Desafio da vitória

Chegou a hora da democracia para o povo egípcio

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11 de fevereiro de 2011, 17h12

Artigo escrito por Marwa Maziad, bolsista do Centro para o Oriente Médio da Universidade de Washington e colaboradora do jornal egípcio Almasry Alyoum, para o portal da rede árabe de televisão Al Jazeera. 

A rebelião que acontece nesses dias no Egito é em tudo e por tudo semelhante ao movimento pelos direitos civis ocorrido nos Estados Unidos, nos anos 60. Tudo começou quando jovens egípcios convocaram a população para uma marcha de protesto, com motivações políticas e econômicas específicas em torno de temas como o desemprego e o aumento do salário mínimo e pelo fim do estado de emergência que já durava 30 anos.

Em resposta à convocação, egípcios de todas as esferas da vida, classes sociais e econômicas, credos religiosos e correntes ideológicas aderiram ao movimento e pacificamente marcharam em 25 de janeiro em apoio àquelas demandas. Foi a primeira exibição de como poderia ser, verdadeiramente, a democracia no Egito.

Foi um exercício de cidadania. A partir desse dia, não importa como os fatos atuais serão descritos na história, uma coisa é certa: a relação entre governo e cidadão no Egito nunca mais será a mesma.

Origens da revolução 
Na manifestação do dia 25, a palavra de ordem dos manifestantes era: “Paz, Paz, Paz”. Era como se eles quiseseem impedir, preventivamente, o confronto com a polícia anti-motim, numa demonstração de civilidade e de moderação.

Sem liderança identificável, ou organizadores formais, as centenas de milhares de egípcios que saíram às ruas provaram para si mesmas e para quem as estava observando que elas eram capazes de manter a ordem na medida em que o tom das reclamações ia ficando mais firme e mais forte.

Mas como o presidente Mubarak permanecia em silêncio, sem dar nenhuma resposta oficial até o final desse primeiro dia, talvez em uma atitude típica de “deixa como está para ver como é que fica”, os manifestantes começaram a assumir a imagem coletiva de “constituintes”, com exigências urgentes a serem atendidas.

Com a expectativa em alta, tomou-se a decisão de retornar à praça na sexta-feira, dia 28. Cristãos e muçulmanos, religiosos e laicos, ricos e pobres, gente do campo e da cidade, todos convergiram para a Praça Tahrir, no coração do Cairo. O sentimento entre os egípcios transformou-se em raiva por não terem sido levados a sério pelo seu presidente.

No curto espaço entre a sexta-feira, o “dia da fúria”, e a terça-feira da “Marcha do Milhão, o Estado o Estado bloqueou o acesso à internet e suspendeu a operação dos telefones. O povo egípcio foi subitamente isolado do mundo exterior, em um gesto que pode ser visto como uma punição coletiva. Indiscutivelmente, foi feita uma tentativa de isolar, intimidar e aterrorizar as pessoas e mostrar a elas as perspectivas do caos e da instabilidade que elas mesmas estavam provocando.

Enquanto a Polícia suspendia o patrulhamento das ruas, o Exército ocupava as principais cidades do Egito. Naquilo que parecia um jogo de xadrez, o Estado passou a “negociar” com o povo. A violência e os confrontos que se seguiram ao sumiço da Polícia das ruas poderia ser classificado como "terrorismo de Estado", já que os relatos apontam para o envolvimento de agentes do governo nos atos de violência. 

Em resposta, e apesar das circunstâncias adversas, as demandas dos manifestantes egípcios evoluíram das reivindicações específicas iniciais para um clamor geral pelo fim do regime de  Mubarak.

Quando Mubarak finalmente fez seu primeiro discurso, quatro dias após o início dos protestos, anunciando mudanças na composição de seu governo, sua fala foi recebida pelos manifestantes como "muito pouco e muito tarde". A partir desse momento, Mubarak jogou todas suas forças para se manter no poder enquanto aumentava o sentimento do povo de que ele devia renunciar. Em novo discurso, Mubarak não revelou nenhuma intenção de renunciar e anunciou sua decisão de conduzir as reformas exigidas pelos manifestantes, embora concedesse que não pretendia se candidatar a um novo mandato.

Na sequência do segundo discurso de Mubarak, em que ele recorreu à retórica para dizer coisas como “eu nasci no Egito e vou morrer nesta terra”, uma parcela da população esboçou sinais de simpatia por ele, prenunciando uma possível divisão quanto aos rumos do movimento. Mas enquanto os eventos, as concessões de Mubarak tornavam as interpretações e os detalhes mais incertos, uma indicação era certa: o Egito não voltaria jamais a ser o que era antes do dia 25.  

A saída para a crise
As imagens de manifestantes queimando imagens de Mubarak, dos confrontos na praça, dos saques e assaltos, das centenas de egípcios mortos e feridos, não podem mais ser apagadas da memória coletiva dos egípcios. Dito isto, ainda há um caminho para sair desta crise.

Baseado em artigos publicados em diferentes fontes por egípcios que são referências nacionais nas ciências, nos negócios, e no Direito, como Ahmed Zewail, Sawirs Naguib, Ahmed Abul Kamal Magd, Farouq Elbaz, e Magdy Yacoub as seguintes propostas podem ser feitas: 

Em primeiro lugar, formar um conselho de homens e mulheres, incluindo os jovens, para redigir uma nova constituição baseada na liberdade e no direito, de forma a assegurar uma transferência de poder pacífica.

Em segundo lugar, a independência judicial deve ser assegurada.

Terceiro, devem ser levadas em conta as acusações de fraude nas eleições parlamentares de novembro passado. Quanto à presidência, as eleições devem ser
realizadas dentro de um ano, sob a supervisão do sistema judiciário independente. 

Em quarto lugar, um governo de transição deve ser formado. O atual vice-presidente Omar Suleiman pode desempenhar um papel de transição até as próximas eleições.

Na verdade, essas propostas parecem ser consenso entre a maioria dos egípcios. Para que elas possam ser colocadas em prática, o povo egípcio precisa se manter unido e solidário. Não se pode aceitar a tese paternalista, de que o povo não está “preaprado para a democracia” ou que as pessoas não estão interessadas em liberdade, como se estes fossem valores exclusivos das culturas ocidentais.

O povo egípcio empreendeu um movimento de protestos que se manteve pacífico e civilizado apesar dos constantes ataques e provocações por parte do aparato estatal. Para que o sucesso seja completo, os militares devem manter sua independência e fidelidade à Nação em vez de tentar proteger o regime agonizante de Mubarak.  

Além disso, os partidos políticos e a sociedade civil devem assumir seus papéis no 
futuro democrático do Egito para entender a essência da democracia, que é 
baseada na diversidade de opiniões, ideologias e até mesmo na colisão de agendas. Mas é crucial para que o sistema democrático se mantenha que as várias posições e inclinações possam funcionar sem o monopólio de uma só voz sobre o resto das vozes que representam diferentes correntes na sociedade.

As manifestações refletindo a tremenda diversidade do povo egípcio deu mostras suficientes de que o povo do Egito está pronto para pacificamente levar o seu país em suas próprias mãos. Como um dos manifestantes declarou: "Nós mostramos que podemos manter este país seguro … provamos que podemos levar este país para a frente".

Afinal de contas, esta foi uma revolução "orgânica", que veio de dentro e que vai ser anotada nos livros da história da humanidade, se não por outras razões, por sua origem. Hoje, os  egípcios se recusam a ser bloqueados e oprimidos por uma história para cujo texto eles próprios não vinham contribuindo. Agora, eles voltaram a fazer parte da história novamente. O mundo precisa seguir esta maré que já começou, pois os egípcios deixaram claro que eles estão aqui para ficar 
como cidadãos livres e dignos.

O senador John Kerry tinha razão ao dizer que é necessário que os Estados Unidos se alinhem com o novo Egito, já que chegou a hora da democracia para o país. E como disse Victor Hugo, nada é mais poderoso que uma ideia cuja  hora chegou.

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