RETROSPECTIVA 2010

TJ paulista tentou acertar o passo com a sociedade

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4 de janeiro de 2011, 13h19

Este texto sobre o Tribunal de Justiça de São Paulo faz parte da Retrospectiva 2010, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que terminou. 

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Fernando Porfírio - Spacca - Spacca

O ano de 2010 foi marcado por acertos e entraves na maior corte de Justiça da América Latina. O principal ajuste se deu pelo esforço interno quase unânime de tornar o Tribunal de Justiça de São Paulo mais transparente, de tirar o pé do freio e pisar no acelerador da prestação jurisdicional. O maior entrave ocorreu pela falta de recursos orçamentários que aprisionou o Judiciário numa camisa de força e deu origem à mais longa greve da história da Justiça paulista: 127 dias de paralisação dos servidores públicos.

O desgaste da greve foi grande, apesar de ninguém conseguir mensurá-lo, trazendo prejuízos materiais e políticos para todas as partes envolvidas e principalmente para o cidadão que bateu às portas do Judiciário com alguma demanda. Colocou em lados opostos a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e o Judiciário e, em alguns momentos, gerou conflitos também com o Executivo.

Os dois últimos capítulos protagonizados pela direção do Tribunal paulista se desenrolaram num palco até então pouco afeito aos desembargadores: os bastidores da Assembleia Legislativa. O primeiro foi uma operação orquestrada para cortar antes do nascedouro a CPI do Judiciário. A CPI pretendia investigar supostas irregularidades no tribunal como pagamentos de auxílios indevidos a juízes e vencimentos acima do teto.

A proposta de instalação da CPI foi incentivada por lideranças dos servidores públicos e encabeçada pelo deputado Carlos Giannazi (PSOL). O documento da CPI conseguiu o quórum mínimo de assinatura para sua instalação: 32. Mas, de última hora, os deputados Salim Curiati (PP) e Roberto Massafera (PSDB) retiraram suas assinaturas, desarticulando o sonho da oposição.

A operação para pressionar os dois parlamentares que retiraram suas assinaturas foi comandada pelos deputados Campos Machado e Vaz de Lima. O primeiro é parente de um desembargador, indicado pela cúpula do TJ para tratar de questões legislativas de interesse do Judiciário. O segundo tem bom trânsito com a direção do tribunal. Pelos menos dois desembargadores atuaram diretamente junto aos dois parlamentares para garantir que a CPI morresse na praia.

Jeferson Heroico
Gráfico - Total de processos julgados e distribuídos em 2010 - Jeferson Heroico

O outro capítulo teve a intervenção direta do presidente da corte paulista, desembargador Viana Santos. Este chamou para si a negociação com o governador eleito Geraldo Alckmin para a retirada das emendas do Judiciário no substitutivo da proposta do Orçamento de 2011. A proposta original do Tribunal de Justiça sofreu um corte de 53%.

O Judiciário pretendia arrancar do Tesouro uma reserva de R$ 12,3 bilhões para seus gastos em 2011. Pela proposta aprovada vai ficar com apenas R$ 5,6 bilhões. Em troca da retirada das emendas que previam cerca de R$ 1 bilhão para o Judiciário, Viana Santos arrancou o compromisso de Alckmin de suplementação logo que a arrecadação do estado aponte sinais de melhora. A direção do tribunal considera que fez um bem negócio diante do quadro desfavorável que existia na Assembléia Legislativa.

A lição positiva retirada de 2010 é que este foi um ano em que se colheram os frutos da celeridade e da busca de soluções para vencer o acervo de recursos que teima, a cada ano, em ser maior do que o número de julgados. Há hoje uma satisfação coletiva de que o tribunal encontrou o caminho, apesar das dificuldades financeiras. Quem ganhou com isso é o cidadão, que vê seu Judiciário mudar de atitude, parar de dar murro em ponta de faca, inovar e abrir espaços no campo político-administrativo para trazer mais recursos para a corte paulista.

Na última semana de julgamento do ano, os desembargadores da 9ª Câmara de Direito Privado realizaram sessão onde foram julgados 688 recursos. Este é apenas um exemplo de um colegiado que tenta superar seus próprios limites de produtividade e de prestação da Justiça. O esforço dos julgadores fez com que a câmara não deixasse sobras para o próximo ano.

O exemplo apontado foi repetido e até superado durante o ano por outras câmaras de Direito Privado, Público e Criminal. A vontade de vencer desafios parece ter contagiado a maioria dos gabinetes da corte paulista. Apesar da estimativa dos mais otimistas não ter condições de se concretizar, as decisões de segundo grau deverá ultrapassar o número de 500 mil este ano.

É pouco diante do acervo que restou para o próximo ano. Os números estão fechados até novembro o que já permite uma previsão. De acordo com esses dados, o maior Tribunal de Justiça do país julgou em 2010 um pouco mais da metade dos recursos em andamento. Foram em 494.678 decisões de um volume de 843.282 recursos, segundo dados apresentados no final do ano pela presidência do Tribunal de Justiça. Nesse mesmo período, o número de processos entrados superou o de apreciados em 128.

Faltando os dados de dezembro, mês em que o calendário de julgamento teve apenas 15 dias, o número de recursos que deram entrada será bem maior do que aqueles que foram julgados. Não seria exagero dizer que a sobra de acervos para 2011 será superior a 400 mil recursos.

De acordo com os dados oficiais do Judiciário paulista, o primeiro o terceiro trimestre foram os menos produtivos com desempenho negativo do número de processos julgados em relação aos distribuídos. O segundo trimestre apresentou o melhor resultado com quase 192 recursos apreciados, superando a deferência com o número de processos distribuídos em 56,4 mil.

O quarto trimestre apresenta até agora — faltando os dados de dezembro — um balanço positivo perto de 10 mil recursos julgados. Pode-se dizer que o desempenho não era o esperado pela direção do tribunal, que previa chegar à casa dos 700 mil recursos julgados. O saldo abaixo das expectativas pode ser credenciado à paralisação de 127 dos servidores e à baixa produtividade em janeiro, março, abril e julho, quando o número de processos entrados superou os de julgados.

Jeferson Heroico
Gráfico - Total de processos julgados e distribuídos em 2010 - Jeferson Heroico

A média de entrada de recursos no tribunal tem sido de 45 mil. Há períodos atípicos como março e agosto, quando esses números podem chegar à casa dos 60 mil. Em 2010, a melhor performance do conjunto dos desembargadores ocorreu em agosto, março e novembro e o desempenho mais fraco em janeiro, julho e outubro (veja o quadro ao lado).

Quadro em 2009
Estudo do CNJ, referente a 2009, revelou que o Tribunal paulista proferiu no ano passado 536.630 decisões definitivas, colocando-se como o primeiro no ranking nacional. Mas esse número, de acordo com a pesquisa, equivaleria a 95% dos novos casos que deram entrada na corte do maior estado da federação.

O dado significa que apesar de julgar mais que todos os outros tribunais, o estoque de recursos continua crescendo na corte paulista. Por outro lado, o mesmo levantamento também aponta que o Tribunal de São Paulo julgou três vezes mais do que o de Minas Gerais e o do Rio de Janeiro. E que proferiu uma vez e meia mais decisões que o do Rio Grande do Sul.

Mesmo assim, a média de produtividade coloca o julgador de segundo grau paulista na sexta posição no ranking nacional. Isso não quer dizer que não existe entre os 355 desembargadores e os mais de 85 juízes substitutos alguns que supere os integrantes da corte colocada no topo nacional. As ilhas de excelência são cada vez em maior número no Tribunal paulista, com alguns superando a faixa de 2,5 mil votos anuais.

Ilhas de excelência
Outra pesquisa concluída em outubro de 2010, pela direção do Tribunal de Justiça de São Paulo, referente aos nove primeiros meses do ano, revelou que seus desembargadores julgaram 15,7 mil processos a mais que o mesmo período de 2009. O número pode ser apontado como pequeno e a resposta está também na pesquisa. Há ilhas de excelência de produtividades e setores que caminham na lentidão de 40 anos atrás, quando os acórdãos eram escritos à mão, datilografados, ou ainda ditados para uma secretária escrever.

Nesse período, a Seção de Direito Privado, por exemplo, julgou 14,8 mil processos a mais de janeiro a setembro de 2010 na relação com o mesmo período de 2009. A Seção de Direito Criminal ultrapassou sua produtividade do ano anterior em 10,5 mil decisões. No entanto, a Seção de Direito Público caiu no ranking produzindo 9,7 mil acórdãos a menos que em 2009. O resultado positivo com a somatória da produtividade das câmaras de Direito Privado e Criminal que chegou a 25,4 mil caiu para 15,7 mil.

Fazer justiça não é missão fácil e administrá-la é tarefa que exige profissionalismo. Em São Paulo, a Justiça parece navegar entre a mudança para um novo tempo e o colapso. O Judiciário reúne um quinto (21,6%) dos magistrados estaduais e sua despesa também correspondeu a um quinto (22,8%) do gasto de toda a Justiça dos estados. No entanto, a Justiça Estadual responde por quase metade (44%) do total de processos, por 35,7% das sentenças e decisões e recebeu 28,9% das novas ações propostas em 2009.

Na primeira instância, de acordo com levantamento da Corregedoria Geral da Justiça publicado no final de outubro, são 18.630.446 processos, dos quais mais de 10 milhões correspondem a execuções fiscais. Somados aos recursos em segundo grau o número vai para 19,4 milhões de feitos.

No Banco do Brasil encontram-se R$ 25 bilhões em depósitos judiciais, representando 48% do total de depósitos da Justiça Estadual do país. A dinheirama corresponde a quase seis vezes o orçamento do Judiciário paulista. O banco lucra com a administração dos recursos sob sua guarda.

Com o ritmo da entrada de processos sendo maior que o número de feitos julgados e se os desembargadores e juízes hoje trabalham num grau de produtividade acelerado era de se supor que a curva de processos represados indicasse uma curva para baixo. Mas é exatamente o contrário o que acontece.

Apesar das mais de cinco milhões de sentenças de primeiro grau e de cerca de 500 mil decisões no Tribunal de Justiça o estoque continua evoluindo.

As saídas para evitar o colapso já são conhecidas: recursos financeiros e investimentos em recursos humanos, autonomia, planejamento e gestão. É preciso mais dinheiro, mas não só isso. A sua execução precisa ser bem planejada.

O Judiciário requer independência orçamentária, financeira e política para melhor exercer sua função de julgar. E seus membros, além de bom conhecimento jurídico e dedicação, precisam dominar ferramentas modernas para gerenciar pessoal e processos que estão sob sua responsabilidade. Estes são outros desafios a serem enfrentados com maestria em 2011.

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