RFB não se manifestou sobre ajustes ocultos do RTT
27 de fevereiro de 2011, 4h41
Como sabido, em 31 de dezembro de 2007, com a edição da Lei 11.638/07, se iniciou o processo de convergência entre as práticas contábeis brasileiras e as práticas internacionais. A continuidade desse processo foi dada com a edição da Lei 11.941/09 e dos diversos Pronunciamentos exarados pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
Em virtude disso, diversos procedimentos contábeis foram ajustados, de forma que, por óbvio, na maioria das empresas, o resultado contábil apurado com base nas práticas vigentes até aquela data é diferente do apurado com base nas novas práticas.
Do ponto de vista fiscal, inicialmente foi determinado que os impactos contábeis decorrentes da utilização das novas práticas não impactariam as bases de cálculo dos tributos. A forma para realização prática dessa neutralidade foi disciplinada pela Lei 11.941/09, mediante a instituição do Regime Tributário de Transição (RTT). Tal regime (obrigatório a partir do ano-calendário de 2010[1]) determina que as empresas devem apurar o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o PIS e a COFINS com base no lucro/faturamento que seriam apurados caso as práticas antigas ainda estivesse vigentes.
Especificamente IRPJ e a CSLL, o dispositivo legal determina que as Sociedades devem partir do lucro contábil apurado com base nas novas práticas (antes do cômputo das provisões para referidos tributos[2]), realizar ajustes referentes ao impacto das novas práticas, e assim, chegar ao lucro de partida. Como não poderia de ser, tal lucro de partida, é idêntico ao lucro contábil (antes das provisões para IR/CSLL) que seria apurado caso as práticas antigas ainda estivessem vigentes.
Ocorre que até o momento, a Receita Federal do Brasil (RFB) não exarou uma norma específica sobre quais procedimentos contábeis devem ser alvo de ajuste. A legislação que rege o RTT parece ser autoexplicativa, pois, tem como base a neutralidade fiscal, mas não é! Parte dos ajustes a serem realizados são facilmente identificados e vem sendo considerado pelas empresa nas apurações dos referidos tributos, tais como: mudanças de taxas de depreciação[3], amortização do ágio, contabilização do leasing, etc…
Todavia, há alguns possíveis ajustes “ocultos” que não são facilmente identificados, tampouco, foram alvos de manifestação/posicionamento da RFB. Nesse caso me limito a discorrer sobre a deliberação/pagamento dos Juros sobre Capital Próprio (JSCP) e a Distribuição de Dividendos. Explico em tópicos distintos:
JSCP
É cediço que o JSCP é uma ferramenta contábil/fiscal que ocasiona o melhor custo x benefício na remuneração ao acionista/quotista pessoa física[4]. Isso porque, na deliberação de JSCP a fonte pagadora registra uma despesa dedutível do IRPJ e da CSLL (34%) em contrapartida ao recolhimento do IRFonte (15%), esse último a título de tributação de
definitiva do valor recebido pela pessoa física. Assim, tem-se uma economia fiscal de 19%, além da “remuneração isenta” do sócio/acionista.
Ocorre que o valor a ser pago/deliberado a título de JSCP tem limites a serem obedecidos. E é exatamente nesse ponto que encontramos o cerne da discussão relativa a alteração de prática contábil. Vejamos!
Consoante determina a legislação vigente, o JSCP possui dois limites de pagamento/dedutibilidade, a saber:
(i) correspondente ao valor apurado mediante aplicação da Taxa de Juros a Longo Prazo (TJLP) sobre o valor do Patrimônio
Líquido (PL) da empresa, excluída a reserva de reavaliação não realizada e a reserva especial de correção monetária constituída em virtude da faculdade disposta na Lei 8.200/91; e
(ii) correspondente a metade dos lucros acumulados ou do lucro do período, dos 2, o maior.
Com relação ao item (i), desde já vale ressaltar que essas exclusões são exaustivas, de forma que qualquer outro valor registrado no PL pode ser considerado para fins de cálculo do valor a ser deliberado/pago a título de JSCP. Ocorre que na data de transição, em virtude do disposto no Pronunciamento CPC13, diversas Sociedades contabilizaram valores
relevantes na conta de “Lucros ou Prejuízos Acumulados” [5] diretamente no PL.
Tal rubrica não se encontra no rol de exclusões expressas, portanto, via de regra, influenciariam o cálculo do JSCP. Dizemos “influenciariam”, pois, em virtude da existência do RTT, os valores decorrentes dos ajustes realizados na data de transição devem ser desconsiderados na apuração do limite (i) do JSCP. Ademais, as mudanças de práticas também impactaram o resultado contábil realizado após a data de transição, o qual foi transferido para conta de Lucros Acumulados quando do encerramento do exercício, procedimento que também deve ser ajustado.
Assim, em outras palavras, para fins de apuração do limite (i) descrito acima JSCP o valor dos “Lucros ou Prejuízos Acumulados” a ser considerado é que estaria contabilizado as práticas antigas ainda estivessem vigentes.
E mais, com relação ao item (ii), para fins de apuração dos limites de dedução entendo que deve ser considerado 50% do Lucro Acumulado/Lucro do Período que seria registrado pelas práticas vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Dividendos
O artigo 10 da Lei 9.249/95 determina que os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996 não integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
Desde já, vale ressaltar que na exposição de motivos da referida norma, fica clara a intenção do legislador, qual seja, isentar tão somente os lucros tributados pela pessoa jurídica. Vale transcrever: “12. Com relação à tributação dos lucros e dividendos, estabelece-se a completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica, tributando-se esses rendimentos exclusivamente na empresa e isentando-os quando do recebimento pelos beneficiários. Além de simplificar os controles e inibir a evasão, esse procedimento estimula, em razão da equiparação de tratamento e das alíquotas aplicáveis, o investimento nas atividades produtivas.”
Ainda nesse ponto vale dizer que o parágrafo 4º do artigo 48 da IN 93/1997, determina que o valor distribuído aos sócios que exceder o valor do lucro está sujeito a tributação na pessoa física com base na tabela progressiva.
Como já dito acima, o lucro apurado após a inserção das novas práticas contábeis é diferente daquele que seria apurado caso as procedimentos antigos estivessem vigentes.
Com relação aos aspectos societários, é indubitável que o lucro apurado pelas novas práticas é o passível de distribuição aos sócios. Todavia, quer me parecer que há um descompasso entre o lucro distribuível e o não tributável.
Como já abordado nos primeiros parágrafos, com a vigência do RTT, o lucro tributável pelo IRPJ e pela CSLL é aquele que seria apurado caso as práticas contábeis de 31de dezembro de 2007 estivessem vigentes. Assim, resta claro que há a possibilidade de distribuição dividendos relativos a a parcela de lucro não tributada por pessoa jurídica. Tal parcela é correspondente a diferença positiva entre o lucro apurado pelas novas práticas (distribuível) e o apurado pelas antigas (base para tributação).
Ora, nesse caso, se nenhum ajuste for efetuado, a intenção do legislador (que se torna ainda mais latente na leitura do parágrafo 3º da IN 93/97) não será atendida e o beneficiário pessoa física receberá um lucro que não fora tributado na pessoa física e nem na jurídica. É claro que a simples intenção do legislador não é fundamento para constituição de qualquer crédito tributário. Todavia, o simples fato de o RTT ter como base piramidal a neutralidade tributária é
suficiente para a exigência fiscal, pois se as práticas antigas estivessem vigentes esse valor teria natureza de excesso de
dividendos, e seria tributado na pessoas física com base na tabela progressiva.
Assim, entendo que com relação aos dividendos há suas alternativas para preventivas: (i) realização de controle extracontábil e distribuição de lucro limitada ao lucro tributado ou; (ii) tributação na pessoa física com base na tabela progressiva. Já no caso em que o lucro atual foi inferior ao que seria apurado, se nenhum ajuste for realizado, o sócio/acionista sai prejudicado, porque a tributação incidiu sobre um lucro não efetivo e não distribuível.
Especificamente no que tange aos aspectos fiscais, para esses casos, a eventual solução seria distribuir valores aos sócios em contrapartida a conta de Prejuízos Acumulados. Porém, não vejo uma solução ideal para esse caso pois, em contrapartida ao registro contra “Lucros Acumulados”, a Sociedade poderia ter diversos problemas societários, tais como: o indício de descapitalização e de má administração, etc…
Assim, estamos diante de mais um dos inúmeros dilemas fiscais gerados em virtude da falta de detalhamento de procedimentos a serem realizados em decorrência da instituição do RTT, os quais, com certeza, ainda serão alvos de muitas discussões no âmbito administrativo e judiciário.
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