Segurança energética

O Brasil deve investir mais em energia nuclear

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22 de janeiro de 2011, 17h01

Panorama Internacional
O desenvolvimento da tecnologia nuclear foi iniciado durante a Segunda Guerra Mundial, focado, dadas as circunstâncias históricas, na produção de artefatos explosivos. A humanidade a conheceu de forma traumática, após os holocaustos de Hiroshima e Nagazaki.

Na década seguinte, o Presidente dos EUA, general Eisenhower, mudou o curso da história lançando o Programa “Átomos para a Paz”, direcionando-a para os usos pacíficos, especialmente a geração de energia elétrica.

A indústria mundial de geração elétrica nuclear já acumulou mais de 14.000 reatores-ano de experiência operacional do final da década de 50 até hoje. São 436 usinas nucleares distribuídas por 34 países, porém concentrada naqueles mais desenvolvidos, que respondem atualmente por 16% de toda geração elétrica mundial.

Dezesseis países dependem da energia nuclear para produzir mais de ¼ de suas necessidades de eletricidade. França e Lituânia obtêm cerca de ¾ de sua energia elétrica da fonte nuclear, enquanto Bélgica, Bulgária, Hungria, Eslováquia, Coréia do Sul, Suécia, Suíça, Eslovênia e Ucrânia mais de ⅓. Japão, Alemanha e Finlândia geram mais de ¼ , enquanto os EUA cerca de ⅕.

No Brasil, a fonte nuclear foi a segunda maior geradora de eletricidade em 2009, superando o gás natural. As Usinas Angra 1 e Angra 2 responderam por quase 50% da indispensável complementação térmica do Sistema Interligado Nacional, no qual a fonte hídrica, limpa, barata e renovável, é largamente majoritária, fornecendo 93% do total gerado.

Apesar de poucas unidades terem sido construídas nos últimos 15 anos, as usinas nucleares existentes estão produzindo mais eletricidade. O aumento na geração nos últimos sete anos equivale a 30 novas usinas e foi obtido pela repotencialização e melhoria do desempenho das unidades existentes.

Hoje, entretanto, existem renovadas perspectivas para novas usinas tanto em países com um parque nuclear estabelecido como em alguns novos países. Os “BRICs” são particularmente importantes nesse contexto

53 usinas encontram-se em construção no mundo (Angra 3 é uma delas), às quais se somam encomendas firmes para outras 135. Além destas, mais 295 consideradas até 2030 pelo planejamento energético de diversos países (dentre os quais o Brasil, que planeja de 4 a 8 usinas adicionais nesse horizonte de tempo).
Cumpre reconhecer, entretanto, que ainda persistem forças antinucleares importantes em alguns países, em especial na Alemanha. Seu poder político, porém, vem declinando.

Apesar da crescente atenção que a geração nuclear tem recebido por razões ligadas ao meio ambiente e segurança de suprimento, é claro que as novas usinas devem provar sua competitividade econômica nos mercados de energia de hoje.

Se puder ser provado que novas usinas são a mais barata forma de geração elétrica de base em longo prazo, este será um argumento muito poderoso em favor de sua escolha. A Agência Internacional de Energia (IEA) prova isso na sua edição 2010 do relatório “Custos Projetados de Geração de Eletricidade”, recentemente lançado. Várias potenciais restrições têm sido levantadas, especialmente a disponibilidade de financiamento e restrições de capacidade na cadeia de suprimentos, mas esses podem ser superados como já foram no passado.

As raízes da oposição a qualquer coisa relacionada com a energia nuclear são muito profundas e constituem elemento essencial do movimento ambientalista, que encontrou na indústria de geração elétrica nuclear um alvo relativamente fácil.

A experiência tem mostrado que ganhar aceitação pública é mais fácil ao nível local, permitindo que as pessoas visitem as instalações e esclareçam suas dúvidas. Para a indústria, a melhor abordagem é operar bem suas instalações, tanto do ponto vista da segurança como do econômico.

O baixo custo do urânio e sua estabilidade ao longo do tempo constituem vantagem econômica primordial da geração elétrica nuclear. O ciclo do combustível, isto é, a mineração e beneficiamento, conversão, enriquecimento e fabricação são muito complexas, tanto do ponto de vista técnico como comercial, com mercados individuais para etapa.

O salto que os preços mundiais do urânio deram desde 2003, e a subseqüente queda brusca, geraram muito interesse, particularmente do setor financeiro. Isto estimulou uma visão renovada sobre as alternativas tradicionais de comprar e vender urânio e encorajou os compradores a pressionar pelo maior número possível de fontes de suprimento.

As significativas restrições à transferência de tecnologia e comércio de bens e serviços são críticas para indústria nuclear, assim como o gerenciamento do combustível usado e o retorno dos sítios nucleares fechados a usos alternativos.

As restrições estão ligadas ao Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas nucleares e sua implementação através de salvaguardas pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) e pelo Grupo de Fornecedores Nucleares (NSG).

A proliferação nuclear ainda permanece como um tema muito vívido e tem o potencial de ameaçar o renascimento da indústria nuclear. Entretanto, não existe possibilidade de que o renascente problema da proliferação nuclear possa ser resolvido pelo abandono das usinas nucleares.

Passados 60 anos, somente 8 países são reconhecidos como possuidores de armas nucleares. Todos os respectivos programas precederam ou foram desenvolvidos independentemente da geração elétrica nuclear, que nunca foi causa ou caminho de acesso à bomba.

O que fazer com o combustível usado após sua remoção do reator tem sido a mais importante questão e gerado os maiores problemas de aceitação pública. O debate sobre sua reciclagem é vital para o futuro da indústria nuclear.

A geração elétrica nuclear deve ser colocada no contexto mais amplo do desenvolvimento energético mundial. Esse tema retornou ao debate público após ter ficado muitos anos à margem depois das crises do petróleo dos anos 70.

Isso se deve a preocupações renovadas sobre a segurança do fornecimento de óleo de gás em longo prazo, indicada pela significativa escalada de preços, mas também pelas preocupações com as conseqüências ambientais da contínua exploração em massa dos recursos em combustíveis fósseis.

Além das usinas nucleares para geração elétrica, existem mais de 280 reatores de pesquisa operando em 56 países. Eles têm muitos usos, incluindo pesquisa básica e aplicada e produção de isótopos para usos médicos e industriais. No Brasil, estão em operação 4 reatores de pesquisa: 2 em São Paulo, 1 no Rio de Janeiro e 1 em Belo Horizonte e ainda mais 1 em projeto pela CNEN.

Apesar de não ser proscrito pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear, do qual o Brasil é signatário, o uso de reatores para propulsão naval é restrito, por razões tecnológicas, às maiores marinhas mundiais: EUA, Rússia, China, França e Grã-Bretanha. Mais de 220 reatores equipam 150 navios nucleares em operação.

Eles geram energia para submarinos e grandes navios de superfície, como os porta-aviões, que desempenham os papéis fundamentais das forças navais de, respectivamente, negação do uso do mar a eventuais agressores e controle de áreas marítimas. A Rússia opera ainda uma frota civil de oito grandes quebra-gelos nucleares e um navio de carga de 62.000 toneladas, indispensáveis à sobrevivência das populações do litoral da Sibéria. Índia, Coréia do Sul e Brasil desenvolvem programas para também aceder a esse uso legítimo da tecnologia nuclear.

Panorama Nacional
A avaliação da magnitude das reservas energéticas renováveis e não renováveis nacionais trazem grande otimismo face os desafios do crescimento econômico e do desenvolvimento social sustentável do Brasil. Com o devido aporte de planejamento, tecnologia e adequada gestão, nosso País pode ser auto-suficiente em energia no mínimo por mais de meio século, o que se constitui grande fator de alavancagem e diferencial competitivo no conserto das nações.

A auto-suficiência energética contribuirá para a manutenção de nossa vocação pacífica. A interpretação das notícias internacionais cotidianas nos indica que a busca da segurança energética pelos países, visando garantir o suprimento de insumos e fontes primárias, tem sido provavelmente o maior motivador das demonstrações de força, ameaças e conflitos internacionais, passados e atuais.

Em nosso planeta 39% da energia elétrica é produzida a partir da queima do carvão, 25% queimando gás ou óleo, 19% a partir de hidrelétricas, 16% nuclear, e 1% pelas demais fontes.

O Brasil se constitui honrosa exceção, pois nos últimos cinco anos cerca de 90% da eletricidade tem sido produzida pela fonte hídrica, limpa, barata e renovável. Os cerca de 10% de complementação térmica requerida pelo sistema elétrico vem sendo na sua quase totalidade, garantida pelas duas centrais nucleares nacionais, Angra 1 e Angra 2, e pelas termelétricas a gás, cujas contribuições são praticamente idênticas. Nos últimos 2 anos já se verifica uma pequena, porém crescente, contribuição da biomassa e o recente leilão de energia de reserva da ANEEL aponta também para uma crescente contribuição da fonte eólica no futuro.

Nos últimos 60 anos houve grande transformação na sociedade brasileira. A população urbana, que representava apenas 20% dos brasileiros, passou a representar hoje cerca de 80%, com os decorrentes problemas de saneamento básico e transporte de massa, juntamente com a industrialização crescente do País. Todas essas atividades são intensivas em consumo de eletricidade.

Embora o Brasil esteja em décimo lugar mundial na produção bruta de eletricidade, nosso consumo per capita nos coloca na nonagésima posição. Temos, portanto que, paralelamente aos programas de eficiência energética, como o PROCEL, que visam reduzir o consumo sem perda dos benefícios proporcionados pela eletricidade, aumentar de forma significativa a oferta, disponibilizando grandes blocos de energia para atender o inexorável crescimento econômico e desenvolvimento social.

Embora todas as fontes primárias de energia devam concorrer na composição na matriz de geração de eletricidade, para a produção de grandes blocos de energia elétrica, a prevalência da fonte hídrica permanecerá pelas próximas décadas. A contribuição do carvão e da energia nuclear, entretanto, se tornará crescentemente necessária. Entretanto, o uso do carvão mineral tende a sofrer crescentes restrições políticas e econômicas tendo em vista as preocupações ambientais globais com os efeitos das emissões de gás carbônico nas mudanças climáticas. Esse fato faz com que a energia nuclear tenda a ter sua contribuição ampliada.

As grandes reservas brasileiras de urânio, o domínio tecnológico que o País tem sobre o ciclo do combustível nuclear e as preocupações com as mudanças climáticas globais, exacerbadas pelos limitados resultados da última Conferência COP-15 são fortes motivações para o aprofundamento da discussão da geração elétrica nuclear no Brasil.

Nestes últimos sessenta anos de transformação econômica e social, o Brasil construiu um formidável conjunto de hidroelétricas, elevando de cerca de 2.000 para mais de 90.000 megawatts a capacidade de geração instalada. A maior parte deste grande aumento de capacidade foi construída em regiões do país nas quais a topografia era favorável à construção de hidroelétricas dotadas de grandes reservatórios e que já haviam sofrido desmatamento em virtude de algum ciclo agropecuário passado (café, cana, gado, por exemplo) Estas condições especiais minimizaram o impacto ambiental da implantação deste grande sistema renovável de geração de eletricidade.

A avaliação do potencial hidráulico remanescente indica que, de forma otimista, poderíamos ainda dobrar a capacidade hidroelétrica instalada, tratando com muita seriedade e racionalidade a questão socioambiental.

O atendimento às restrições socioambientais fez com que o estoque de água nos reservatórios das hidroelétricas nacionais tenha se mantido praticamente constante desde o inicio da década de 1990, o que trouxe a necessidade de uma contribuição térmica para garantir o suprimento de eletricidade. No período 2002 – 2008 esta contribuição essencial oscilou entre 6,8% e 11,3%.

Nas condições econômicas atuais, para gerar com energia firme na base do sistema, as termoelétricas que produzem eletricidade a menor preço são as nucleares, seguidas das que queimam carvão mineral.

O consumo per capita de eletricidade no Brasil é de cerca de 2.000 kWh/ano, muito abaixo do patamar de 4.000 kWh/ano que caracteriza o consumo mínimo dos países desenvolvidos, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) igual ou superior a 0,9. Note-se que o IDH brasileiro é inferior a 0,8.

Esse indicador nacional de 2.000 kWh/ano encontra-se abaixo da média mundial e é inferior a menos da metade dos indicadores equivalentes para países que recentemente ascenderam ao nível de desenvolvido, como Portugal (4.500) e Espanha (5.600). Isso sem fazer comparações mais desfavoráveis, como Rússia (5.700), Coréia do Sul (6.400), França (7.200) e Japão (7.400).

Por outro lado, quando se compara nosso indicador aos de China (1.300) e Índia (500), percebe-se a dimensão do desafio colocado a esses países, muito maior que o brasileiro, e a vantagem competitiva que temos em relação a eles.

Aproveitando todo o nosso potencial hidroelétrico, para atingir o patamar de 4.000 kWh/ano, e o correspondente IDH 0,9, precisaremos complementar o sistema elétrico nacional com 15 usinas térmicas de 1000 MW. Se almejarmos níveis comparáveis aos da Espanha, seriam necessárias cerca de 60 usinas do mesmo porte, e se o nível da França for a meta, cerca de 101.

O ciclo de implantação de um empreendimento para gerar grande quantidade de energia elétrica é de seis a dez anos, quando se considera os estudos e levantamentos preliminares necessários, projeto, licenciamento, construção e inicio de operação. Isto nos leva a concluir que, para o planejamento do sistema elétrico, dez anos é curto prazo, trinta anos é médio prazo e o planejamento à longo prazo, considerando a possível exaustão de alguma fonte primaria de energia e os efeitos das mudanças climáticas, deva ser de, no mínimo, cinqüenta anos.

Admitindo-se que até o ano 2060 a população brasileira se estabilize em torno de 250 milhões de habitantes, para atingir o mesmo padrão de consumo de energia elétrica e IDH da Espanha hoje precisaremos, portanto, construir a mesma capacidade nuclear que a França tem hoje, construída no período 1970-1995. Para atingir os padrões da França atual, a expansão da capacidade nuclear necessária seria equivalente àquela que os Estados Unidos construíram entre as décadas de 1950 e 1990.

As grandes reservas de urânio nacionais somadas ao domínio tecnológico do ciclo do combustível permitem que tais desafios possam ser superados pelo Brasil com auto-suficiência, sem criar dependência de fontes primárias importadas. Mais ainda, esses dois fatores permitem que o País atenda as suas necessidades simultaneamente tendo uma participação significativa no mercado internacional desse energético.

As características geológicas do solo nacional fazem crer que somente a Austrália, com suas cerca de 1 milhão de toneladas conhecidas, poderia nos superar em termos de reservas minerais de urânio. Às atuais 310.000 toneladas comprovadas, deverão se somar pelo menos 800.000 toneladas adicionais, hoje ainda especulativas, mas com grande possibilidade de serem confirmadas.

Essas reservas comprovadas equivalem a 238 anos de operação do gasoduto Bolívia-Brasil (25 milhões de metros cúbicos por dia) ou a 46 anos de abastecimento da Europa com gás proveniente da Rússia (130 milhões de metros cúbicos por dia), supondo que todo ele fosse utilizado para a geração elétrica.
Se considerarmos adicionalmente as reservas brasileiras especulativas, elas seriam equivalentes a 164 anos de abastecimento da Europa com o gás russo.

Em termos de geração de recursos financeiros, a cotação da tonelada de urânio no mercado “spot” em 2010 tem variado em torno de US$ 100 mil, valorando as reservas brasileiras comprovadas em mais de US$ 30 bilhões. Considerando as reservas adicionais especulativas, esta valoração chegaria a mais de US$ 100 bilhões.

Em termos de potencial energético, as reservas nacionais de urânio comprovadas equivalem a cerca de 7 bilhões de barris de petróleo. Se considerarmos também as reservas adicionais especulativas, essa equivalência de seria de 25 bilhões de barris.

As estimativas das reservas de óleo do pré-sal divulgadas pela mídia variam de 19 bilhões de barris (campos de Tupi, Iara e Parque das Baleias) até 50 bilhões de barris. Verifica-se, portanto, que as reservas de urânio brasileiras têm dimensões muito significativas.

A dimensão das reservas nacionais de urânio e a provável liderança mundial do Brasil na posse desse valiosíssimo recurso mineral energético, associada ao domínio tecnológico do seu processamento, fazem-nos crer que seria do maior interesse nacional iniciar uma ampla discussão sobre sua exploração, similar àquela que hoje está em curso no País sobre as reservas de petróleo do pré-sal.

Essa discussão deverá inicialmente estabelecer diretrizes para a expansão do parque de geração nuclear brasileiro em longo prazo, incluindo o Plano Decenal de Energia e o Plano Nacional de Energia. Definidas essas necessidades, será possível passar à discussão do uso das reservas de urânio nacionais, estabelecendo-se modalidades adequadas de exploração que permitam garantir a auto-suficiência e o retorno social sustentável desta atividade econômica, também em longo prazo.

Conclusões
Baseado nos princípios do desenvolvimento sustentável, as mais recentes análises de ciclo de vida das várias opções de geração elétrica não conseguem elaborar um cenário para os próximos 50 anos no qual não haja uma significativa participação da fonte nuclear para atender às demandas de geração de energia concentrada, juntamente com as renováveis, para atender às necessidades dispersas.

A alternativa a isto seria exaurir os combustíveis fósseis, aumentando brutalmente a emissão de gases de efeito estufa, ou negar as aspirações de melhoria de qualidade de vida para bilhões de seres humanos. Ambas as alternativas implicam na transferência transgeracional de um passivo socioambiental inaceitável.

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