Autonomia restrita

Faculdade não pode impor orador em colação de grau

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3 de janeiro de 2011, 8h33

“Nascido livre, para desenvolvimento de suas potencialidades intelectuais e realização dos sonhos pessoais, o homem somente está obrigado a se curvar ao Estado naquilo em que a disciplina de sua vida favorecer a convivência solidária no ambiente social. Com isto, são desprovidos de validade quaisquer atos públicos nascidos de puro voluntarismo, arbítrio ou simplesmente carentes de justificativa lógica.” A conclusão é do desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto. Ele julgou procedente o pedido de alunos da UniverCidade (Centro Universitário da Cidade) para que a instituição reconhecesse o caráter oficial da festa de formatura feita por empresa contratada pela comissão de formandos e condenou a faculdade a pagar R$ 39 mil, divididos entre os 24 alunos, por danos morais.

Os estudantes entraram com a ação depois que a faculdade baixou um regulamento de colação de grau. Entre outras coisas, o regulamento determinou que é a própria faculdade quem escolhe o aluno orador da turma que fará o juramento e os alunos que prestarão homenagens aos pais, amigos e ausentes. Também é a faculdade a responsável por escolher a empresa que cuidará da solenidade de colação de grau. A taxa serve, segundo a faculdade, para pagar a beca, o canudo e o local da cerimônia.

“Percebe-se que tais regras tiveram por escopo conferir ao ato maior gravidade, compatível com a importância dos votos e do juramento firmados naquele momento, tema objeto de um artigo específico, que trata justamente do decoro, que contrasta com a informalidade presente nos últimos anos”, reconheceu o relator da apelação, desembargador Eduardo Gusmão.

Ele também constata mudanças que ocorreram nas festas de formatura dos últimos anos, que as tornaram, muitas vezes, “excessivamente informais, por vezes anárquicas e mesmo incompatíveis com a seriedade esperada em momentos de reflexão”. Para o desembargador, por esses motivos, é até compreensível a intervenção da faculdade, exigindo um protocolo mínimo a ser observado.

“Mas neste ponto encerra-se a legitimação das universidades para a definição do protocolo”, disse. “Tal como leis, atos administrativos e tudo o mais que interfira na vida do particular, estão também as universidades limitadas pelo princípio da razoabilidade, tido pela doutrina internacional como originário do próprio princípio do estado democrático de direito.”

Para o desembargador, não há sentido em deixar a cargo da faculdade a escolha dos oradores da turma, mesmo que isso seja feito de forma objetiva, como a nota obtida durante o curso. “Não raro, e diria até com muita freqüência, não há absolutamente qualquer vínculo entre popularidade e notas obtidas ao longo do período letivo. Popular, e por isto merecedor da tarefa de falar pela turma, é aquele que consegue reduzir a palavras a multiplicidade de sensações e sentimentos que acompanharam a evolução da vida acadêmica daqueles jovens recém saídos da puberdade”, disse.

O desembargador também afirmou que não faz sentido a instituição obrigar os alunos a contratar empresa da escolha da faculdade, se o regulamento deixa claro que sucessos ou fracassos na realização não serão creditados à universidade, que apenas é mediadora. “É possível, no ponto, e a contestação nada diz a respeito, que o regulamento traduza reação a conhecidos episódios de falência ou estelionatos envolvendo empresas de organização de festas, que não raro apropriam-se dos recursos dos alunos e inviabilizam a realização da cerimônia”, diz.

Entretanto, para o desembargador cujo voto foi acompanhado pelos demais integrantes da 16ª Câmara Cível do TJ do Rio, tal medida ultrapassa a fronteira da autonomia da universidade, interferindo na liberdade dos alunos. Ele lembrou, ainda, que os alunos podem escolher livremente o preço do serviço, ao contrário do que poderia ocorrer se tivessem de se submeter ao orçamento de apenas uma empresa.

Para a Câmara, as restrições impostas pelo regulamento da Univercidade são descabidas. “O ato oficial pode ser feito onde os alunos escolherem, com a contratação da empresa de sua preferência e segundo o orador eleito pelos alunos. Quanto à universidade, qualquer universidade, compete-lhe ditar o protocolo, eventualmente escolher o lugar, sem intervir no elemento econômico da solenidade, e sobretudo nas escolhas emocionais feitas pelos formandos.”

A ação foi proposta por alunos da comissão de formatura do curso de administração de empresas do campus de Bonsucesso da Univercidade quando já estavam próximos de se formarem. Eles argumentaram que já haviam contratado empresa particular de cerimonial para organizar a festa com tudo o que integra o evento, como espaço, becas e decoração. Eles alegaram que já haviam assinado o contrato antes de a faculdade baixar o ato administrativo que regulamentava a colação de grau e corriam o risco de que a cerimônia não fosse aceita pela instituição de ensino, que, segundo os alunos, chegou a recomendar que os professores não participassem do ato.

Os alunos conseguiram, em antecipação de tutela, que a Univercidade liberasse os professores para a cerimônia, com a ressalva de que a colação não tinha natureza oficial. Já no mérito, os pedidos foram julgados improcedentes. Para o juiz Werson Rêgo, da 18ª Vara Cível do Rio, conferir caráter oficial a um evento não oficial feriria a autonomia acadêmica da faculdade.

Os formandos recorreram. A 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade, reformou a decisão. O acórdão foi publicado no último dia 17. Cabe recurso.

Clique aqui para ler a decisão.

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