Documentos sob sigilo

Juiz revoga proibição de notícia sobre processo

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26 de fevereiro de 2011, 11h01

Nessa sexta-feira (25/2), o juiz Antonio Carlos Almeida Campelo, da 4ª Vara Federal de Belém, revogou, parcialmente, a proibição do Jornal Pessoal, do jornalista Lúcio Flávio Pinto, de divulgar informações sobre um processo contra dois dos proprietários do grupo Liberal, Rômulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, e dois diretores da empresa. O juiz havia determinado que qualquer notícia sobre o processo causaria a prisão em flagrante do jornalista, a responsabilidade criminal por quebra de sigilo e multa de R$ 200.

Com a nova decisão, o sigilo foi mantido somente quanto aos documentos bancários e fiscais constantes dos autos. O primeiro despacho, em que foi proibida a publicação, foi dado nessa terça-feira (22/2) e se baseou na decretação de sigilo do processo e em uma notícia publicada na última edição quinzenal do jornal.

Na matéria, o jornalista afirmou que o empresário Romulo Maiorana Júnior faltou três vezes seguidas a uma audiência do processo. As duas primeiras haviam sido adiadas a pedido dele, por se encontrar fora da cidade, na terceira, os demais réus compareceram. Nela, segundo a reportagem, Ronaldo confirmou a denúncia feita pelo Ministério Público Federal de crime contra o sistema financeiro nacional através de fraude para a obtenção de recursos dos incentivos fiscais da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), que somaram R$ 3,3 milhões até 1999.

Ronaldo se defendeu alegando que não sabia que a conduta era ilícita, e que uma vez descoberta a fraude, o dinheiro da Sudam foi devolvido e o projeto passou a ser implantado apenas com recursos próprios.

Na reportagem, o jornal disse que as perguntas feitas na audiência pelo juiz a Ronaldo Maiorana foram genéricas e não se relacionavam diretamente com os fatos imputados, e que “o tom da audiência foi tão cordial que no início da sessão o magistrado perguntou ao réu se poderia chamá-lo de doutor. Ao final, se levantou para cumprimentá-lo e aos seus advogados”.

Ao final da matéria, Pinto sugeriu que o retardamento do processo, recebido pelo juiz em agosto de 2008, após oito anos de apuração, faria com que o crime prescrevesse e seus autores permanecessem impunes.

Segundo o repórter, “o juiz decidiu que o depoimento dos réus deveria ser protegido como segredo de Justiça, ainda que a origem do processo seja uma ação penal pública contra pessoas que fraudaram as normas legais para se apossar de dinheiro público, os incentivos fiscais repassados pela Sudam. Todas as provas foram produzidas pela Receita Federal entre 2000 e 2002. Nenhum dos documentos, bancários e fiscais, foi obtido através de quebra de sigilo”.

Leia a íntegra das decisões e da matéria do Jornal Pessoal.

Decisão de 22 de fevereiro de 2011:

“Tendo em vista a notícia publicada no Jornal Pessoal (Fevereiro de 2011, 1ª Quinzena, pág. 5) e a decisão de fls. 1961 dos autos, na qual decretou o sigilo do procedimento deste feito, oficie-se ao editor do referido jornal com a informação de que o processo corre sob sigilo e qualquer notícia publicada a esse respeito ensejará a prisão em flagrante, responsabilidade criminal por quebra de sigilo de processo e multa que estipulo, desde já, em R$ 200,00 (duzentos mil reais).

O ofício deve ser entregue em mãos com cópia deste despacho.

Intimem-se. Vista ao MPF”.

Decisão de 25 de fevereiro de 2011:

"Chamo o feito à ordem.

Considerando que os atos judiciais, em regra, devem ser públicos e ainda que deve ser respeitado o direito à informação, REVOGO, em parte, a decisão de fl. 1.961, de 02/02/11, pelo qual determinou que o processo em epígrafe corresse sob sigilo de justiça, para MANTER o sigilo tão-somente quanto aos documentos bancários e fiscais constantes dos autos.

Por conseqüência, REVOGO o despacho de fl. 1.970, de 22/02/11, que proibiu publicação de notícia a respeito do processo, com a ressalva do parágrafo anterior.

Aguar-se a continuidade da audiência de instrução e julgamento designada para o dia 17/05/11, às 14h30. Intime-se o réu Rômulo Maiorana Júnior pessoalmente por mandado com urgência.

Publique-se na íntegra. Intimem-se. Oficiem-se com cópia deste despacho aos principais periódicos desta Capital.

Cumpra-se com diligência.

Belém/PA, 25 de fevereiro de 2011.

ANTONIO CARLOS ALMEIDA CAMPELO

Juiz Federal Titular da 4.ª Vara/PA

A matéria do Jornal Pessoal:

"Ronaldo confessa.

“Rominho” viaja

Pela terceira vez seguida o empresário Romulo Maiorana Júnior faltou a uma audiência do processo a que responde por crimes contra o sistema financeiro nacional, perante a 4ª vara cível da justiça federal, em Belém. As duas primeiras audiências de instrução foram adiadas a pedido dele, por se encontrar ausente de Belém. No dia 1º, data marcada com quase cinco meses de antecedência para ouvi-lo, o principal executivo do grupo Liberal estava em Miami, nos Estados Unidos, onde tem residência, adquirida recentemente. Só voltou a Belém na madrugada do dia 6, depois de quase um mês em férias.

Seu irmão, Ronaldo Maiorana, diretor editor-corporativo do principal jornal do grupo de comunicação, foi à audiência, junto com Fernando Nascimento, diretor da TV Liberal, e João Pojucam de Moraes, diretor industrial de O Liberal. Todos estão indiciados no mesmo processo por crime previsto no artigo 19 da lei 7.492, de 1986 (mais conhecida como lei do “colarinho branco”):Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira”.

A pena prevista é de reclusão, por 2 a 6 anos, e multa. A pena poderá ser aumentada de um terço “se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento”, como é o caso. O que significa que a pena máxima irá a oito anos de reclusão

Condenado por me agredir fisicamente, em 2005, Ronaldo Maiorana só voltou a ser réu primário no ano passado, quando decorreu o prazo de cinco anos de suspensão da execução da sentença, por acordo que fez com o Ministério Público do Estado, substituindo a aplicação da pena pela doação de cestas básicas a instituições de caridade.

Ronaldo confirmou a denúncia feita pelo Ministério Público Federal, de que ele e o irmão mais famoso fraudaram o capital próprio da Tropical Indústria Alimentícia (nome original da atual Fly, que já foi Bis) para receber dinheiro dos incentivos fiscais da Sudam, o mesmo crime que atribuem ao ex-deputado federal Jader Barbalho, por ter indicado dirigentes da Sudam acusados de desvio de dinheiro público, do qual tirou proveito.

Com o dinheiro público, os Maioranas implantaram uma fábrica de sucos regionais (que se transformou em refrigerantes artificiais do tipo pet) no distrito industrial de Icoaraci. A Sudam liberou 3,3 milhões até 1999, quando começou a investigação da fraude. O processo já dura mais de uma década.

A fraude era simples: os dois irmãos sócios depositavam um valor referente à contrapartida de recursos próprios num dia e o sacavam no dia seguinte, quando a Sudam autorizava a liberação, pelo Banco da Amazônia, da colaboração financeira da União, através de renúncia fiscal. Ronaldo se defendeu alegando que não sabia que essa é uma conduta ilícita. Sua defesa argumentou que, uma vez descoberta a fraude, o dinheiro da Sudam foi devolvido e o projeto implantado a partir daí apenas com recursos próprios.

A ressalva, porém, não atenua a confissão de culpa: a doutrina e a jurisprudência dos tribunais brasileiros são pacíficas, ao caracterizar esse tipo de procedimento como delito formal. Para que ele se consume, basta que seja utilizado um meio fraudulento para acessar recursos públicos, independentemente de haver ressarcimento posterior. A correção do ilícito não elide a culpa. Logo, Ronaldo Maiorana é réu confesso desse crime. O empresário chegou a chorar ao ser questionado pelo representante do MPF no interrogatório.

Esse foi o momento de maior pressão sobre ele. As perguntas feitas pelo juiz Antônio Carlos de Almeida Campelo foram genéricas e não se relacionavam diretamente com os fatos imputados. Ele se interessou por questões como saber quantos empregos o empreendimento gera e se o réu possui outras empresas.

O tom da audiência foi tão cordial que no início da sessão o magistrado perguntou ao réu se poderia chamá-lo de doutor. Ao final, se levantou para cumprimentá-lo e aos seus advogados. Essa afabilidade contrastou com os termos do despacho do juiz em 23 de setembro do ano passado, quando, designando nova data para a audiência, ele escreveu que a instrução do processo “vem sendo postergada por razões diversas. A pedido dos réus”.

O retardamento tem um objetivo claro: protelar o andamento do processo, recebido pelo juiz em agosto de 2008, a partir de denúncia do Ministério Público Federal, depois de oito anos de apuração, para que o crime prescreva e seus autores permaneçam impunes. É o que a justiça precisa evitar que aconteça. Este é o seu papel, não o contrário".

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