Comando do tribunal

"Critério de antiguidade não é eleição"

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27 de fevereiro de 2011, 9h25

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Leo Lima - Spacca - Spacca

A Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que prevê regras para quem vai ocupar a direção dos tribunais, é de 1979. De tempos em tempos, e cada vez com mais frequência, o anacronismo do entendimento que valoriza mais a antiguidade que a aptidão coloca grupos em conflito. Recentemente, o problema chegou ao Tribunal Superior do Trabalho.

No Rio Grande do Sul, a regra existe. Afinal, está na lei. Mas uma interpretação, e mais do que isso, um consenso entre os membros do tribunal, tem permitido que até mesmo quem não integra o Órgão Especial participe da eleição para a cúpula do Tribunal de Justiça.

O atual presidente do tribunal, desembargador Leo Lima, em entrevista concedida à ConJur, no lançamento do Anuário da Justiça do Rio Grande Sul, afirma que não faz sentido a lei prever uma eleição e, ao mesmo tempo, estabelecer que os mais antigos sempre devem ser os escolhidos.

"A antiguidade é respeitada e os colegas, no momento da eleição, manifestam-se quanto à participação. Se eles recusam, a antiguidade vai baixando", disse. Para ele, essa interpretação é mais coerente com o que é previsto na Constituição. Leo Lima era o 9º da lista quando foi eleito.

Outra questão abordada por ele diz respeito à demanda, cada vez mais crescente, no Judiciário. No Rio Grande do Sul, o desembargador atribui a dois aspectos: a fama do gaúcho de ser politizado e, consequentemente, lutar pelos seus direitos, e a confiança das pessoas no Judiciário. "Isso é constatado através da própria prestação jurisdicional. Em 2009, foram julgados 608 mil processos no segundo grau. No primeiro, em torno de um 1,8 milhão. Tendo em vista o número de magistrados que tínhamos em 2009, dá uma média de 4.400 processos por desembargador e de 2.900 processos por juiz", conta.

Leo Lima também falou do que considera uma incoerência. "Pela previsão, nós teríamos que aumentar o pessoal em razão do volume de serviço. Na nossa legislação estadual, também há previsão de criação de varas e comarcas considerando o movimento processual de cada lugar. Só que nós temos o limite, estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal, que é 6% da receita corrente líquida em termos de gasto com o pessoal", disse.

O presidente do TJ gaúcho rebate a noção de que os juízes do estado rebelam-se contra entendimentos já pacificados. O TJ-RS é o segundo a enviar mais recursos para o Superior Tribunal de Justiça. Questionado sobre o assunto, Leo Lima afirmou que isso não existe. "Se rebelde quer dizer juízes de posição firme, autênticos, com liberdade de expressão, autonomia na decisão, que não admite influência, que não se deixa levar por qualquer tipo de pressão, então, nós poderíamos ser considerados rebeldes." Ele garante que quando a questão já está uniformizada, o tribunal acompanha.

Leia a entrevista:

ConJur — Os Tribunais de Justiça passaram a ser muito demandados e, hoje, encontram-se em colapso ou próximos disso. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul conseguiu solucionar uma série de circunstâncias que pareciam insolúveis. Qual a fórmula?
Leo Lima —
Nós temos trabalhado muito com a nossa própria criatividade para tentar dar, por projetos próprios, a agilidade da Justiça, mais do que buscar uma solução legislativa ou de cunho mais extensivo. É uma preocupação contínua criar meios para agilizar a prestação jurisdicional. Surgiram projetos como sentença zero, que é antigo na corregedoria: o compartilhamento de jurisdições, e o mais recente, que teve uma repercussão muito grande, "Petição 10. Sentença 10". Este projeto sugere que as petições e as sentenças não passem de 10 folhas. Nós trabalhamos com processos. Depois que ele é ajuizado, temos que resolver o problema e dar conta da demanda. Hoje, as causas para esse aumento da procura do Judiciário estão começando a ser estudadas. O CNJ oportunizou, recentemente, a apresentação de estudos que fizessem um levantamento das causas, inclusive, desse demandismo do gaúcho.

ConJur — Onde foram feitos esses estudos?
Leo Lima —
Foram comparados os números de quatro estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul. O CNJ estava coordenando esse tipo de trabalho, exatamente, para estudar as causas das demandas.

ConJur — E, na sua opinião, o que explica o alto demandismo gaúcho?
Leo Lima —
De uma forma muito simplória, penso que o gaúcho, até pela fama de ser um povo politizado, tem muita consciência da sua cidadania e, por consequência, dos seus direitos. Em razão disso, ele briga pelos seus direitos. Isso é uma característica do gaúcho. E há outro dado importante: se o demandante não confiasse no Judiciário, ele não o procuraria. Acho que o grau de confiança no Judiciário também estimula a demanda. Isso é constatado através da própria prestação jurisdicional. Em 2009, foram julgados 608 mil processos no segundo grau. No primeiro, em torno de um 1,8 milhão. Tendo em vista o número de magistrados que tínhamos em 2009, dá uma média de 4.400 processos por desembargador e de 2.900 processos por juiz.

ConJur — Considerando a Lei de Responsabilidade Fiscal e a regra de referência do CNJ de quemais de 1.500 processos novos por ano (baseado em lei de 1981 para a Justiça Trabalhista) já é motivo suficiente para criar novas varas, como resolver essa sinuca de bico?
Leo Lima —
Isso é muito interessante. Gostei da lembrança desse aspecto, porque é uma constatação da incoerência do sistema. Pela previsão, nós teríamos que fazer o aumento do pessoal em razão do volume de serviço. Na nossa legislação estadual, também há previsão de criação de varas e comarcas considerando o movimento processual de cada lugar. Só que nós temos o limite, estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal, que é 6% da receita corrente líquida em termos de gasto com o pessoal. Aí estão a aberração e a incoerência. Nós precisamos de mais de mil servidores, cargos criados, mas que nós não podemos preencher, e mais de 100 juízes. Mas estamos próximos do limite da Lei de Responsabilidade. Necessitamos de mais gente e estamos impossibilitados de preencher os cargos vagos, porque a lei nos estabelece um limite para isso. Essa incoerência do sistema tem de ser resolvido, claro, no plano legislativo federal.

ConJur — Há alguma iniciativa nesse sentido?
Leo Lima —
Já se cogitou mais de uma vez em aumentar esse percentual de 6% que é o nosso limite. Mas, se aumentar o nosso percentual, vai ter que diminuir de alguém, do Legislativo, do Executivo. E aí a coisa não vai adiante.

ConJur — Porque, afinal de contas, é um que elabora a norma e o outro que sanciona.
Leo Lima —
Exatamente. Essa é a nossa preocupação. Algo tem que ser feito urgentemente. Está tramitando o novo Código de Processo Civil, que é o aperfeiçoamento do nosso instrumento de trabalho. O processo tem que ser aperfeiçoado no sentido de possibilitar a agilidade da prestação jurisdicional, tem de dar maiores condições para o juiz, especialmente o de primeiro grau, tem de valorizar as decisões dessa instância. O juiz que está na ponta, mais próximo dos fatos, e que tem melhores condições de aquilatar a solução de cada controvérsia que é apresentada ao Judiciário.

ConJur — Há o receio por parte dos advogados de que o direito de defesa seja reduzido. É fato que pelo menos 20% das decisões são reformadas, o que mostra que, tecnicamente, a primeira decisão estava errada. A redução do número de recursos oferece esse risco?
Leo Lima —
Acho que não. Hoje, existe um excesso de recursos. E esse aperfeiçoamento da legislação processual deve passar pela diminuição do número de recursos. A cada decisão interlocutória, sempre há um recurso e a possibilidade de efeito suspensivo. O juiz não consegue chegar ao final do processo em um tempo razoável como é previsto na Constituição, por mais que ele tente fazer isso. Se o juiz toma uma atitude um pouco mais drástica, força uma situação, a parte, que se sentir prejudicada, vai ao Tribunal alegar o descumprimento daqueles princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. É isso que ocorre. Daí a tendência é de anular aquela decisão do juiz, e o processo voltar atrás, para retomar sua caminhada. É com isso que a gente se preocupa muito. Penso ser totalmente desnecessários os inúmeros recursos e instâncias que o processo percorre.

ConJur — Sem entrar na questão dos recursos, há salvação?
Leo Lima —
Eu acho que tem que aperfeiçoar ainda mais a legislação processual. Claro que a parte prejudicada sempre vai reclamar, dizer que seu direito está sendo vilipendiado. Mas nós temos que encontrar uma saída para resolver esse volume que aumenta geometricamente a cada ano.

ConJur — Sim. E nós sabemos que, no momento que esses problemas principais forem resolvidos, vamos ter o tsunami da demanda represada…
Leo Lima —
Exatamente. É claro que outro caminho é o processo eletrônico. Esse é um projeto do início desta administração. Nós aguardamos um certo tempo em razão de uma tentativa do CNJ de uniformizar o processo eletrônico. Chegamos à conclusão de que, se até agora não foi definido nada, nós temos que fazer alguma coisa. Nem que seja para auxiliar no sentido de que a partir do que nós fizermos, será mais uma colaboração com o CNJ para um sistema que seja o mais viável possível.

ConJur — Existe uma recomendação para não comprarmos sapato quando o pé está inchado. Nós estamos vivendo um pico de um acúmulo de demanda preocupante. Se essas fórmulas funcionarem, inclusive, com o Código de Processo Civil, não vai haver um conflito, o de ter gente demais para um número de processos que já não existirá?
Leo Lima —
Essa é uma preocupação para o futuro. E por isso mesmo que nós resolvemos agora, de forma adiantada, nos dedicar, como um dos projetos prioritários, ao processo eletrônico. A incoerência do sistema sobre a qual eu falei poderá se alterar em razão do processo eletrônico. Em vez de haver um aumento de pessoal, fazemos uma melhor distribuição dos juízes e servidores. É mais uma tentativa.

ConJur — Hoje, há uma preocupação excessiva com a questão da celeridade. Mais que com a qualidade. A solução da crise de volume trará um aperfeiçoamento na questão dos conflitos mais complexos da sociedade?
Leo Lima — A preocupação é no sentido de que todas essas alternativas sejam somadas. Se, eventualmente, houver a diminuição do volume de trabalho de juízes e servidores pelas facilidades técnicas no campo da informática, mais tempo haverá para examinar essas questões mais complexas. Do jeito que está, não há a mínima condição. Se o juiz não se dedicar em um ritmo alucinado, ele não vai chegar a lugar nenhum. E a sociedade vai continuar cobrando. Existe a morosidade, mas ela não se deve ao Judiciário. Nosso tribunal não é moroso. Pelo contrário, os juízes e servidores, pela produtividade que têm apresentado, são operosos, dedicados e conseguem, apesar de tudo, fazer um prestação jurisdicional de boa qualidade. Claro que o trabalho de maior erudição, de mais profundidade, será sacrificado pelo volume de serviço.

ConJur — Algo que afeta todos os aspectos que examinamos é a qualidade administrativa, a gestão. Os tribunais estão enfrentando problemas com a formação da administração. Em São Paulo, houve o infausto da morte do presidente, uma semana antes havia aposentado o vice-presidente e, na semana seguinte, aposentou-se o corregedor. No TST, também há o questionamento a respeito da escolha da nova administração. O Rio Grande do Sul tem alguma proposta?
Leo Lima —
Nós entendemos que não é compatível haver a previsão de uma eleição e, ao mesmo tempo, estabelecer que os mais antigos sempre devem ser os escolhidos. A existência da eleição até perderia a razão de ser. Como nós temos um espírito eminentemente democrático, nós vamos para as eleições com colegas disputando os cargos independentemente da sua posição na lista de antiguidade.

ConJur — Não são os cinco mais antigos por vaga?
Leo Lima —
Não. Nós não seguimos isso. Seria uma orientação respeitável, mas nós não a seguimos. Nós fizemos uma eleição com colegas que estão mais abaixo.

ConJur — Todos os integrantes do Órgão Especial são elegíveis.
Leo Lima —
Sim. Mas alguns, que participaram das eleições, nem integravam o Órgão Especial. Nós até aceitamos a interpretação no sentido da Loman. A antiguidade é respeitada e os colegas, no momento da eleição, manifestam-se quanto à participação. Se eles se recusam, a antiguidade vai baixando. A antiguidade é auferida com aqueles que estão disputando. É esse o raciocínio que nós fazemos até por coerência com o que é previsto na Constituição. E há outra questão. Se a Constituição prevê a eleição de metade do Órgão Especial, e o desembargador que entrou, hoje, pode concorrer, não há restrição alguma.

ConJur — Em São Paulo, serão eleitos desembargadores que vão se aposentar em seguida.
Leo Lima —
É outra razão. Dentro do raciocínio jurídico é razoável? Não me parece que seja. Eu tenho que ser o escolhido, passando por cima da existência de eleição? Não seria nem eleição, seria uma indicação. Suponhamos que já estou quase na compulsória. Vou ficar três, quatro meses, sendo que o tribunal terá de fazer uma eleição em seguida? Não tem sentido.

ConJur — Há sempre uma polêmica quando o assunto é o que o ministro Gilmar Mendes chama de irredentismo. O juiz gaúcho é resistente em relação às decisões adotadas nos tribunais. Isso é fato? Se for, como explicar?
Leo Lima —
Isso não é fato. Não existe. É uma forma de ver a atuação do julgador gaúcho, que, por suas características de posições firmes a respeito de qualquer matéria, trabalha sempre em cima do que é a base da atividade do juiz: sua independência. A partir do momento em que o juiz não tiver independência, perde a razão de ser juiz. Quando as últimas alterações legislativas, inclusive constitucionais, levam para uma uniformização de jurisprudência, e surge súmula vinculante e outras coisas, o juiz gaúcho aceita. A partir do momento em que há a uniformização, não há mais divergência. De resto, tem se seguido a orientação do STJ, do Supremo, de forma bem consistente. Eu já ouvi e, com a mais respeitosa vênia, não concordo, que o Judiciário gaúcho é rebelde. Se rebelde quer dizer juízes de posição firme, autênticos, com liberdade de expressão, autonomia na decisão, que não admite influência, que não se deixa levar por qualquer tipo de pressão, então, nós poderíamos ser considerados rebeldes.

ConJur — Em São Paulo, houve um momento em que o tempo para um recurso chegar às mãos do desembargador era de 5 a 6 anos. Nesse período, descobriu-se que as empresas começaram a migrar suas disputas para o Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, além do caso do DPVAT em que até jurisdicionados da Bahia começaram a vir em busca não só de segurança jurídica, mas de velocidade, houve mais casos de "importação de conflitos"?
Leo Lima —
São dois aspectos. Um é a distribuição. Nós nunca represamos. O que entra é distribuído direto para o relator. Às vezes, pode haver algum acúmulo sazonal, algo muito esporádico. Quanto à migração, havia uma preocupação muito grande com processos ajuizados por pessoas de outros estados em ação de DPVAT. Claro que uma das razões para que se viesse buscar a prestação no estado é a orientação predominante favorável. As Câmaras viam como cunho social da lei, para dar um amparo a essas pessoas que necessitavam utilizar o seguro.

ConJur — E acabou prevalecendo nacionalmente.
Leo Lima —
Exatamente. Isso chamou a atenção dessas pessoas. A questão é: como vamos proibir que a pessoa ingresse com uma ação aqui? O fato de ela residir em outro estado não quer dizer que tenha que acionar o Judiciário de lá. A não ser que eu faça uma interpretação sobre a questão de competência forçada para que ela tenha que explicar o motivo pelo qual não ajuizou a ação em seu estado. Em cima do livre acesso ao Judiciário, nós não poderíamos impedir que eles entrassem com a ação aqui.

ConJur — É matéria constitucional, não local.
Leo Lima —
Exatamente.

ConJur — Em 2009, o orçamento previsto para o Judiciário gaúcho era de R$ 1,8 bilhão. Este ano, são R$ 2 bilhões. É pouco?
Leo Lima —
É pouco. Isso não dá. Outra dificuldade que nós estamos tentando superar é que nós, juízes, não fomos preparados para administrar. A nossa formação é para julgar. Hoje, a própria escola da Ajuris [Escola Superior da Magistratura] está fazendo cursos para possibilitar o aperfeiçoamento da área da administração pública.

ConJur — No Rio de Janeiro, o tribunal tem um reforço no caixa das custas judiciais. No Rio Grande do Sul, vocês ainda não têm?
Leo Lima —
Não. O que há é o gerenciamento dos depósitos judiciais. O que nós temos é R$ 140 milhões. Esse valor — é importante que se diga — serviu para a construção de Fórum, informática e pagamento de advogado em comarcas onde não há defensor público.

ConJur — Mas isso não é incumbência do Executivo?
Leo Lima —
Exatamente. A declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo da lei estadual que tratava do gerenciamento desse recurso criou um problema seríssimo, fomos afetados em todos esses setores. Nós tivemos que fazer um reexame até das construções de fóruns.

ConJur — E a lei está suspensa?
Leo Lima —
Não. Nós entramos com Embargos de Declaração, com efeito suspensivo, pedindo que haja uma reversão da decisão. É muito difícil o Supremo voltar atrás, ou pelo menos nos conceder um prazo. O Supremo entendeu que seria necessária uma lei federal e não estadual. Nós conseguimos encaminhar um projeto de lei ao Congresso. Desde 2003, quando surgiu a lei estadual, nós deixamos de pegar um tostão sequer do caixa único do Executivo para efeito de investimento.

ConJur — Não pegaram mais nada?
Leo Lima —
Nada.

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