Processos históricos

Supremo conserva HC sobre liberdade de escrava

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23 de janeiro de 2011, 12h49

O documento mais antigo guardado pelo Supremo Tribunal Federal é um processo judiciário manuscrito denominado Causa de Libelo, datado de 1796, e que tramitou no chamado Tribunal de Relação. Trata-se de um pedido de reconhecimento, por parte da Justiça, da liberdade de uma escrava. Restaurado com o intuito de preservar sua integridade, o documento é considerado uma relíquia e está em boas condições de leitura, podendo ser consultado por estudiosos, sob supervisão dos analistas do Tribunal.

Partindo do princípio de que preservar o acervo de uma instituição é preservar a sua memória, o STF, por meio de sua Secretaria de Documentação, tem trabalhado para garantir a conservação e o acesso ao seu patrimônio documental. O arquivo da Suprema Corte abriga 215 anos de história do Judiciário brasileiro, distribuída em cerca de 300 mil processos judiciais. São mais de cinco mil metros lineares de documentos em papel e outras mídias, ou seja, cinco quilômetros de informação empilhados e dispostos em linha reta. Mais de 80% do acervo referem-se a arquivos de caráter histórico.

Outro arquivo histórico de grande relevância é o Processo de Justificação de Sevícias 52, de 1815, época da Casa de Suplicação, no qual uma mulher pediu o divórcio por motivos de maus tratos do marido. O juiz responsável pelo caso acatou o pedido, autorizando a separação do casal. Foi uma decisão polêmica e corajosa para a época, marcada pela submissão da esposa ao marido em direitos e obrigações.

Desde o século XIX já se falava em reconhecimento de paternidade e partilha de herança. Na Ação de Libelo 15, de 1840, armazenada nas estantes do Supremo, Rita Maria de Vasconcellos pediu para ser reconhecida como filha natural de Joaquim Elias de Vasconcellos e, com isso, ter direito à herança. A outra parte tentou provar a infidelidade da mãe de Rita, levantando suspeitas sobre sua filiação. Ela, no entanto, demonstrou que a mãe foi fiel e o relacionamento foi duradouro, conseguindo a sentença ao seu favor. A semelhança física foi critério decisivo.

Também integra o arquivo permanente do STF o Habeas Corpus, por meio do qual a alemã e judia Olga Benário, então esposa do militar e político do Partido Comunista Brasileiro Luís Carlos Prestes, pediu um indulto para não ser extraditada para a Alemanha. A extradição foi concedida pelo Supremo e Olga, acusada de crimes políticos pelo Governo de Getúlio Vargas no período do Estado Novo, foi devolvida ao país de origem. Ela morreu em 1942 no campo nazista de extermínio de Bernburg.

Datado de 3 de junho de 1936, o documento apresenta pedido para que Olga Benário não fosse expulsa do país. Ela estava presa na Casa de Detenção do Rio de Janeiro, acusada de participar da Intentona Comunista de novembro de 1935 e por ser considerada perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do país. No HC, a defesa argumentou que a extradição era ilegal, pois ela estava grávida e sua devolução à Alemanha significaria colocar o filho de um brasileiro sob o poder de um governo estrangeiro.

Revolução Federalista
Outro habeas corpus armazenado no arquivo histórico do Supremo merece destaque: é o HC 415. O processo foi impetrado em 1893 pelo advogado Rui Barbosa em favor do senador Almirante Eduardo Wandenkolk e outros oficiais reformados, retidos nas Fortalezas de Santa Cruz, Laje e Villegaignon, acusados de crime militar por terem participado do confisco do Navio Júpiter. O pedido de soltura dos acusados foi, no entanto, negado pelo Plenário do Supremo.

Os acusados teriam assumido o comando da embarcação no litoral sul do Brasil na tentativa de conspiração contra o Governo Floriano Peixoto, reforçando os objetivos da Revolução Federalista, deflagrada no Rio Grande do Sul. Na petição, Rui Barbosa alegou demora na formação da culpa e imunidade parlamentar para o senador. Em relação aos demais acusados, o jurista sustentou incompetência do foro militar para julgá-los, pois eram oficiais reformados e deveriam ser julgados pela Justiça comum.

Segundo a coordenadora de Gestão Documental e Memória Institucional do Supremo, Kathya Campelo Bezerra, a Lei 8.159/1991 define o dever do Poder Público de fazer a gestão documental e a proteção especial aos documentos de arquivo como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação. “Vale ressaltar a importância de permitir que as futuras gerações também tenham acesso a esse legado onde está depositada parte da história do nosso país”, destaca.

De acordo com Kathya Bezerra, os registros históricos têm prioridade no tratamento, pois além da descrição do conteúdo, são higienizados, restaurados, digitalizados, armazenados em ambiente climatizado e acondicionados em caixas e invólucros especiais. A Secretaria de Documentação possui um laboratório, referência em Brasília, para a restauração dos documentos que necessitam de alguma intervenção para preservar sua integridade.

A digitalização é outra medida de preservação adotada pela equipe. Estão sendo digitalizados os processos históricos e os livros de andamentos processuais. “Acesso e preservação são importantes fatores para a adoção da digitalização dos documentos. Assim, prevê-se que algo em torno de 20 a 30% de todo o acervo possa ser digitalizado por constituírem informações relevantes, passíveis de pesquisa e de preservação”, ressalta a coordenadora.

A organização da memória documental da Corte, iniciada efetivamente em 1998, é de responsabilidade da Seção de Arquivo, que conta hoje com 20 pessoas na equipe. Também integram o grupo quatro estagiários de Arquivologia e quatro auxiliares portadores de deficiência, contratados por meio de convênio assinado entre o STF e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) do Distrito Federal, para realizar as atividades de higienização dos documentos.

A documentação do arquivo do Supremo é dividida em acervos judiciário e administrativo. No judiciário podem ser encontrados os processos originários findos, os processos administrativos e os processos históricos relativos às atividades do Supremo Tribunal de Justiça (de 1829 a 1890) e do Supremo Tribunal Federal (de 1891 até os dias atuais).

Já no acervo administrativo é possível consultar documentos produzidos e recebidos pelo Tribunal referentes às áreas de recursos humanos, material e patrimônio, orçamento e finanças e administração geral. Alguns processos anteriores à transferência da capital federal para Brasília, em 1960, estão sob a guarda do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.

A história armazenada no arquivo do STF pode ser acessada por qualquer cidadão, que tem direito de requisitar processos e informações de seu interesse. No caso de documentos sigilosos, o acesso é restrito e o pedido deve ser autorizado pela autoridade competente. Os arquivos que encerram sigilo são guardados em um cofre cujo acesso é restrito apenas a determinadas pessoas.

As consultas podem ser feitas na Seção de Arquivo, localizada no subsolo do Edifício-Sede do Supremo. Também é possível fazer consultas a distância, por carta, pela internet, por telefone, fax ou por e-mail ([email protected]). Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

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