LIVRO ABERTO

Os livros da vida da defensora pública Cristina Guelfi

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26 de janeiro de 2011, 17h04

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Cristina Guelfi - Spacca - Spacca

“A poesia me tira do sufoco do dia a dia. Gosto de ler antes de dormir para dar uma desacelerada. Estou ali com a cabeça cheia de histórias e dramas e essa oportunidade é boa porque posso ser transportada para algo mais lírico”. Em sua sala localizada no número 32 da avenida Liberdade, em São Paulo, a defensora pública Cristina Guelfi contou como é sua relação com a literatura e com as pessoas que buscam a ajuda da Defensoria Pública.

Nascida em Santos, Cristina morou na cidade litorânea até ser aprovada no vestibular da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). Assim que se formou, foi trabalhar na Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, em 1993. Até então, o órgão era responsável pela prestação de assistência jurídica aos que não podiam arcar com as despesas de papelada e de advogados.

Ela participou de todo processo: acompanhou a Ação Direta de Inconstitucionalidade que pretendia instaurar concurso público para os procuradores que queriam se tornar defensores públicos. E, agora, viu de perto o quinto concurso público para preechimento dos cargos. Foi a primeira defensora pública-geral do órgão no estado de São Paulo, em 2006. É especialista em Direito de Família e conta que cuida de cerca de 1,5 mil processos atualmente.


O gosto pela poesia
Cristina disse que sua paixão é mesmo a poesia. Sabe o poemeto “Memória”, do mineiro Carlos Drummond de Andrade, de cor: “Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão”. Mostrando a mão aberta, finaliza, sorrindo: “Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”.

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Poesia Completa de Alberto Caeiro - Fernando Pessoa - Reprodução

A garotinha que gostava dos gibis da Turma da Mônica viu na adolescência a paixão pela literatura aflorar. Começou com a coleção de infanto-juvenis Para Gostar de Ler, editada pela Ática, e passou pelos clássicos machadianos. “Meu pai tinha a coleção completa do Machado de Assis. O primeiro que li foi Memórias Póstumas [de Brás Cubas]”. Foi quando a paixão pela poesia surgiu. Ela lembra que nessa época passava horas e horas deitada na rede lendo. “Minha mãe até perguntava: ‘Está tudo bem com você?’”.

O gosto por poesia brasileira vem daqueles tempos. “Tem um poema da Cecília Meireles que me impressionava muito. “Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar. Depois abri o mar com as mãos para o meu sonho naufragar”, começa a recitar. Vem da mesma fase a preferência pelo poema “Tabacaria”, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. A parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”,

Aos 41 anos, Cristina reflete sobre sua relação com a literatura ao longo da vida. “É engraçado como você lê um poema em uma fase da sua vida e depois você lê aquilo toma outra forma. Quando li esses poemas pela primeira vez eu achei tão forte. Na maturidade, você pensa ‘Nossa, como eu fui atrás de tantas coisas. Que bacana. E ainda tenho tanta coisa ainda pela frente a fazer, talvez de forma menos visceral”.


Mulheres fortes

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O Sári Vermelho - Javier Moro - ReproduçãoUma outra paixão é viajar. Nessas idas e vindas, sempre carrega um livro de poesia ou de contos. “Gosto de ler os contos do Tchekhov [o russo Anton Pavlovich Tchekhov, autor de diversos contos] quando viajo, porque é curtinho”. Em maio de 2010, antes de embarcar para a Índia, acolheu sugestão dos amigos: ler o livro O Sári Vermelho, de Javier Moro. A obra fala sobre a história do país, sobre família Gandhi e sobre o choque entre culturas. “É interessante ver como a religião está ligada à política na Índia”.

Os enredos com personagens fortes parecem cativar Cristina. Ela cita O amor nos tempos do cólera, de Gabriel García Márquez. “É uma história muito delicada, que me cativou também porque é baseada na história de vida dos pais do autor”. Os personagens da obra, Florentino e Firmina, apaixonados quando ainda jovens, só se reencontram depois de 53 anos, já no final da vida.


Livros jurídicos

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Manual da Execução - Araken de Assis - ReproduçãoA filha de um juiz aposentado que demorou a escolher pelo Direito por medo de dizerem que estava “copiando o pai” diz que não costuma ler muitos livros jurídicos. Em seu trabalho, lança mão do Código Civil interpretado por Maria Helena Diniz, das obras da especialista em Direito de Família Maria Berenice Dias e do Manual da Execução, de Araken de Assis.

Às vésperas de completar 17 anos na prestação de assistência jurídica para hipossuficientes, Cristina conta que ainda se emociona quando pega um caso mais complexo. “Se não for assim, tem alguma coisa errada”. Para ela, o equilíbrio ainda é o melhor caminho. “Não posso também fingir que atrás dos processos não existem pessoas. Se for assim, perde toda a mágica, todo o sentido do trabalho”.


Li e recomendo
Ela recomenda a tese de mestrado da atual ouvidora geral da Defensoria Pública, Luciana Zaffalon Leme Cardoso, depois transformada no livro Uma Fenda na Justiça: a Defensoria Pública e a construção de inovações democráticas. “Ela conta um pouco da história do órgão, fala dos mecanismos de participação social como um paradigma para as instituições de Justiça”.

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Trocando as Lentes – Um novo foco sobre o crime e a Justiça - Howard Zehr - Reprodução

Cristina vem buscando formas alternativas de prestação jurisdicional. “Eu estou caminhando no sentido da mediação. Tem um livro que não é de Direito, mas eu comecei a ler e estou achando muito bom. Vale?”. Vale. A obra é Trocando as Lentes — Um novo foco sobre o crime e a Justiça, do americano Howard Zehr, um dos pais da Justiça Restaurativa. “A Justiça Restaurativa mostra que você precisa se preocupar com a vítima. Você passa a se preocupar com o lado humano da pessoa, tanto da vítima quando do agressor. As pessoas precisam tomar as rédeas dos seus conflitos. O juiz vai resolver seu processo, não necessariamente o problema. Nosso sistema atual de Justiça Retributiva não restaura”, explica.

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