União homoafetiva

Julgamento é interrompido com 4 votos favoráveis

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23 de fevereiro de 2011, 19h06

O ministro Raul Araújo Filho interrompeu o julgamento que analisa a possibilidade de reconhecimento de união estável homoafetiva, iniciado nesta quarta-feira (23/2) pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao pedir vista do recurso. Quatro ministros já votaram a favor da união de homossexuais e dois contra. O processo foi submetido à Seção diante da relevância do tema, por decisão dos ministros da 3ª Turma. Quatro ministros ainda precisam votar para a conclusão do julgamento, entre eles, o presidente da Seção, que só vota em caso de empate. Não há data prevista para que o julgamento seja retomado.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, votou pela possibilidade de reconhecimento da união estável homossexual. Ela alegou que a união de pessoas de mesmo sexo se baseia nos mesmos princípios sociais e afetivos das relações heterossexuais, dessa forma, negar tutela jurídica à família constituída com base nesses mesmos fundamentos seria uma violação da dignidade da pessoa humana. O posicionamento foi seguido pelos ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Aldir Passarinho Junior.

A relatora destacou que as famílias pós-modernas adotam diversas formas, além da tradicional, fundada no casamento e formada pelos genitores e prole, ou da monoparental, inclusive a união entre parceiros de sexo diverso que optam por não ter filhos. "Todas elas, caracterizadas pela ligação afetiva entre seus componentes, fazem jus ao status de família, como entidade a receber a devida proteção do Estado. Todavia, acaso a modalidade seja composta por duas pessoas do mesmo sexo, instala-se a celeuma jurídica, sustentada pela heteronormatividade dominante."

Nancy Andrighi afirmou ainda que a ausência de previsão legal não pode ser pretexto para decisões omissas, "calcadas em raciocínios preconceituosos". "A negação aos casais homossexuais dos efeitos inerentes ao reconhecimento da união estável impossibilita a realização de dois dos objetivos fundamentais de nossa ordem jurídica, que é a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Segundo ela, o STJ admite a aplicação de analogia para estender direitos não previstos aos parceiros homoafetivos. Mas para que a união de pessoas do mesmo sexo seja reconhecida devem estar presentes afetividade, estabilidade e ostensividade, mesmos requisitos das relações heterossexuais. "Negar proteção a tais relações deixaria desprotegidos também os filhos adotivos ou obtidos por meio de reprodução assistida oriundos dessas relações", destacou a ministra.

Ao acompanhar a relatora, o ministro João Otávio de Noronha afirmou que não há proibição expressa às relações familiares homossexuais, o que garante sua proteção jurídica. Para o ministro, a previsão constitucional de família como união entre "um homem e uma mulher" é uma proteção adicional, não uma vedação a outras formas de vínculo afetivo.

Ele destacou ainda que não importa a causa — social, psicológica ou biológica, por exemplo — do afeto homossexual. "Ele é uma realidade: as pessoas não querem ser sós. O vínculo familiar homoafetivo não é ilícito, então qual o modelo que deve ser adotado para regular direitos dele decorrentes? A união estável é a melhor solução, diante da omissão legislativa", concluiu.

Divergência
O ministro Sidnei Beneti e o desembargador convocado Vasco Della Giustina divergiram da relatora, ao afirmaram a impossibilidade de uma interpretação infraconstitucional ir contra dispositivo expresso da Constituição. Com isso, a discussão sobre o tema ficaria a cargo do Legislativo e do Supremo Tribunal Federal.

Eles entendem que a união homoafetiva só poderia gerar efeitos sob as regras da sociedade de fato, que exige a demonstração de esforço proporcional para a partilha do patrimônio. Tal posicionamento é o que vem sendo adotado pelo STJ desde 1998, e poderá ser revisto caso a maioria dos ministros acompanhe a relatora.

O caso
O caso trata do fim de um relacionamento homossexual de mais de dez anos. Um dos parceiros recorreu à Justiça, alegando ter direito a parte do patrimônio construído durante a relação, mesmo com os bens registrados em nome do ex-companheiro. Ele alegou que, enquanto desempenhava atividades domésticas, seu parceiro mantinha atuação profissional.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a união estável e determinou a partilha dos bens, segundo as regras do Direito de Família. "A união homoafetiva é fato social que se perpetua no tempo, não se podendo admitir a exclusão do abrigamento legal, impondo prevalecer a relação de afeto exteriorizada ao efeito de efetiva constituição de família, sob pena de afronta ao direito pessoal individual à vida, com violação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana", afirmou a decisão.

O parceiro que foi obrigado a dividir seus bens recorreu ao STJ. Para ele, a decisão do TJ-RS viola artigos dos Códigos Civis de 1916 e 2002, além da Lei 9.278/1996. Os dispositivos se referem à união estável como união entre um homem e uma mulher, ou às regras da sociedade de fato. Em seu recurso, pede que seja declarada a incompetência da Vara de Família para o caso e para que apenas os bens adquiridos na constância da união sejam partilhados, conforme demonstrada a contribuição efetiva de cada parceiro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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