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Ações da Operação Poseidon devem ir para Curitiba

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21 de fevereiro de 2011, 15h25

O juiz Marcus Vinicius Figueiredo de Oliveira Costa, da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal no Espírito Santo, declinou de sua competência para julgar as ações penais que tiveram origem na Operação Poseidon, que apreendeu mais de 300 veículos nacionalizados ilegalmente num esquema que sonegou R$ 41 milhões, de acordo com a investigação. Ele entendeu que a 3ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba é preventa por ter conduzido as ações da Operação Dilúvio, que desmatelou esquema de fraudes no comércio exterior brasileiro, que sonegou aproximadamente R$ 500 milhões. O juiz concluiu que entre elas há encontro fortuito de provas.

Na sentença, considerou que os documentos apresentados pelos acusados demonstravam que a Operação Poseidon decorreu de medidas cautelares investigativas deferidas na Operação Dilúvio, o que não havia sido mencionado pelo Ministério Público Federal, autor das ações. Dessa forma, entendeu que deve ser aplicado o artigo 71 do Código de Processo Penal, que diz que: “tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”.

O juiz declarou, ainda, que agir de outro modo e definir a competência pelo critério do local onde foi cometido o delito “imporia o impossível cálculo sugerido pela jurisprudência tendente a determinar onde se praticou a maioria das infrações”, já que a conduta foi muito complexa, e decidir a competência pela gravidade e quantidade de crimes seria muito difícil.

Além disso, levou em conta que a aplicação da regra de prevenção é mais segura “para que o juízo que conduziu a Operação Dilúvio possa, em contato com os atos então praticados, decidir seguramente se houve ou não ‘encontro fortuito de provas’”.

Nas ações, os réus são acusados pelo crime de formação de quadrilha; falsidade ideológica em duas vias, quais sejam inserção de valores inexatos nas faturas e inclusão dessas faturas nas Declarações de Importação; descaminho, na modalidade de iludir em parte o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadoria; e venda de carro importado fraudulentamente.

De acordo com as investigações, o centro de operações do crime de formação de quadrilha era em São Paulo, onde foi feita a maior parte das buscas e apreensões e onde residem cinco dos seis réus. Quanto ao crime de falsidade ideológica, a inserção dos valores nas Declarações de Importação foram feitas nos EUA, mas eram dirigidas à Alfândega do Porto de Vitória (ES), e como o preenchimento era feito eletronicamente, a consumação pode ter ocorrido em qualquer lugar. O crime de descaminho, por sua vez, ocorreu em Vitória, e o crime-fim de toda a empreitada, ou seja, a venda de carros importados fraudulentamente, foi consumado em São Paulo, como consta na denúncia.

A Operação Poseidon foi deflagrada em 15 de outubro de 2009 pela Receita Federal, Polícia Federal, e Ministério Público Federal. Nela, a 1ª Vara Criminal da Justiça Federal no Espírito Santo decretou o sequestro judicial de aproximadamente 75 veículos trazidos ao país por uma das empresas envolvidas no esquema, uma trading  com sede no ES e filial em SP, beneficiária do sistema Fundap (Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias) de incentivo à importação. As informações são da Receita Federal.

Dados das investigações revelam que essa empresa nacionalizou irregularmente 212 automóveis e 100 motocicletas até março de 2009. Na operação também foram apreendidos R$ 10 milhões em títulos mobiliários, diversos carimbos de empresas estrangeiras e comprovantes de transferência de valores para de contas bancárias em paraísos fiscais. A Receita Federal estima que o volume de tributos sonegados na importação e no mercado interno, mais as multas cabíveis, atinja R$ 41 milhões.

A Operação Dilúvio, que em 16 de agosto de 2006 desmantelou o maior esquema já constatado de fraudes no comércio exterior foi feita pela Receita Federal e Polícia Federal, e contou com a ajuda do Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS). Nela, foram encontradas provas que levaram a outras operações, dentre elas, a Operação Poseidon.

Na exceção de incompetência, o advogado dos autores, Fabio Tofic, defendeu a tese de que “a busca e apreensão tem objeto muito delimitado, de modo que tudo o que se apreende que não esteja relacionado a este objeto pode ser considerado prova ilícita, a não ser que seja prova de crime conexo”. Com isso, apresentou um raciocínio segundo o qual ou as provas da Operação Poseidon eram ilícitas, ou eram conexas à Operação Dilúvio, caso em que a competência é da 1ª Vara de Curitiba.

Segundo o advogado, a decisão é interessante porque existem diversas ações penais que derivaram da Operação Dilúvio e que podem ser reunidas em uma mesma vara. Além disso, porque o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Habeas Corpus 142.045, anulou as provas colhidas na Operação Dilúvio contra um dos acusados, com base na Lei 9.296/96, que trata das interceptações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Para Tofic, existe a possibilidade desta decisão do STJ contaminar todas as ações que tiveram origem na operação Dilúvio.

Leia aqui a íntegra da Exceção de Incompetência de Juízo apresentada por um dos acusados. 

Leia aqui a decisão do STJ que anulou as provas obtidas na Operação Dilúvio.

Leia a decisão da 1ª Vara Federal Criminal no Espírito Santo:

 2010.50.01.002467-1 21000 – AÇÃO PENAL
Autuado em 26/03/2010  –  Consulta Realizada em 16/02/2011 às 16:46
AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR: PAULO ROBERTO BERENGER ALVES CARNEIRO
REU: XXXXX e OUTROS
1ª  Vara Federal Criminal – MARCUS VINICIUS FIGUEIREDO DE OLIVEIRA COSTA
Juiz  – Despacho: MARCUS VINICIUS FIGUEIREDO DE OLIVEIRA COSTA
Redistribuição por Dependência  em 14/04/2010 para 1ª  Vara Federal Criminal
Objetos: CONTRABANDO E/OU DESCAMINHO; FALSIDADE IDEOLOGICA; CRIME
CONTRA A INCOLUMIDADE E A PAZ PUBLICA
EXISTEM 16 DOCUMENTOS APENSOS PARA ESTE PROCESSO.

Concluso ao Juiz(a) MARCUS VINICIUS FIGUEIREDO DE OLIVEIRA COSTA em 24/11/2010 para Despacho SEM LIMINAR  por JESGFC

As investigações atinentes à “Operação Poseidon” resultaram em duas ações penais, que possuem os n.ºs 2010.50.01.009053-9 e 2010.50.01.002467-1.  Em detrimento da primeira ação, foram protocolizados dois incidentes de incompetência relativa, que restaram acolhidos, abaixo in verbis.

Cuidam os autos de duas exceções de incompetência relativa deste juízo, tendo argumentado os excipientes que as investigações que originaram a Ação Penal n.º 2010.50.01.009053-9 se verificaram em juízo do Paraná/PR, de modo que esse seria o competente para a apreciação e julgamento daquela.

O órgão ministerial, às fls. 34/36 e 38/43 dos incidentes, pugnou pelo indeferimento do pedido.

Com razão os excipientes.

Os documentos de fls. 04/18 do Apenso III do IPL n.º 48/2010 demonstram, de forma clara, que medidas cautelares investigativas foram deferidas no bojo da “Operação Dilúvio”, dessas decorrendo a chamada Operação Poseidon (representada pela ação penal acima citada, bem como pela ação penal de n.º 2010.50.01.002467-1).

Embora seja exagerado considerar que o “encontro fortuito de provas” no direito brasileiro não é admitido “por alguns em hipótese alguma”ou “só é admitido no contexto da continência, da conexão ou do concurso de crimes”, não se pode banalizar o instituto e invocá-lo sempre que se pretende cindir uma investigação.

Permiti-lo seria privar o órgão julgador de analisar a validade dos atos que levaram ao suposto “encontro fortuito” quando ela seja relevante. Há, por certo, hipóteses em que as provas encontradas não guardam mínima relação com os fatos sob investigação, e.g., quando se encontram armas em posse de alguém preso preventivamente ou drogas no endereço em que se fez busca e apreensão, desde que os procedimentos cautelares penais não digam respeito a tais crimes.

Outras hipóteses, porém, são frequentemente tratadas como “encontro fortuito de provas” quando fatos idênticos aos investigados, conexos ou não, são descobertos e, na tentativa de manter o foco nas investigações, resultam em desmembramentos. Conquanto tais desmembramentos, por si sós, não induzam qualquer tipo de nulidade, resulta certamente importante analisar se as regras que definem o juízo natural estão (ou não) sendo respeitadas.

No caso concreto, não estavam. Os pedidos inicialmente formulados pelo MPF (Processo n.º 2009.50.01.008239-5) nada mencionavam acerca da Operação Dilúvio, e apresentavam documentos que relacionavam o seqüestro à Operação Titanic. Com isso, esse juízo laborou em erro e deixou de observar a regra prevista no art. 71 do CPP, verbis:

“Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.”

De fato, os réus são acusados pelo crime de quadrilha, cujo centro de operações era o Estado de São Paulo, onde residem cinco dos seis réus e onde foram feitas as buscas e apreensões em sua maior parte.

São ainda acusados do crime de falsidade ideológica em duas vias: inserção de valores inexatos nas faturas (“invoices”), tendo este crime sido cometido nos Estados Unidos da América, e inclusão de tais faturas nas Declarações de Importação. Destaco que a DI era dirigida à Alfândega do Porto de Vitória/ES, mas seu preenchimento é feito eletronicamente por meio do SISCOMEX, sendo evidente que a consumação instantânea do crime de inserir informações inverídicas em documento público verdadeiro pode ter ocorrido em qualquer lugar.

Os crimes de descaminho, na modalidade “iludir em parte o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadoria” podem ter ocorrido em Vitória/ES, a despeito de eventual crítica à aproximação das condutas de “iludir”, obviamente atrelada ao local do cometimento da falsidade, e, “não pagar”.

Finalmente, o crime-fim de toda a empreitada vem a ser a venda de carro importado fraudulentamente (Código Penal, artigo 334, parágrafo 1º, “c”) pela BARRETO IMPORT (FLABACAR COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA), localizada na cidade de São Paulo/SP. A consumação de tais crimes tem endereço certo: Rua Juriti, 192 – Indianápolis – São Paulo/SP.

Definir-se a competência segundo o locus comissi delicti imporia o impossível cálculo sugerido pela jurisprudência tendente a determinar onde se praticou “a maioria das infrações” – provavelmente a Seção Judiciária de São Paulo. In casu, torna-se evidentemente mais segura a aplicação da regra de prevenção, até para que o juízo que conduziu a Operação Dilúvio possa, em contato com os atos então praticados, decidir seguramente se houve ou não “encontro fortuito de provas”.        

Nos termos acima, DECLINO DA COMPETÊNCIA nos autos de n.º 2010.50.01.009053-9, determinando sua imediata remessa para a 3ª Vara Federal Criminal de Curitiba/ES. Intimem-se. Comunique-se à SR/DPF/ES. Preclusa essa decisão, dê-se baixa e arquive-se. Efetive a secretaria as providências necessárias. Traslade-se cópia desta decisão para as Ações Penais n.ºs 2010.50.01.009053-9 e 2010.50.01.002467-1.¿

O raciocínio, para os presentes autos, é o mesmo. Esse juízo é relativamente incompetente para o processamento e julgamento da causa. Não obstante essa ação penal não tenha sido objeto de impugnação, via exceção, nos termos do art. 109 do CPP, DECLINO DE OFÍCIO DA COMPETÊNCIA, determinando sua imediata remessa para a 3ª Vara Federal Criminal de Curitiba/ES. Intimem-se. Comunique-se à SR/DPF/ES. Preclusa essa decisão, dê-se baixa. Efetive a secretaria as providências necessárias. Traslade-se cópia desta decisão para a Ação Penal n.º 2010.50.01.009053-9. 

 

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