Rombo no orçamento

Falência pode ser a única saída para cidades nos EUA

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3 de janeiro de 2011, 9h51

Nos Estados Unidos, um número assombroso de cidades vem enfrentando graves problemas orçamentários. Muitas delas estão atoladas em profundas crises financeiras, que comprometem o funcionamento e a execução de serviços básicos, como coleta de lixo e segurança pública. É o caso de Colorado Springs, no estado do Colorado.

Segundo maior centro urbano do estado, localizado próximo de uma das mais famosas cadeias de montanhas do país, Colorado Springs tornou-se o exemplo de uma confusa política de cortes de impostos, fruto de um movimento ideológico que prega a interferência mínima do Estado na vida dos cidadãos.

Reduto de missões, ministérios e igrejas cristãs e de pequenos movimentos ultraconservadores anti-impostos e entusiastas da redução do tamanho do governo federal e local, a cidade mergulhou numa crise orçamentária de proporções quase sem paralelo na recente história dos EUA. Cortes no programa de recolhimento de lixo, racionamento de energia elétrica, reduções drásticas na oferta de transporte público, ausência de policiais e bombeiros nas ruas, estes são alguns dos problemas enfrentados pelos cidadãos da cidade diariamente.

Colorado Springs talvez seja um exemplo extremo. Porém, cresce o número de cidades americanas que têm enfrentado cortes de orçamento radicais enquanto os cidadãos convivem com lixo acumulado nas ruas e assistem canteiros, parques e jardins serem tomados pela vegetação que simplesmente deixou de ser podada.

Ainda quase um “nome feio”, sussurrado ao pé do ouvido, o processo de “falência municipal” começa a ser discutido entre políticos e juristas nos EUA. Por que não seguir o modelo usado por empresas e adotar um procedimento jurídico e administrativo que é seguro, calculado e que protege os envolvidos de maiores efeitos colaterais?, perguntam analistas e especialistas na área de falências.

Ainda pouco conhecida e raramente executada, a falência municipal, para a maioria dos políticos americanos ainda é um “bicho papão”, um atestado de suicídio eleitoral, que levaria os dirigentes municipais a exercer um papel ingrato ao reconhecer o fracasso de seus esforços. Sem contar os prejuízos no mercado de títulos municipais e a dificuldade que a cidade teria de levantar empréstimos a partir de então.

Alguns estados possuem ainda leis que contemplam a declaração de falência administrativa municipal. Para tanto, em alguns casos, é necessário que se encaminhe um processo de aprovação para que juízes possam decidir se uma cidade pode ou não se apresentar diante de um tribunal de falência. Nos EUA, os tribunais de falência são responsáveis por executar judicialmente a declaração de concordata de companhias e pessoas jurídicas. Alguns estados proíbem que governos locais solicitem concordatas de qualquer tipo. O estado da Georgia, por exemplo, não admite que cidades declarem concordata administrativa, e é o único a regulamentar a proibição.

Orçamento estourado
Nos EUA, além das cidades, existem, em nível municipal, diferentes tipos de divisões administrativas, baseadas em critérios que levam em consideração a dimensão territorial e a população. São os casos das “towns” (ligeiramente menores que cidades), distritos, vilas entre outros. Existe também um nível de divisão administrativa intermediário entre a escala estadual e municipal, que são os condados. A questão da crise orçamentária está presente em todas essas escalas regionais. Mas poucos apelam ao processo de falência municipal. De acordo com o The Wall Street Journal e seu blog especializado em Direito e Justiça, advogados especializados em falência dão conta que menos de 250 condados, cidades, vilas e distritos declararam concordata nos últimos 30 anos.

Entretanto juristas e especialistas em administração pública avaliam que, no próximo ano, o processo de falência seja a única opção de muitas cidades assoladas pela crise financeira, que deixou estragos nas contas públicas por todo o país. O assunto tem ganhado destaque nas últimas semanas de 2010, e jornais como o The New York Times e The Wall Street Journal vêm publicando reportagens especiais de fim de ano sobre o tema.

Desmontar administrativamente uma cidade, cuidando para que os prejuízos se limitem a uma margem de relativa segurança e, assim, reconstruir administrações municipais partindo do zero ainda é um assunto delicado. Porém a combinação de rombos no orçamento e a crescente fobia do contribuinte americano com novos impostos e contração de novas dívidas não deixam muitas opções, avaliam analistas.

Paradigmas da cultura tributária norte-americana, como não taxar entidades religiosas, educacionais e beneficentes, têm sido revistos por governos locais, estaduais e em nível federal. A reformulação da política de isenção fiscal no país tem ganhado abrangência. Parte do descontentamento com os novos impostos foi percebido no resultado das últimas eleições legislativas em novembro. Os eleitores rejeitaram a política de criação de taxas para tapar buracos no orçamento.

A imprensa norte-americana tem acompanhado de perto o assunto. De acordo com o levantamento realizado pela reportagem do The Wall Street Journal, publicado nesta segunda-feira (27/12), em Houston, o segundo maior centro urbano do estado do Texas, os problemas orçamentários se intensificaram como nunca antes. Algumas das rodovias da cidade, sujeitas a intempéries como inundações, se encontram em péssimo estado de conservação. Em alguns pontos, as autoridades simplesmente colocaram placas com a advertência “Não siga a partir deste ponto, não se afogue”.

Os contribuintes foram então convocados a votar sobre a implantação de uma “taxa de drenagem” para, pelo menos, arrecadar US$ 125 milhões anuais que possam dar conta dos custos com obras em estradas e o tratamento de águas pluviais. Para tanto, entidades beneficentes e igrejas começaram a ser taxadas, o que provocou protestos e ações judiciais contra o novo imposto local. A principal crítica é que, com a crise financeira, a demanda pelos serviços de organizações beneficentes tem crescido. Sobrecarregá-las com impostos seria então um golpe duro contra grupos que já operam no limite de sua capacidade.

Com a nevasca que assolou a costa leste no último domingo e segunda-feira, a questão da dificuldade dos governos locais com orçamentos em um período pós-crise ficou em evidência. Nas cidades em que impostos de propriedade e moradia são caros e o padrão financeiro dos moradores alto, os serviços de limpeza e retirada de neve acumulada das vias públicas foi mais rápido e eficiente. Em localidades menos favorecidas, o trabalho não foi tão bem feito e os moradores tiveram que esperar mais tempo para deixar suas casas e utilizar seus automóveis. Os trabalhos que sucedem nevascas, de forma geral, são eficientes mesmo em localidades em que os governos locais dispõem de menos recursos. Contudo, a diferença nos orçamentos de cada cidade ficou evidente pela quantidade de homens e máquinas nas ruas e a rapidez em responder a emergência.

Efeito dominó
Hamtramck, no estado de Michigan, é um caso em que os dirigentes da cidade já consideram iniciar um processo de concordata administrativa junto a um tribunal de falências. A cidade chegou ao ponto de realizar cortes em casas para desabrigados, limitando o acesso de cidadãos ao serviço que tira as pessoas das ruas. De acordo com outra reportagem do The New York Times realizada sobre o assunto, o receio do governo do estado é que se Hamtramck iniciar o processo de falência, outras 30 cidades seguiram o mesmo rumo.

A elevação nos custos de empréstimos e problemas em negociar títulos da cidade não são os únicos problemas que envolvem concordatas administrativas de cidades. De acordo com o advogado especializado em falências municipais, James E. Spiotto, que atua na banca Chapman & Cutler, de Chicago, e que falou ao The New York Times sobre a situação dos municípios, "em 70 anos, cerca de 600 cidades entraram com pedido de concordata junto à Justiça de falências dos EUA". De acordo com o especialista, a grande dificuldade de se executar falências municipais, além do aspecto político, está relacionada as particularidades da legislação em cada estado. Algumas leis limitam e criam obstáculos consideráveis ao processo.

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