Soberania das cortes

Conferência discute independência dos tribunais

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18 de janeiro de 2011, 9h25

A independência dos tribunais constitucionais só é alcançada quando há o entendimento do Estado em relação à importância da soberania das cortes. A avaliação é do presidente do Tribunal Constitucional da África do Sul, Sandile Ngcobo, que destacou que os tribunais devem buscar maneiras de salvaguardas sua autonomia, se não por meio de uma cultura de independência, que deve partir da sociedade, pela via da regulação. "É preciso haver compromisso político com a independência do tribunal constitucional."

Ncgobo participou, na segunda-feira (17/1) da sessão plenária "A independência do Tribunal Constitucional como instituição", durante o primeiro dia da II Conferência Mundial de Cortes Constitucionais, no Rio de Janeiro. Criado pela Comissão de Veneza, o evento discute, em sua segunda edição, a "Separação dos Poderes e a Independência das Cortes Constitucionais e Órgãos Equivalentes".

O vice-presidente da Corte Constitucional da Colômbia, Juan Carlos Henao Perez, destacou a importância da separação de poderes para a preservação das normas constitucionais, em face da busca por mais espaço dos outros Poderes. "Sobretudo nos países da América Latina, as constituições podem ser reformadas facilmente e os projetos dos governos prevêem reformas constitucionais", alertou. Ele destacou o caso em que a corte suprema de seu país acabou com a possibilidade de um terceiro mandato do presidente Álvaro Uribe, ao rejeitar lei que convocaria um referendo para mudar a Constituição.

A discussão mostrou que os 18 órgãos internacionais ligados à Comissão de Veneza — apesar das diferenças históricas, culturais e políticas de seus países — possuem muitos desafios em comum. Entre eles, a busca pelas garantias de independência dos tribunais constitucionais. Os temas tratados na sessão serão compilados em um documento escrito pelo relator e presidente do Tribunal Constitucional de Benim, Robert Dossou, que será votado nesta terça-feira (17/1).

Os países que compõem a Comissão de Veneza vão desde os que possuem Constituições mais jovens, como os do continente africano, bem como os da União Europeia, com Carta Magna consolidada há mais tempo. Diferentemente do Brasil, que há 22 anos conquistou uma normalidade constitucional, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, alguns países possuem cortes constitucionais separadas do Poder Judiciário, como Benim, Egito e Croácia.

Para o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que presidiu a sessão plenária, essa separação não deve ser vista como algo positivo ou negativo. "Este é apenas um conceito, mais um modelo, mas que não deve ser necessariamente adotado por todos."

Em Benim, na África, o Tribunal Constitucional não é integrado ao Poder Judiciário. A função é controlar as normas constitucionais e as questões ligadas aos Direitos Humanos. Também intervém quando o parlamento demora a agir em casos de omissões na lei. A busca pela independência financeira é um embate cotidiano, pois a corte depende, nesse sentido, do estado.

Na Georgia, localizada no leste europeu, a independência da corte constitucional dos três poderes foi simbolizada pela transferência do tribunal de Tbilisi, centro político do país, para Batumi, propiciando um distanciamento de especulações políticas. Quando o Parlamento se recusa a adequar uma lei, que já foi avaliada pela corte, ao texto constitucional, o tribunal pode declarar sua inconstitucionalidade, mesmo sem analisá-la novamente.

O Conselho Constitucional de Burkina Faso, na África, foi criado em 2000, após a dissolução do Tribunal Supremo. Apesar de ser independente, a corte ainda não possui um estatuto. Seu orçamento é submetido ao Ministério da Justiça e seus membros são nomeados pelo Executivo e pelo Parlamento.

O Conselho do Marrocos, também na África, é uma instituição independente, na medida que também não faz parte dos três poderes clássicos. O país traçou garantias de independências organizacional, administrativa e financeira em sua Carta Maior, tanto que o presidente do conselho é o ordenador das despesas. As decisões são proferidas por meio de colegiado para garantir a imparcialidade da corte.

No Egito, a constituição prevê a total independência no enfrentamento de todas as autoridades do país. A indicação dos ministros é feita pelo presidente, após tomada de opinião da maioria do tribunal constitucional. A corte é independente dos tribunais do Poder Judiciário. Também tem independência financeira e administrativa. Os membros possuem imunidade e não podem ser retirados de seus cargos. A execução de suas decisões também não depende de outras entidades do país.

Garantias de independência
O ministro Gilmar Mendes, que presidiu a sessão, abordou alguns dos mecanismos de controle constitucional da Corte Suprema. Entre eles a Reclamação, o Mandado de Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. "O Brasil adotou um novo entendimento em relação ao Mandado de Injunção, usado para garantir o direito de alguém prejudicado pela omissão do Poder Legislativo", destacou o ministro. "Antes, a corte apenas pedia a regulamentação de uma norma da Constituição, quando os poderes competentes não o fizeram. Agora, ela fixa uma medida, provisoriamente, para a situação, até que a norma seja regulamentada."

Já a Reclamação, que tem efeito vinculante, foi incorporada ao texto constitucional do país como instrumento do STF para preservar sua competência ou para assegurar a eficácia de suas decisões, reforçando assim o papel independente da corte. O Supremo combina o modelo americano (predominantemente incidental e concreto) e o modelo continental europeu (predominantemente abstrato) no controle de constitucionalidade.

Outra característica da corte brasileira é sua abertura. Com respaldo da Constituição, que prevê a publicidade dos julgamentos do Poder Judiciário, o STF instituiu a TV Justiça, pela qual exibe integralmente seus julgados. "Apesar das dificuldades que isso possa causar, a publicidade dos atos também é uma garantia de independência da corte e do juiz." Gilmar Mendes citou dados que apontam que cerca de 15 milhões de pessoas assistem às sessões do Pleno do Supremo por meio da TV, o que proporciona, de certa forma, um controle social do tribunal.

No Gabão, os debates na corte suprema são públicos. Mas as deliberações são sigilosas. Um representante do país questionou o fato das sessões do STF serem divulgadas pela TV Justiça, inclusive o voto dos ministros. Gilmar Mendes explicou que a prática é questionada inclusive no Brasil, pois alguns operadores do Direito acreditam que os juízes perdem a serenidade de se posicionarem, tendo em vista o julgamento público. Porém, esclareceu que isso não chega a ser um problema. Isso porque os ministros não se apegam ao fato da sessão estar sendo gravada quando discutem os temas e votam.

Critério de escolha
Além da questão da independência do tribunal, importante para que a corte garanta o cumprimento de direitos fundamentais sem interferências políticas e econômicas dos Poderes Executivo e Legislativo, os representantes dos países também falaram das dificuldades na designação de novos juízes constitucionais.

Com a aposentadoria do ministro Eros Grau, o STF está há mais de seis meses com um ministro a menos. Mas as dificuldades em se designar juízes constitucionais, e suas consequências, não são enfrentadas apenas no Brasil. Israel também possui uma vaga em sua corte. Diferentemente do Brasil, em que o ministro é indicado pelo presidente e sabatinado pelo Senado, os membros da alta corte de Israel são escolhidos por um conselho formado pela associação de advogados, pelo governo e pelo Parlamento.

Gilmar Mendes afirmou que, no caso brasileiro, o fato não teria tanta relevância se não fosse o julgamento da Ficha Limpa, que terminou empatado por falta do 11º ministro. Ao ser questionado pelos representantes de Guiné Bissau sobre como a corte resolveu o problema, o ministro citou o voto de qualidade, que confere ao presidente da corte a atribuição de decidir os julgamentos do Plenário em caso de empate na votação. "Em julgamentos de Habeas Corpus, vota-se em favor do réu. Mas, nesse julgamento específico [Ficha Limpa], optou-se pela decisão já proferida do Tribunal Superior Eleitoral, que havia impugnado o registro de candidatura de um político", explicou.

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