Livro Aberto

Os livros da vida do criminalista Antonio Pitombo

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23 de fevereiro de 2011, 11h33

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Para o criminalista Antonio Sérgio de Moraes Pitombo, não são as pessoas que procuram os livros, mas os livros que procuram as pessoas. Assíduo frequentador de sebos do centro de São Paulo, ele costuma ser achado por títulos diversos quando namora sem pressa as estantes. "Às vezes, compro um livro num sebo sem qualquer pretensão ou um interesse imediato. Depois de três meses, aquilo passa a ser essencial por alguma razão."

Sua relação com os livros, e com os sebos, começou desde pequeno, na biblioteca de literatura brasileira da família, iniciada por seu bisavô. Ao passar de pai para filho, esse espólio foi crescendo, até que Pitombo o herdou de seu pai, o processualista penal Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, que morreu em março de 2003. Mesmo com a biblioteca, o criminalista não abre mão de ir aos sebos, os quais visita pelo menos a cada 15 dias. Percorrer os corredores cheios de livros antigos, muitas vezes organizados em prateleiras desalinhadas e abarrotadas, é como desbravar novos mundos. "Essa busca é muito interessante, pois você acaba aprendendo outras coisas fora de sua área, ou mesmo descobrindo autores que você nunca ouviu falar."

Foi nos sebos que Pitombo pode pesquisar títulos da literatura jurídica do império, material importante para o livro que está escrevendo no momento. "No Brasil, infelizmente, ninguém dá muita bola para a literatura jurídica do império, porém, há autores muito interessantes. Para quem gosta e trabalha com Direito Penal, é importante conhecer o pensamento desses autores."

O criminalista cita o jurista brasileiro Dias de Toledo e o jurisconsulto português Silva Ferrão, mas destaca os títulos Primeiras linhas sobre o processo criminal de primeira instância e Classes dos Crimes, de Joaquim Caetano Pereira de Sousa. "Nós tínhamos autores muito criativos, que não eram tão vinculados ao pensamento estrangeiro. Existia uma preocupação com o Direito nacional. Isso é muito importante para entender alguns institutos nossos."

Compreensão humana
A sua relação com os livros não é limitada ao mundo do Direito. Pitombo avalia que há obras e autores essenciais, não necessariamente jurídicos, para que o advogado consiga convencer por meio da argumentação, como os sermões de Padre Antonio Vieira, importante defensor dos direitos humanos dos povos indígenas, no século XVII, e Nova Floresta, do padre Manuel Bernardes. Pitombo também costuma iniciar suas petições com frases de autores como Camões e Fernando Pessoa que ilustram o caso e chamam a atenção do juiz.

"Lembro-me de um estudo sobre organização criminosa que fiz. Abordei a construção da ideia de mito e a questão da Comissão dos Estados Unidos, nos anos 60, mitificar completamente a máfia italiana. Na época, me veio à frase de Fernando Pessoa: ‘O mito é o nada que é tudo’. São trechos de grandes autores que dizem muita coisa."

O que não quer dizer, segundo Pitombo, que o Direito Penal tenha de apelar apenas para a emoção. "Não sou um criminalista romântico, que considera que as petições têm de ser predominantemente emotivas. Sou um técnico", deixa claro. Segundo ele, hoje em dia os processos estão mais complicados, o que demanda conhecimento técnico. "É preciso contra-argumentar, tratar da tipicidade, tratar da teoria do injusto, da questão do bem jurídico de uma forma técnica. Levar essa profissão apenas com o discurso improvisado, genérico, acabou. É preciso estudar."

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A vida como ela é - Nelson Rodrigues - Divulgação

Um dos estudos necessários para os advogados, segundo o criminalista, é o da compreensão da natureza humana. Nesse sentido, ele destaca o jornalista e cronista Nelson Rodrigues. Se para muitos ele era tido como um tarado, para Pitombo, o autor, por meio de sua obra realista, faz uma crítica da sociedade e das suas instituições.

"O que eu acho mais interessante em Nelson Rodrigues é a sua capacidade de compreender a natureza do homem do jeito que ela é. O advogado não pode ser um cândido, ele não está aqui para julgar, mas para entender e compreender as pessoas."


Livro da infância

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Fábulas de La Fontaine - La Fontaine - Divulgação

Por ter se envolvido no mundo dos livros desde pequeno, Pitombo não se lembra de seu primeiro livro. Porém, guarda recordações importantes da leitura que fez de As Fábulas de La Fontaine, aquele que foi presente do pai, comprado em um sebo. O escritor francês resgatou fábulas do grego Esopo, mas também criou suas próprias, dentre elas "A cigarra e a formiga" e "A raposa e as uvas". "Quando você é novo, costuma ler livros recém-editados. Foi por isso que gostei tanto daquele livro, pois foi o primeiro livro proveniente de sebo que eu li, dado por meu pai."

Essa relação com os sebos foi fortalecida durante a juventude, principalmente na época da faculdade, quando cursou Direito na Universidade de São Paulo. "A faculdade foi uma decepção, na medida em que não havia cobrança por parte dos professores. Precisei encontrar outro caminho." Em algumas disciplinas, Pitombo trocava o horário das aulas pelas idas aos sebos, atrás de títulos que, hoje, considera fundamentais para a formação de seu próprio pensamento, muitos deles indicados por nomes importantes do Direito, como Fábio Konder Comparato, um "sujeito que te ensina a pensar", segundo Pitombo.

"Ele tem frases únicas, como ‘o bom advogado não é aquele que sabe responder, mas aquele que sabe fazer perguntas’." Foi por meio de Comparato que Pitombo conheceu outra personalidade jurídica, o italiano Tullio Ascarelli. Da área penal, destaca como mestres Miguel Reale Júnior, Ricardo Antunes Andreucci, além de seu pai. "Meu pai era um professor que tratava o ensino como um profissional. O curso dele tinha começo meio e fim e quem não estudava, não passava."


Literatura

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Caso Dreyfus: Ilha do Diabo, Guantánamo e o Pesadelo da História - Louis Begley - Divulgação

A vantagem dos títulos literários é que eles permitem ao leitor compreender sua própria realidade por meio da história documentada nos livros. Um bom exemplo disso, segundo Pitombo, é O Caso Dreyfus: Ilha do Diabo, Guantánamo e o Pesadelo da História, do escritor americano Louis Begley. O título faz um paralelo entre o antissemitismo do caso Dreyfus — em que um oficial francês de origem judaica foi condenado por espionagem — e o tratamento dado pelo governo dos Estados Unidos aos prisioneiros de Guantánamo, em Cuba. "Se você não tem o mínimo de conhecimento sobre a História, não entende o que está acontecendo hoje. Podemos traçar paralelos muito interessantes do Brasil que se repetem."

Nesse sentido, Pitombo também cita Mauá, Empresário do Império, biografia de Irineu Evangelista de Sousa, barão e visconde de Mauá, escrita pelo jornalista e amigo Jorge Caldeira. "O título mostra todo o esforço do império em perseguir o Mauá, enquanto ele tinha crédito e era respeitado fora do país. É algo que não é difícil de ver ainda hoje."

É indiscutível a importância das artes na vida de Pitombo. Em seu escritório, em São Paulo, há quadros e gravuras nas paredes, bustos e esculturas por todos os cômodos e muitas estantes com diversos tipos de livros. "Minha vida é assim, em todos os lugares tem um pouco de tudo, mas a gente sempre tem os preferidos." A literatura argentina de Jorge Luís Borges é uma das que mais aprecia, tanto que uma de suas últimas aquisições foi Atlas, o último livro publicado pelo argentino. A obra, ilustrada com fotos de María Kodama, que acompanhou Borges na época, mostra os lugares pelos quais o autor passou e conta histórias baseadas em mitos mundiais. Já entre os brasileiros, Pitombo destaca Machado de Assis e Guimarães Rosa.


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Teoria Geral dos Títulos de Crédito - Tullio Ascarelli - Divulgação

Livro jurídico
Para Pitombo, bons livros jurídicos são aqueles bem objetivos, rígidos em relação à pesquisa e com a capacidade de apresentar uma estrutura narrativa simples, que facilite a compreensão, principalmente quando se trata de um assunto difícil.

Nessa linha, destaca Teoria Geral dos Títulos de Crédito, de Tullio Ascarelli, e a tese Da Ação Civil, de José Ignácio Botelho de Mesquita, que, segundo Pitombo, tem a capacidade de "escrever pouco e dizer tudo".


Música e cinema
Por falta de hábito, Pitombo não vê muita televisão, a não ser quando passa um bom filme ou um jogo do Corinthians. O criminalista prefere preencher seu dia com música. Considera seu gosto eclético, mas tem predileção por música barroca e MPB.

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You don't know Jack - Barry Levinson - Divulgação

"Não tem nada mais gostoso do que ouvir uma boa música de manhã, quando estamos fazendo algum esporte ou mesmo ao ler um livro."

Um dos últimos filmes que assistiu foi You Don’t Know Jack, dirigido por Barry Levinson e estrelado por Al Pacino. O filme conta a história de Jack Kevorkian, o Dr. Morte, médico que ficou famoso por ter dado assistência a 130 suicídios. "O cinema é muito rico para a advocacia criminal. Há interpretações que são inesquecíveis, e o Al Pacino é um ator fora da curva."

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