Briga de magos

Editora Planeta tenta reverter obrigação de indenizar

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14 de fevereiro de 2011, 18h33

A Editora Planeta, responsável pela publicação do livro O Mago — que trata da vida do escritor Paulo Coelho — vai tentar reformar sentença que a obriga a pagar indenização no valor de R$ 50 mil ao ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer. No livro, escrito pelo jornalista Fernando Moraes, Lafer é acusado de detonar a candidatura de Paulo Coelho e cabalar votos a favor do sociólogo Hélio Jaguaribe para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Ainda de acordo com o livro, o ex-ministro pedia votos a outros acadêmicos em troca de viagens, convites e medalhas. O assunto volta a ser discutido no TJ paulista nesta quarta-feira (16/2).

No recurso apresentado ao Tribunal de Justiça, as partes pedem a reforma da sentença. A editora quer o afastamento da indenização. O ex-ministro pede a supressão de todo os trechos considerados difamatórios e caluniosos ou a distribuição de erratas

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. A apelação será apreciada pela 5ª Câmara de Direito Privado e terá como integrantes da turma julgadora os desembargadores Silvério Ribeiro (relator), Erickson Gavazza (revisor) e José Luiz Mônaco.

Um dos trechos do livro afirma: “Não foi preciso muito esforço para descobrir que os tiros disparados pela tropa de choque de Hélio Jaguaribe não vinham da Casa de Machado de Assis, mas de um bunker instalado em Brasília, a 1.200 quilômetros do Rio. Mais precisamente, de trás dos delicados arcos de concreto do Palácio do Itamaraty, onde ficava o gabinete de Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores”.

“Além de afinidades pessoais e acadêmicas, entre abril e outubro de 1992 Lafer e Jaguaribe haviam sido colegas no último ministério do presidente Fernando Collor – Lafer na mesma pasta e Jaguaribe na Secretaria de Ciência e Tecnologia. Segundo o que Paulo apurou, e tornou público depois, em entrevistas a jornais e revistas, o ministro cabalava votos para Jaguaribe oferecendo em troca viagens, convites e medalhas”, completa o autor de O Mago.

Em primeira instância, o juiz Fausto José Martins Seabra, da 21ª Vara Cível Central, entendeu que houve abuso da liberdade de expressão. Segundo o juiz, o texto do livro extrapola a mera reprodução ou versão dada pelo escritor Paulo Coelho sobre o episódio de sua escolha para a Academia brasileira de Letras, ratificando a alegação não comprovada de que o ex-ministro Celso Lafer oferecia viagens convites e medalhas em troca de votos a favor de Hélio Jaguaribe.

Celso Lafer entrou na Justiça alegando que foi ofendido com as declarações de Paulo Coelho. Na ação, o ex-ministro pediu, além de indenização por danos morais, que fossem retirados de circulação os exemplares ainda não vendidos. Celso Lafer também pediu que a editora distribuísse erratas nas próximas tiragens e que publicasse nos jornais de circulação nacional e sites o teor da sentença condenatória. Apenas o pedido de indenização foi aceito.

Seabra entendeu que a sentença condenatória não deveria ser publicada e que os outros pedidos de Lafer também não deveriam prosperar. Isso porque a questão foi discutida com base na responsabilidade civil comum, e não com base nos dispositivos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), porque as acusações não foram feitas em jornal ou periódico, mas sim em obra literária.

A editora alega que Celso Lafer não sofreu danos morais porque a intenção de Fernando Morais não era ofendê-lo, mas apenas revelar ao público a influência política na escolha de membros da Academia Brasileira de Letras.

A editora ainda usa como argumento a liberdade de expressão, já que Celso Lafer é um homem público e, assim, não deveria ser tão vulnerável a críticas e opiniões a seu respeito. Na ação, Celso Lafer é representado pelo escritório Lottenberg Advogados Associados e a Editora Planeta pelo escritório Veirano Advogados.

O juiz Fausto Seabra destacou que é desnecessário a juntada de mais provas ao processo para fundamentar o dano moral. Segundo ele, fatos notórios não dependem de prova. O juiz também escreveu que não haveria excesso ou ilícito punível se o biógrafo se limitasse a reproduzir o que ouvira de Paulo Coelho ou se apenas citasse o conteúdo das entrevistas do escritor à revista IstoÉ.

“Todavia, a partir do instante em que o autor da obra literária confere essa informação o caráter de fato consumado, de verdade absoluta e imune a questionamentos, não apura com as pessoas citadas a veracidade do afirmado e ainda emite um juízo de valor pejorativo da pessoa mencionada, torna-se responsável, juntamente com a editora, pelos danos morais causados, já que o escrito é por si só capaz de provocar sensações psíquicas negativas e relevantes sob o aspecto jurídico", afirmou o juiz. 

O juiz também rebateu a alegação sobre a figura pública de Celso Lafer. De acordo com ele, embora sujeitos a maior exposição e crítica social, os agentes políticos também merecem a proteção do artigo 5º, X, da Constituição Federal.

Para fixar o valor da indenização, Fausto Seabra levou em consideração a natureza, a extensão e a repercussão da lesão, bem como a capacidade econômica dos envolvidos.

“O objetivo é compensar os prejuízos experimentados pela vítima e punir o ofensor de modo adequado para que não transgrida novamente”, afirmou o juiz. “Atento a tais parâmetros, aliados às peculiaridades do caso concreto, tais como o renome do autor, no meio jurídico e universitário, o grande interesse que a obra em exame desperta no mercado editorial”, completou.

Leia a sentença de primeiro grau:

Autos nº 583.00.2008.202882-8 21ª Vara Cível Central da Capital CELSO LAFER move AÇÃO INDENIZATÓRIA contra EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA. Alega, em síntese, que a ré publicou obra literária da lavra do jornalista Fernando Moraes, sob o título "O Mago", uma biografia do escritor Paulo Coelho. Na página 563 do livro (trecho citado na petição inicial) atribuiu-se ao autor a prática de atos ilícitos e inverídicos quando ocupava o cargo de Ministro das Relações Exteriores, afirmando-se que ele pedira votos em prol de Hélio Jaguaribe para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras em troca de viagens, convites e medalhas. As acusações infundadas causaram danos morais ao requerente que, apesar de notificar a parte contrária para esclarecimentos, não obteve êxito. Pede, assim, o ressarcimento dos prejuízos extrapatrimoniais, compelindo-se a ré a retirar de circulação os exemplares ainda não vendidos e distribuindo erratas nos próximos, além de publicar nos jornais citados e em seus endereços eletrônicos o teor da sentença condenatória.

A ré apresentou contestação a fls. 51/70. Em caráter prejudicial argüiu a prescrição, sustentando que o autor não sofreu danos morais, pois a intenção do biógrafo não era ofendê-lo, mas sim revelar ao público a influência política na escolha de membros da Academia Brasileira de Letras. Invocou a liberdade de expressão, argumentando que o autor é "homem público" e, assim, não deve ser tão vulnerável a críticas e opiniões a seu respeito. Insistiu na ausência de comprovação dos danos morais e impugnou o valor da indenização sugerido na petição inicial. Réplica a fls. 109/124. É o relatório. Fundamento e decido. O feito comporta julgamento no estado (art. 330, I, do Código de Processo Civil). A prova oral pleiteada pelos litigantes é absolutamente desnecessária ao deslinde dos pontos controvertidos, conforme se verá a seguir. Fatos notórios não dependem de prova, ao passo que é incontroverso nos autos que na escolha dos membros da Academia Brasileira de Letras, nem sempre se consideram em primeiro lugar os atributos literários ou estilísticos do futuro ocupante de uma das cadeiras.

Inegável, ainda, que para ser um imortal não é preciso ter escrito um best seller e que no passado as influências políticas foram determinantes para a eleição de alguns acadêmicos. Insubsistente a prejudicial de prescrição. É preciso não perder o foco da causa petendi, que se situa no livro "O Mago", e não nas entrevistas e nas publicações cansativamente citadas pelos litigantes e alusivas ao fato. A biografia do escritor Paulo Coelho foi publicada em 2008 e, portanto, a partir de então se iniciou o lapso prescricional de três anos (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) para a propositura da demanda. Por outro lado, a lide deve ser dirimida à luz da responsabilidade civil comum e não com fulcro nos dispositivos da Lei de Imprensa, visto que as acusações e ofensas não foram feitas em "jornal ou periódico" (art. 29 da Lei nº 5.250/67), mas sim em obra literária.

Em conseqüência, a ré não tem a seu favor a excludente do art. 49, § 3º, da citada lei, ao passo que os pedidos do requerente para que sejam retirados exemplares de circulação, enxertadas erratas e publicado o teor da sentença, devem ser desde logo repelidos, já que inadequados à causa de pedir exposta na petição inicial (tutela jurisdicional fundada no direito comum e não na legislação especial). A propósito do art. 49, § 3º, assinala Darcy Arruda Miranda que essa "disposição é absolutamente estranha ao objetivo da Lei de Imprensa, uma vez que o impresso não periódico cai na órbita do direito comum e o ilícito que apresentar incide na disposição do art. 159 do Código Civil" (Comentários à lei de imprensa. 3ª ed. São Paulo: RT, 1995, p. 728). Inconcusso nos autos que ao narrar os bastidores da escolha do escritor Paulo Coelho para a Academia Brasileira de Letras, o autor do livro "O Mago" escreveu na página 563 que: "Não foi preciso muito esforço para descobrir que os tiros disparados pela tropa de choque de Hélio Jaguaribe não vinham da Casa de Machado de Assis, mas de um bunker instalado em Brasília, a 1.200 quilômetros do Rio.

Mais precisamente, de trás dos delicados arcos de concreto do Palácio do Itamaraty, onde ficava o gabinete de Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores. Além de afinidades pessoais e acadêmicas, entre abril e outubro de 1992 Lafer e Jaguaribe haviam sido colegas no último ministério do presidente Fernando Collor – Lafer na mesma pasta e Jaguaribe na Secretaria de Ciência e Tecnologia. Segundo o que Paulo apurou, e tornou público depois, em entrevistas a jornais e revistas, o ministro cabalava votos para Jaguaribe oferecendo em troca viagens, convites e medalhas.

Creio que a maioria dos acadêmicos foi procurada por ele para que votasse em Hélio Jaguaribe denunciou à revista Isto É, mas pelo menos três me confirmaram: Arnaldo Niskier, Marcos Almir Madeira e Carlos Heitor Cony" (sic). Desnecessário aclarar ou interpretar o que está claro neste escrito. Irrelevante, ainda, que seja um mero trecho ou mínima porção da obra literária, muito menos que o foco da narrativa era esclarecer ao público algo que desconhecia. O ânimo disso ou daquilo se torna secundário diante da gravidade e da inequívoca repercussão negativa à imagem do autor que esta afirmação contém. Não haveria excesso ou ilícito punível na esfera civil se o biógrafo se limitasse a reproduzir o que ouvira do biografado ou se apenas citasse o conteúdo das entrevistas anexadas à contestação. Neste caso, a responsabilidade seria exclusiva daquele que produziu a informação. Todavia, a partir do instante em que o autor da obra literária confere a essa informação o caráter de fato consumado, de verdade absoluta e imune a questionamentos, não apura com as pessoas citadas a veracidade do afirmado e ainda emite um juízo de valor pejorativo da pessoa mencionada, torna-se responsável, juntamente com a editora, pelos danos morais causados e que ocorreram "in re ipsa", já que o escrito ofensivo é por si só capaz de provocar sensações psíquicas negativas e relevantes sob o aspecto jurídico.

Ao asseverar que "não foi preciso muito esforço para descobrir" que do gabinete do autor provinham articulações políticas e ofertas de vantagens para que Hélio Jaguaribe ocupasse a vaga que posteriormente foi preenchida por Paulo Coelho, o texto extrapola a mera reprodução ou versão dada por este ao episódio de sua escolha para a Academia Brasileira de Letras, ratificando a não comprovada alegação de que o requerente oferecera em troca dos votos a favor de Hélio Jaguaribe, "viagens, convites e medalhas", proceder que além de falta ética, consubstancia ilícito administrativo e criminal de agente público explorador de seu prestígio e poder. Note-se que em nenhum trecho da contestação se afirma a veracidade deste fato, tampouco se esclarece o motivo pelo qual um dos supostos interlocutores do autor, o escritor Carlos Heitor Cony, negara com veemência ter sido contatado pelo então ministro Celso Lafer (fls. 139/140). Houve abuso na liberdade de expressão, que não é absoluta e não elide a responsabilidade civil por danos morais decorrentes de imputação ofensiva à honra do indivíduo, independentemente de ser ou não "homem público".

Embora sujeitos a maior exposição e crítica social, os agentes políticos também merecem a proteção do art. 5º, X, da Constituição Federal. No arbitramento da indenização oriunda dos danos morais leva-se em consideração a natureza, a extensão e a repercussão da lesão, bem como a capacidade econômica dos envolvidos, de modo a compensar os prejuízos experimentados pela vítima sem que haja locupletamento e, de modo concomitante, punir o ofensor de modo adequado a fim de não transgrida novamente. Atento a tais parâmetros, aliados às peculiaridades do caso concreto, tais como o renome do autor no meio jurídico e universitário, o grande interesse que a obra em exame desperta no mercado editorial e o teor das imputações que lhe foram lançadas, estima-se a indenização em R$50.000,00, quantia que se afigura justa, razoável e condizente com o caso concreto. Conforme antes assinalado, os demais pedidos não são acolhidos pelos fundamentos lá alinhavados, acrescentando-se que uma vez ressarcido o ilícito já cometido, não há sentido na emissão de tutela inibitória, sobretudo se na prática o seu cumprimento se tornar materialmente impossível (Aldo Frignani. L´injunction nella common law e l´inibitoria nel diritto italiano. Milano: Giuffrè, 1974, p. 156).

Procedente em parte a demanda, as verbas da sucumbência serão repartidas entre os litigantes. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré ao pagamento de R$50.000,00 ao autor, com correção monetária desde esta data e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Em face da sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários de seus advogados e com as custas a que deu causa. P.R.I. São Paulo, 11 de fevereiro de 2009. Fausto José Martins Seabra Juiz de Direito Autos nº 583.00.2008.202882-8 21ª Vara Cível Central

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