Presunção de togas e becas

Vaidade não deve atrapalhar a prática da justiça

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13 de fevereiro de 2011, 7h00

O mundo jurídico é promissor para quem tem o germe da vaidade e os meios para o seu desabrochar. Até as formalidades, os paramentos, a oratória e a liturgia das audiências e julgamentos se prestam para revigorar a vaidade e seus apêndices, bem como para atenuar os demais vícios do vaidoso. Mas, aqui não pretendo me referir à vaidade que, em certa medida, existe na natureza humana e amiúde é causa de danos (e culpa) intrínsecos aos seus portadores. Ou à vaidade sem limites, condição da natureza radicalmente corrompida, que o filósofo paulista Matias Aires disse poder sobreviver a nós mesmos, a ponto de se infiltrar nos aparatos da morte. Refiro-me à vaidade que, vestida da autoridade da toga ou da beca, comete abusos na realização da justiça.

As distorções que acompanham a vaidade quase nunca são claras ou objeto de autocrítica para os personagens do cenário jurídico que sucumbem a essa paixão radical que, segundo os filósofos, penetra em todo o ser, para o bem ou para o mal. No último caso, ao ultrapassar os limites aceitáveis do narcisismo e da busca por admiração, reconhecimento e atenção, a vaidade é não apenas danosa aos seus portadores, mas àqueles que se socorrem do Judiciário para dirimir conflitos, defender ou afirmar seus direitos.

Promotores, quando assolados pela vaidade radical, tendem ao abuso de autoridade, à persecução fácil, ao extremismo e à exposição exagerada de suas ações na mídia. Já os magistrados se rendem ao abuso de poder, à prepotência, à intolerância para com a parcialidade dos advogados e promotores, à onipotência mal disfarçada de árbitro dos litígios humanos.

Por sua vez, os advogados se inclinam às estratégias de promoção pessoal, ao exibicionismo da clientela e da própria competência, à retórica pomposa, ao gosto dos preciosismos e ao patrocínio de causas que mais servem para alimentar seu narcisismo que para beneficiar as pessoas que neles confiam a defesa dos seus direitos ou interesses. Palmatórias de um mundo necessitado de penitências, semideuses de um Olimpo mundano ou salvadores imprudentes, os vaidosos extremos concorrem para fortalecer os estereótipos negativos associados às suas profissões.

Trajando a solenidade da beca ou da toga negra, a vaidade nem sempre consegue manter os olhos vendados ao transitar pelos labirintos das misérias humanas marcadas pelo rebaixamento moral das culpas, pelo furor das lides, pela vergonha das disputas mesquinhas. Nem sempre se humaniza com o cotidiano ou abranda com a maturidade. Há casos em que embrutece com a solidão das decisões e a rotina dos encontros ambíguos com a malícia e a mediocridade. Muitos dela se servem intencionalmente para compensar o desencanto. Por isso duvido existir um só profissional do Direito que jamais tenha dado suas escorregadelas no resvaladouro da vaidade. Fraqueza humana admissível, digna da complacência dos céus, desde que compatível com a realização da justiça.

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