Direitos e deveres

O que deve mudar é a consciência do consumidor

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14 de janeiro de 2011, 8h59

Atento aos anseios sociais e às constantes mudanças na dinâmica da sociedade contemporânea, cujo consumismo tornou-se característica marcante, o legislador pátrio, na esteira do posicionamento inovador adotado nos idos de 1989, quando da apresentação do Estatuto original de defesa do consumidor, busca manter atuais as garantias e direitos dessa classe que, a rigor, é composta por todo e qualquer cidadão.

Com efeito, através de publicação na imprensa, restou veiculada a notícia acerca da nomeação, no dia 2 de dezembro de 2010, do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, para o cargo de presidente da comissão de juristas do Senado Federal, a qual está responsável por elaborar o anteprojeto de lei para revisão do Código de Defesa do Consumidor.

O aludido projeto tem como finalidade precípua a positivação de normas concernentes ao mercado de crédito ao consumidor, com vistas a assegurar a criação de regras que estimulem o consumo consciente e responsável de crédito, sem, contudo, que isso resulte em anulação à liberdade de contratar.

Ademais, sob o argumento de que o rendimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) fica muito abaixo dos juros de mercado, tramita na Câmara dos Deputados, concomitantemente, um projeto de lei que visa permitir a utilização desse fundo para satisfação de dívidas contraídas pelos trabalhadores.

A previsão é de que o indivíduo possa se utilizar desse expediente em casos nos quais 30% ou mais do salário bruto esteja comprometido com empréstimos e financiamentos, bem como que esteja com o nome inserido em cadastros desabonadores de crédito há, pelo menos, seis meses. Para tanto, o limite de retirada seria de 40% e o dinheiro iria direto da Caixa Econômica Federal para os credores.

Nada obstante, afora esses recentes projetos, ainda pendentes de maiores discussões, é de se destacar que a questão atinente ao endividamento irresponsável já deu azo a edição de legislação especial dispondo sobre a limitação ao comprometimento da renda do trabalhador para fins de contratação de empréstimo.

Desta sorte, como se vê, é cediço que existe, há tempos, uma significativa preocupação dos parlamentares nessa linha. No entanto, muito embora seja óbvia a posição de vulnerabilidade do consumidor perante os tomadores de crédito, não se pode olvidar que a contratação de um empréstimo junto a uma instituição financeira ou a compra de um produto através de crédito, induz, necessariamente, à celebração de um ato jurídico perfeito.

Em outras palavras, à exceção de situações que destoam da ordinariedade, a concretização de qualquer negócio jurídico nada mais é do que a limitação voluntária de liberdade, e, evidentemente, se faz por meio do livre exercício da autonomia da vontade, resultando, assim, na composição de lei entre as partes (pacta sunt servanda), conforme prevê o princípio do caráter vinculante das obrigações contratuais.

Anote-se, a título elucidativo, que tal raciocínio encontra-se amplamente motivado, até mesmo porque lastreado por garantia fundamental, consoante se observa da dicção do Artigo 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna, que propõem que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”

A essa conta, pois, merece realce o fato de que, apesar de a legislação brasileira ser pioneira na defesa e proteção dos consumidores, servindo como modelo, inclusive, para países mais desenvolvidos, a população pátria, infelizmente, progride a passos morosos sua mentalidade no sentido de repulsar o estado de inadimplência. 

Reflexo disso, aliás, pode ser extraído das constantes matérias acerca do aumento da inadimplência do consumidor, a exemplo dos dados recentemente computados pelo Serasa, que apontam um crescimento nas dívidas referentes a cartões de crédito, financeiras, serviços, cheques sem fundo, protestos e débitos bancários.

A pesquisa, baseada em indicador da Serasa Experian, informa que a ampliação do endividamento foi maior que a de 2009 em relação a 2008, quando se registrou um avanço de 5,9%, enquanto que, na comparação de 2010 com o ano anterior, esta chegou à ordem de 6,3%.

A esperança, no entanto, é de que haja sensível mudança na consciência do consumidor brasileiro, no caminho de compreender que o adimplemento de suas obrigações para com terceiros é, além de um dever legal, um dever ético e moral.

E, em sendo assim, ter-se-á, invariavelmente, o fortalecimento das relações entre consumidores e fornecedores, e, com efeito, haverá de reduzir, de maneira sensível, o número, já deveras excessivo, de demandas a respeito dessa matéria.

Adicionalmente, quando essa modificação se afastar do campo hipotético, fácil será notar que, ao largo da ideia de vulnerabilidade do consumidor, o endividamento irresponsável assenta-se na conduta exclusiva do devedor que, a despeito de se valer, quando oportuno, da autonomia contratual conferida pela lei, socorre-se do Judiciário, em posterior ocasião, como se vítima fosse.

O que se quer afirmar é que, em que pese à indispensabilidade de constantes reformulações nas leis e nos códigos, com o fito de adequá-los, da melhor forma possível, à realidade, é a alteração no pensamento do consumidor que afetará, sobremaneira, na estabilização dessas relações.

Do contrário, de nada adiantará o aperfeiçoamento legislativo, pois, sob o dogma da hipossuficiência da parte devedora, sempre se fará cogente a relativização de princípios, impondo, de modo negativo às partes, uma resolução do conflito mediante um provimento judicial. 

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