Caso Battisti

"Meu pai não é um monstro", diz filha de Battisti

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24 de fevereiro de 2011, 12h13

Arquivo Pessoal
Battisti - Aniversário com as duas filhas - Paris/2004 - Arquivo Pessoal

Valentine Battisti tinha 20 anos quando seu pai, o ex-militante da esquerda italiana Cesare Battisti, fugiu para o Brasil para escapar de ser extraditado da França para a Itália, onde foi condenado à prisão perpétua sob a acusação de cometer quatro homicídios entre os anos de 1977 e 1979. Desde então, esteve com ele poucas vezes: duas delas no presídio da Papuda, em Brasília, onde Battisti está preso há quatro anos à espera de ser libertado ou mandado para um presídio italiano.

Hoje, com 26 anos, às vésperas de o Supremo Tribunal Federal decidir o destino do italiano, Valentine diz que, nos últimos sete anos, teve "tantas surpresas ruins, desilusões e reviravoltas incríveis", que não ousa pensar no resultado do julgamento.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, feita por e-mail, a jovem que mora em Paris afirma que, apesar de todos os anos de discussão e das centenas de manchetes de jornais sobre as ações de seu pai, tem dificuldades para compreender a repercussão do caso: "Quando eu vejo o seu nome na primeira página dos jornais ou quando eu ouço falar dele pela televisão, tenho muita dificuldade de perceber que se trata do meu pai".

Enquanto estuda biologia molecular e genética para ser pesquisadora, Valentine acompanha com frequência as notícias sobre o caso Battisti pelo Google e nutre a esperança de que a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que concedeu refúgio ao italiano, seja confirmada.

O relator do processo de extradição no STF, ministro Gilmar Mendes, já disse que o caso deve ser levado à análise do plenário da Corte em breve. O ex-presidente Lula concedeu refúgio a Battisti no último dia de seu governo, apoiado em parecer da Advocacia-Geral da União.

A defesa do italiano entrou, então, com pedido de liberdade. O governo da Itália contestou a concessão do refúgio. O Supremo decidirá se a decisão de Lula respeitou os limites impostos pelo tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália.

Leia a entrevista:

ConJur — Faz quase quatro anos que seu pai está preso no Brasil. Quantas vezes vocês se viram neste período?
Valentine Battisti — Minha mãe e minha irmã menor foram visitá-lo assim que ele foi preso. Na primeira prisão em que ele ficou, era muito difícil de vê-lo sem o vidro, mas eles puderam estar juntos por alguns minutos. A ideia de não poder me aproximar dele era muito dolorosa para mim, então fui vê-lo duas vezes quando ele foi transferido para Papuda, onde eu podia estar realmente com ele e abraçá-lo. Infelizmente, Brasília é muito distante de Paris e a viagem é cara, por isso não posso ir vê-lo com a frequência que gostaria. Esses encontros são emocionantes, felizes, mas também trazem muito sofrimento para nós dois.

ConJur — Você costuma ler as notícias publicadas sobre seu pai?
Valentine — Sim, todos os dias eu consulto o Google brasileiro, francês e italiano. Eu não falo português, mas tento compreender o essencial. Os ataques contra ele me dão muita pena. Ele é frequentemente descrito como um monstro por pessoas que não o conhecem. Para mim e para toda a nossa família é uma situação muito chocante. Mas outras notícias são melhores e vejo que há muitas pessoas o apoiando no Brasil, na França e mesmo na Itália.

ConJur — Alguns órgãos de imprensa italianos chegaram a defender o sequestro do seu pai caso o Brasil mantenha a decisão de dar refúgio a ele. Como a imprensa francesa trata do caso?
Valentine — A imprensa francesa não noticiou essas ameaças recentes. Por outro lado, houve vários artigos quando, em 2005, a operação Porco Rosso foi descoberta, que objetivava sequestrar meu pai em Paris antes do término dos recursos judiciais.

ConJur — Você já teve contato ou foi procurada por algum familiar das vítimas dos assassinatos que são atribuídos pela Justiça italiana ao seu pai?
Valentine — Não, nunca. Mas eu adoraria de verdade ter a oportunidade de lhes dizer que, a despeito de todo o seu sofrimento, que entendo, não foi meu pai o responsável pelos seus infortúnios. Ele não é capaz disso. Eu sonho que um dia a Justiça reconheça afinal a sua inocência.

ConJur — Você ou sua família já sofreram alguma espécie de constrangimento por serem parentes de Cesare Battisti?
Valentine — Na França, não. Ao contrário, as pessoas têm muita compaixão e nos apoiam bastante. Por outro lado, a situação é muito dura para a minha família na Itália, para os irmãos e irmãs do meu pai, para todos que carregam o nome Battisti. Eles são excluídos pelos outros, pelos vizinhos que antes eram seus amigos. Uma vez, muitas pessoas da minha família italiana que vinham nos visitar em Paris foram isoladas no avião, excluídas, como se fossem perigosas. Minha mãe se preocupa muito quando eu e minha irmã vamos para a Itália. Ela sempre tem medo que pessoas mal intencionadas nos hostilizem. Eu também confesso que tenho medo. Por esta razão eu não revelo nunca a minha identidade quando estou na Itália.

ConJur — Como você sente o fato de a discussão sobre a extradição de seu pai estar quase se transformando em uma crise diplomática entre Brasil e Itália?
Valentine — Desde o começo, na França, em 2004, depois que todo o mal se iniciou, eu e minha família ficamos aterrorizadas que as coisas tenham tomado proporções tão grandes, desproporcionais. Nossa família era modesta, discreta, desconhecida. E, de repente, papai se transformou num símbolo e seu "caso" chegou até mobilizar os governos de diversos países. Essa discrepância total entre as pessoas que somos, meu pai e nós, e a imagem que é feita dele continua, ainda hoje, a nos parecer incrível, inexplicável. Quando eu vejo o seu nome na primeira página dos jornais ou quando eu ouço falar dele pela televisão, tenho muita dificuldade de perceber que se trata do meu pai.

ConJur — Você já conversou com seu pai sobre a atuação dele no movimento Proletários Armados pelo Comunismo, o PAC? O que ele te contou?
Valentine — Sim, ele me contou tudo quando tive idade de compreender. Eu sabia que ele tinha participado da revolta na Itália e que, por isso, ele estava no México, onde nasci, e depois foi para a França. Quando falava desse período, ele me explicava que era muito jovem, idealista demais e que estava imbuído de uma vontade real de mudança, como milhares de jovens na Itália. Por outro lado, posso assegurar que, com base nos seus relatos, estava claro que ele nunca teve um papel importante no grupo do PAC, que ele não era um chefe ou um líder como ele é apresentado hoje.

ConJur — O Supremo Tribunal Federal brasileiro deve julgar em breve se a decisão do ex-presidente Lula, de negar a extradição, foi tomada dentro dos limites do tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália. Qual sua expectativa em relação ao julgamento?
Valentine — Nesses últimos sete anos tivemos tantas surpresas ruins, desilusões e reviravoltas incríveis que eu quase não ouso pensar no caso. Mas como o STF, ele próprio, conferiu a última palavra ao presidente Lula, tenho grande esperança que a sua decisão seja confirmada.

ConJur — Você pretende vir ao Brasil para assistir ao julgamento?
Valentine — A data do julgamento é de difícil previsão. Mas eu irei ao Brasil assim que ele for libertado.

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