, ação de impugnação de mandato eletivo ajuizada por Antônio Wilson Speck e pela Coligação Paulista Cansou e Quer Mudança contra Yves Ribeiro de Albuquerque e Durffles de Azevedo Pires, respectivamente, prefeito e vice-prefeito eleitos pelo Município de Paulista/PE (fls. 251-266).

Interposto recurso, o Tribunal Regional Eleitoral daquele estado, por unanimidade, não conheceu da preliminar de preclusão, assim como rejeitou preliminares de interposição de recursos em separado, de intempestividade da ação, de impossibilidade jurídica do pedido, de ilegitimidade passiva do vice-prefeito e de inexistência de coisa julgada material. No mérito, reformou a sentença e julgou improcedente a referida ação.

Eis a ementa do acórdão regional (fls. 476-477):

Recurso Eleitoral. Preliminares. Eleições Municipais (2008). Ação de Impugnação de Mandato Eletivo — AIME. Julgamento. Coisa julgada material. Inexistência. Candidatos. Prefeito. Vice-Prefeito. Fraude eleitoral. Ausência. Mandato. Cassação. Impossibilidade.

1. Preliminar de Preclusão e de Impossibilidade Jurídica do Pedido que se rejeita por se confundirem com o mérito;

2. Preliminar de Interposição dos Recursos e, Separado que se rejeita em face da inexistência de dispositivo legal que obrigue a interposição conjunta de recurso pela Coligação e pelo candidato;

3. Preliminar de Intempestividade da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo que se rejeita em razão da interposição da ação no prazo legal;

4. Preliminar de Ilegitimidade Passiva do Vice-Prefeito que se rejeita em face da candidatura a mandatos majoritários executivos constituir chapa única e indivisível, conforme entendimento do TSE;

5. Preliminar de Inexistência de Coisa Julgada Material que se rejeita em razão de inexistência de causa de pedir e pedido, requisitos indispensáveis à configuração da matéria;

6. Matéria de transferência de domicílio eleitoral do Recorrido, objeto da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura, tomada sob o nº 608/2004, analisada pela Justiça Eleitoral em Paulista e transitada em julgado, concluindo pelo atendimento dos requisitos eleitorais para validação da candidatura do primeiro Recorrido impossibilitando discussão de fraude eleitoral;

7. A renúncia ao cargo afasta a hipótese de candidatura à reeleição ao mesmo cargo por inexistir mandato eletivo na ocasião do registro de candidatura;

8. Impossibilidade de se discutir e de se examinar fraude de transferência de domicílio eleitoral, em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, uma vez que a fraude a ser apurada é relativa ao processo de votação tendente a comprometer a legitimidade do pleito, operando-se a preclusão, e ainda em face do domicílio eleitoral ser condição de elegibilidade, inocorrendo hipótese de inelegibilidade legal ou constitucional;

9. Impossibilidade de cassação de mandato eletivo.

Opostos embargos de declaração (fls. 534-541), foram eles rejeitados pelo acórdão de fls. 555-561.

Seguiu-se a interposição de recurso especial (fls. 564-588), no qual Antônio Wilson Speck e a Coligação Paulista Cansou e Quer Mudança arguem que o acórdão recorrido teria violado o art. 14, § 5º, da Constituição Federal, uma vez que concluiu que o fato de o primeiro recorrido estar exercendo o quinto mandato consecutivo de prefeito não configura fraude.

Asseveram que deixar de aplicar a sanção correspondente pelo exercício da fraude conhecida como "prefeitura itinerante" contraria não só a norma constitucional como a jurisprudência desta Corte Superior e de Tribunais Regionais Eleitorais.

Salientam que, em 2008, este Tribunal Superior teria alterado seu entendimento — como ocorreu no julgamento dos Recursos Especiais Eleitorais nos 20.507 e 20.539 —, passando, portanto, a reconhecer "a existência da fraude à Constituição para o suposto jurídico em questão" (fl. 572).

Defendem que a Constituição Federal, em seu art. 14, § 10, trata da fraude de forma ampla, razão pela qual afirmam que seu conceito não "deve ser interpretado de maneira restritiva ou de exceção" (fl. 572).

Sustentam que o Tribunal a quo, ao entender pela impossibilidade de se aferir a ocorrência de fraude por meio da ação de impugnação de mandato eletivo, sob o argumento de que somente as fraudes relativas ao processo de votação poderiam ser suscitadas nessa via, teria afrontado a norma descrita no mencionado dispositivo constitucional.

Aduzem que "a fraude a que alude o parágrafo 10 do artigo 14 da Constituição Federal não é somente relativa ao processo de votação em si, mas em todos os atos preparatórios ao atingimento do mandato eletivo, posto que este entendimento é a própria razão de ser do comando do parágrafo 10, que é, precisamente, o mandato eletivo" (fl. 574).

Alegam que, na espécie, a ocorrência da fraude — consistente no desvirtuamento da faculdade de transferir o domicílio eleitoral de um município para outro, com o intuito de ilidir a incidência da norma constitucional em questão — é incontroversa.

Citam precedentes desta Corte Superior e dos Tribunais Regionais de Alagoas e do Piauí para demonstrar dissídio jurisprudencial.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 731-756 e 757-791).

A Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pela rejeição da preliminar e pelo provimento do recurso (fls. 797-806).

Por intermédio da petição de fls. 813-815, os recorrentes requereram nova distribuição do processo, o que deveria ocorrer por prevenção à Ministra Cármen Lúcia, que atualmente ocupa a vaga do Ministro Eros Grau, o qual recebeu o primeiro recurso especial, atinente ao pleito de 2008, do Município de Paulista/PE.

Em face dessa manifestação, a Secretaria Judiciária emitiu informação às fls. 822-825, tendo sucedido nova manifestação dos recorrentes às fls. 843-847.

Decido.

Inicialmente, anoto que os recorrentes postulam a redistribuição do recurso especial à Ministra Cármen Lúcia, ao fundamento de que ela teria sucedido o Ministro Eros Grau, ao qual foi distribuído o primeiro processo do Município de Paulista/PE alusivo às eleições de 2008, qual seja Recurso Especial nº 30.968, razão pela qual incidiria a regra de prevenção do art. 260 do Código Eleitoral e o disposto no art. 16, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal.

A esse respeito, extraio da manifestação da Secretaria Judiciária (fls. 823-825):

5. Os critérios adotados quanto à distribuição pelo art. foram firmados em 2006, após consulta desta Coordenadoria, por meio da Informação n° 81, ao então Min. Presidente MARCO AURÉLIO. Naquela oportunidade, ficou assentado que as distribuições realizadas pela prevenção do artigo 260 do CE somente se referem aos processos que têm o condão de alterar o resultado das eleições, assim considerados: Ação Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), Recurso contra Expedição de Diplomas (RCED), Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), Representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n° 9.504/97), Representação por uso de recursos financeiros de campanha eleitoral (art.30-A da Lei n° 9.504/97) e Representação por prática de conduta vedada a agentes públicos (art. 73 e seguintes da Lei 9.504/97).

6. O Recurso Especial Eleitoral sob análise trata, na origem, de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, ajuizada pelos ora recorrentes, Antônio Wilson Speck e outra, e pela Coligação Frente Paulista Cansou e Quer Mudança, em face do ora recorrido, Durffles de Azevedo Pires, e de Yves Ribeiro de Albuquerque, sob a alegação de que os então impugnados estariam exercendo o quinto mandato político consecutivo, com pedido de cassação dos seus mandatos eletivos.

7. Dessa forma, não há dúvida que o presente recurso deve ser distribuído nos termos do art. 260 do CE, já que, originalmente, trata de uma AIME, onde se requer a cassação dos mandatos.

8. Ocorre que, como certificado às folhas 795 por esta Secretaria, o recurso em tela (qual seja, Respe 3076543-45.2009.6.17.0146) foi o primeiro processo originário do Municipio do Paulista-PE cujo objeto tem o condão de alterar o resultado das eleições de 2008; motivo pelo qual foi distribuído, por sorteio, ao Exmo. Sr. Ministro ARNALDO VERSIANI, definindo-se, portanto, a prevenção estabelecida no art. 260 do Código Eleitoral.

9. O peticionário alega, entretanto, que o relator prevento em relação ao art. 260 do CE seria a Ministra CÁRMEN LÚCIA, já que a ela teria sido distribuído o primeiro processo oriundo do indigitado município, qual seja, Respe 30968.

10. Cumpre esclarecer que, os processos elencados pelo peticionário às fls. 814, tiveram suas distribuições automáticas e à época receberam as seguintes relatorias: o primeiro Respe 30968, relatoria do ministro EROS GRAU, o segundo Respe 31169, relatoria do ministro FÉLIX FISCHER e o terceiro Respe 31318, relatoria do ministro FERNANDO GONÇALVES, por tratarem de processos de Registro de Candidatura e que, de fato, o Respe 30968 foi o primeiro processo oriundo de Paulista-PE a ser autuado nesta Corte.

11. Entretanto, este Tribunal já se manifestou, por diversas vezes, quanto ao alcance do art. 260 do CE, firmando entendimento de que a prevenção prevista no art. 260 cinge-se aos recursos parciais contra votação e apuração.

12. Ademais, o art. 261 do mesmo diploma prevê que “os recursos parciais, entre os quais não se incluem os que versarem matéria referente ao registro de candidatos, interpostos para Tribunais Regionais no caso de eleições municipais, e para o Tribunal Superior no caso de eleições estaduais ou federais, serão julgados à medida que derem entrada nas respectivas Secretarias”.

Tendo em vista que o recurso especial que ora se examina trata-se do primeiro processo atinente a feito eleitoral que pode ensejar alteração de resultado de eleições, definiu-se, em face dele, a prevenção de que trata o art. 260 do Código Eleitoral para os processos do Município de Paulista/PE, conforme se infere de certidão e termo de distribuição à fl. 795.

Além disso, não se incluem, na hipótese do citado art. 260, os processos de registro de candidatura, segundo se depreende do seguinte precedente:

RECURSO. OPORTUNIDADE, LEGITIMIDADE. PREVENÇÃO DE RELATOR.

(…)

— Ademais, na prevenção de relator prevista no art. 260 do Código só se consideram os recursos parciais, entre os quais não se incluem os recursos referentes a fase do registro de candidato (art. 261).

(Acórdão nº 7.571, Recurso Especial nº 5.994, rel. Min. José Guilherme Villela, de 27.6.1983).

Assim, rejeito a pretensão de redistribuição do processo.

Passo ao exame da matéria de fundo.

O Tribunal Regional Eleitoral julgou improcedente ação de impugnação de mandato eletivo, por concluir pela "impossibilidade de se discutir e de examinar fraude de transferência de domicílio eleitoral, em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, uma vez que a fraude a ser apurada é relativa ao processo de votação tendente a comprometer a legitimidade do pleito" (fl. 477).

Colho do voto condutor (fls. 484-487):

A discussão nos presentes autos versa sobre a seguinte questão: embora haja o permissivo constitucional da reeleição para um segundo mandato consecutivo para os cargos de chefia do Poder Executivo, a eleição ao cargo de prefeito em outra municipalidade configuraria, ou não, eleição em cargo distinto?

Ressalto, por oportuno, que as duas decisões do TSE trazidas à baila pelos Recorrentes, referem-se a decisões em sede originária de Ações de Impugnação de Registro de Candidaturas, onde é inteiramente possível discutir sobre domicílio eleitoral, uma vez que este tema é uma das condições de elegibilidade constante do texto constitucional em seu art. 14, § 3°, diferentemente da discussão de fraude em sede de impugnação de mandato eletivo.

(…)

Destaco, ainda, o fato de que, neste caso concreto, o Prefeito Yves Ribeiro havia renunciado ao cargo de Prefeito de Igarassu (carta de renúncia à fl. 38, datada de 31.03.2004), bem como consta ata da reunião extraordinária (fl. 39/42), convocada pelo Exmo. Sr. Presidente da Câmara de Igarassu, para empossar no cargo de prefeito municipal, o atual vice-prefeito, Sr. Severino de Souza Silva, por motivo de renúncia do então prefeito Sr. Yves Ribeiro de Albuquerque, realizada no dia 31.03.2004, assim, o mesmo não poderia ser considerado candidato à reeleição, pois não se encontrava como detentor de nenhum mandato eletivo na ocasião do seu registro de candidatura junto ao município do Paulista.

Por fim, há de se ressaltar que a matéria de sua transferência de domicílio eleitoral, objeto da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura, tombada sob o n.° 608/2004, já foi devidamente analisada pela Justiça Eleitoral em Paulista e transitou em julgado, concluindo que o primeiro Recorrido atendeu a todos os requisitos eleitorais para validação da sua candidatura, de forma que a discussão se houve ou não fraude eleitoral não pode ser mais objeto de discussão neste momento.

(…)

Oportuno frisar ainda que a decisão trazida à baila pelos Recorrentes, afora o fato de ter sido em sede originária de Ação de Impugnação de Registro de Candidatura, onde é inteiramente possível a discussão de domicílio eleitoral, distingui-se do atual caso, uma vez que, naquele caso, o prefeito tinha como vice a sua esposa e, aí sim, discutiu-se a perpetuação da família (clãs políticos) no Poder Executivo, prática expressamente vedada pela jurisprudência do TSE.

Assim, consubstanciado na jurisprudência remansosa no TSE, de que não é possível a discussão de transferência de domicílio eleitoral em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, bem como o de que a fraude a ser discutida nesta ação é a do momento da votação, voto no sentido de reformar a sentença proferida pelo juízo de 1° grau, afastando a tese da coisa julgada material para, no mérito, considerar improcedente a ação, mantendo o Sr. Yves Ribeiro de Albuquerque e Duflles de Azevedo Pires, respectivamente prefeito e vice-prefeito do município do Paulista nos respectivos mandatos eletivos.

De igual modo, pronunciou-se o revisor, afirmando que "essa inelegibilidade, mesmo de natureza constitucional, deve ser objeto de impugnação ao registro de candidatura ou recurso contra expedição de diploma, tendo em vista não se tratar de fraude capaz de fundamentar a impugnação de mandato eletivo" (fl. 492).

A questão versada nos autos foi examinada por esta Corte Superior no julgamento do Recurso Especial nº 36.643, de minha relatoria, concluído em 12.5.2011, no qual se assentou que eventual causa de inelegibilidade, ainda que constitucional, não pode ser enquadrada como fraude, passível de apuração no âmbito de ação de impugnação de mandato eletivo.

Ressalto a ementa dessa decisão:

Ação de impugnação de mandato eletivo. Fraude. Inelegibilidade.

1. A fraude objeto da ação de impugnação de mandato eletivo diz respeito a ardil, manobra ou ato praticado de má-fé pelo candidato, de modo a lesar ou ludibriar o eleitorado, viciando potencialmente a eleição.

2. O fato de o prefeito reeleito de município transferir seu domicílio eleitoral e concorrer ao mesmo cargo em município diverso, no mandato subsequente ao da reeleição, pode ensejar discussão sobre eventual configuração de terceiro mandato e, por via de consequência, da inelegibilidade do art. 14, § 5º, da Constituição Federal, a ser apurada por outros meios na Justiça Eleitoral, mas não por intermédio da ação de impugnação de mandato eletivo, sob o fundamento de fraude.

Recurso especial provido.

Destaco, ainda, o seguinte trecho do voto por mim proferido no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 36.643:

(…) a controvérsia de o prefeito reeleito em determinada localidade transferir seu domicílio eleitoral e concorrer em município diverso pode ser examinada, tal como já o fez este Tribunal, em processos de registro de candidatura e mais recentemente em recurso contra expedição de diploma.

Mas, ainda que sob o argumento de fraude a lei, não há como se pretender cassar o mandato de candidatos eleitos, com base no art. 14, § 10, da Constituição Federal.

Entendo que as causas de pedir da ação de impugnação de mandato eletivo — abuso do poder econômico, corrupção e fraude — se referem estritamente a ilícitos que ensejam a obtenção ilegítima do mandato eletivo pelo candidato, tanto que, há muito, a jurisprudência do Tribunal tem exigido o requisito da potencialidade para fins de procedência da ação constitucional, ponderando eventuais reflexos que tais práticas ilícitas possam causar à vontade popular.

Conforme aduziu o Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do Recurso Ordinário nº 516, de 28.11.2001, "o que visa, na ação de impugnação, não é punir o candidato ímprobo, tanto que a sua procedência independe de que lhe sejam imputáveis o abuso, a fraude ou a corrupção. Cuida, sim, na ação de impugnação, é da cassação do mandato viciado na sua origem por vícios que se possam reputar capazes de haver influído — com provável relevância causal — no resultado do pleito".

Por outro lado, asseverou o Ministro Fernando Gonçalves no recente julgamento do Recurso Ordinário nº 2.335, de 8.4.2010, que a fraude a ser apurada na ação de impugnação de mandato eletivo diz respeito a "alguma forma de ardil visando a enganar o eleitor, angariando o seu voto".

Tal afirmação está em consonância com a jurisprudência do Tribunal no sentido de que "a fraude eleitoral a ser apurada na ação de impugnação de mandato eletivo não se deve restringir àquela sucedida no exato momento da votação ou da apuração dos votos, podendo-se configurar, também, por qualquer artifício ou ardil que induza o eleitor a erro, com possibilidade de influenciar sua vontade no momento do voto, favorecendo candidato ou prejudicando seu adversário" (Agravo de Instrumento nº 4.661, rel. Min. Fernando Neves, de 15.6.2004).

É incontroverso nos autos que o recorrente, então prefeito reeleito do Município de Canavieira/PI, se afastou do exercício desse cargo e requereu a transferência de seu domicílio eleitoral para Bertolínia/PI, onde concorreu e se elegeu ao cargo de prefeito.

Essa situação fática, a meu ver, não constitui ardil, manobra ou ato praticado de má-fé pelo candidato, de modo a lesar ou ludibriar o eleitorado, configurando fraude examinável em ação de impugnação de mandato eletivo. A controvérsia existente é se essa hipótese configura terceiro mandato sucessivo e consequente inelegibilidade do art. 14, § 5º, da Constituição Federal, matéria a ser eventualmente suscitada no âmbito do processo de registro de candidatura ou no recurso contra expedição de diploma.

(…)

Anoto que nem sequer está em discussão eventual transferência fraudulenta de domicílio eleitoral, questão que, aliás, igualmente não poderia ser analisada em ação de impugnação de mandato eletivo, segundo a jurisprudência desta Corte Superior (Agravo Regimental no Recurso Ordinário nº 888, rel. Min. Caputo Bastos, de 18.10.2005; Agravo Regimental no Recurso Especial nº 24.806, rel. Min. Luiz Carlos Madeira, de 24.5.2005).

Por fim, mesmo se em concluindo que a hipótese dos autos configuraria fraude, a que se refere o art. 14, § 10, da Constituição Federal, tenho que não procede a afirmação da Corte de origem de que o fato detinha potencialidade para desequilibrar o pleito.

(…) não vejo como reconhecer o requisito de potencialidade que, como já disse, a meu ver, está associado à hipótese de ilícito.

Ressalto, por sinal, que a nova orientação do Tribunal, quanto à configuração da inelegibilidade do art. 14, § 5º, da Constituição Federal nas hipóteses de "prefeito itinerante", foi firmada apenas para as eleições de 2008. Anteriormente, a jurisprudência do Tribunal admitia a possibilidade de prefeito reeleito concorrer logo em seguida em outro município.

(…)

Em outras palavras, o Tribunal entendia como lícita a pretensão de prefeitos reeleitos concorrerem noutro município, circunstância que, a meu ver, afasta a argumentação de que o recorrente teria utilizado artifício para se eleger e que isso teria influenciado a vontade do eleitorado, viciando a disputa.

Assim, concluo que eventual causa de inelegibilidade, ainda que constitucional, não pode ser enquadrada como fraude, passível de apuração no âmbito de ação de impugnação de mandato eletivo, até porque a inelegibilidade deve ser aferida, em princípio, em face da situação pessoal do candidato, razão pela qual, em regra, é discutida no processo de registro de candidatura. Já a fraude, bem como a corrupção e o abuso do poder econômico, previstos no art. 14, § 10, da Constituição Federal, dizem respeito a situações que necessariamente viciam a eleição e resultam na deturpação da vontade do eleitorado, o que não se averigua no caso em exame.

Pelo exposto, nego seguimento ao recurso especial, com base no art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 28 de junho de 2011.

Ministro Arnaldo Versiani
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