Consultor Jurídico

Melhor democracia é formada a partir da consideração das ideias de todos

11 de fevereiro de 2011, 7h00

Por Affonso Ghizzo Neto

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As presentes observações constantes nas linhas que seguem, buscam, antes de tudo, contribuir para o debate sobre o atual formato de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, especialmente a partir das considerações do correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília, Rodrigo Haidar, conforme postas no artigo intitulado “Porque a minha democracia é melhor do que a dos outros”.

Referido correspondente, a partir das circunstâncias da escolha do ministro Luiz Fux para o STF, argumenta, em resumo, que surgiram corporações e movimentos contrários à forma “pouco democrática” da escolha dos ministros para a Suprema Corte. Ressalta que estes movimentos utilizaram argumentos mentirosos. O primeiro deles seria a exigência de uma participação mais ativa por parte do Congresso nas indicações, sustentando a pré-existência do comando constitucional constante no artigo 101.

Sugere uma simples correção de rumos no processo de sabatina do Senado, sendo desnecessária, segundo assevera, a aprovação de mudanças na atual forma de indicação. A segunda mentira – observa com rigor catedrático, o correspondente –, consistiria no argumento da crítica na demora da escolha presidencial da vaga aberta no Supremo, assim como no comprometimento do possível indicado, restando minada a independência dos ministros do STF, que passariam a representar o Executivo junto ao Poder Judiciário.

Finaliza afirmando que soa um tanto quanto autoritário entender que só porque o nome sugerido por estes movimentos não tenha sido indicado, a escolha não teria sido democrática. Apresentadas estas considerações preliminares para melhor situação do leitor, torna-se imprescindível o contra-ponto a diversos argumentos apresentados pelo correspondente, especialmente pela forma limitada, superficial e desvirtuada que algumas considerações foram postas, atribuindo mentiras e equívocos onde não existem. Vejamos com vagar:

Inicialmente cumpre esclarecer a verdade dos acontecimentos pretéritos, recordando que vários movimentos sociais importantes, muitos dos quais componentes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), defenderam, a partir de uma articulação espontânea, uma importante e estratégica causa. A ideia buscou, por princípio, uma mudança de paradigma no processo de indicação de juristas para o Supremo.

Sem generalizar, independentemente de partidos políticos e presidentes da República, as indicações muitas vezes seguem um ritual de forças e de indicações políticas de bastidores, tendo como principal e decisivo critério a fidelidade partidária ou pessoal do suposto candidato em relação ao Executivo ou a determinado grupo de poder. Nesse particular, cumpre esclarecer aos críticos mais atentos que o problema não se restringe à formalidade da indicação em si, mas à prática cultural de bastidores, fermentada e negociada muitas vezes sem transparência e diálogo efetivo com a sociedade civil organizada. E isso, parece fato!

A sugestão de indicação do juiz Márlon Reis a uma vaga no Supremo se deu não apenas por sua competência técnica e por seu comportamento ético, mas, primordialmente, por bem representar o denominador comum de todos estes movimentos e pessoas. Aliás, certo parece o equívoco e o julgamento apressado apresentado pelo afoito correspondente, que não observou o objetivo real da causa defendida por estes movimentos, já reconhecidos nacionalmente pela contribuição democrática, com destaque para a mobilização popular em torno do chamado “Ficha Limpa”. De toda sorte, cumpre reafirmar que o desiderato primordial era, e continua sendo, a possibilidade de debates públicos sobre a indicação de cargos desta espécie, seja para o Supremo, Tribunais de Justiça (nos quintos constitucionais), Tribunais de Contas, etc.

A presidente Dilma Rousseff, ao indicar o ministro Luiz Fux para ocupar a vaga no STF, agiu de forma legal e constitucional, não havendo reparo algum à indicação. Aliás, a indicação do ministro Luiz Fux foi muita bem recebida nos meios jurídicos, especialmente por se tratar de magistrado de carreira, experimentado e reconhecidamente dedicado aos estudos aprofundados das questões jurídicas, com visível destaque às questões do processo civil.

Certamente não lhe faltará sabedoria, serenidade e competência para a análise de questões cruciais para a democracia brasileira, como a imediata aplicação da Lei da Ficha Limpa; a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos corruptos; a investigação criminal por parte do Ministério Público; a judicialização da política, dentre outros temas relevantes que demandam uma imediata resolução por parte do Supremo Tribunal Federal.

O que se lamentou, ao contrário do sugerido no artigo ora contraposto, foi a perda da oportuna possibilidade de ampliação do debate público e popular sobre indicações desta espécie. O movimento buscou unicamente – e continuará firme neste propósito – implementar inédita estratégia de debate democrático a partir da indicação para o STF. Enfim, para que não reste mais qualquer dúvida a respeito, pretendemos – e vamos – ampliar e fomentar o debate sobre a politização do judiciário no atual sistema constitucional brasileiro, junto à opinião pública brasileira.

A bandeira da candidatura de Márlon Reis ao cargo de ministro do Supremo não se apresentou como uma imposição arbitrária ou a única escolha democrática possível. Ao contrário, justamente o oposto disto. Apresentou-se como uma sugestão – uma possibilidade – materializada por meio de um nome (e podem ser tantos outros juristas qualificados, especialmente aqueles de carreira, a exemplo do ministro Luiz Fux). Pretendeu-se apenas inaugurar um diálogo aberto, transparente e franco com os poderes constituídos. Sem um nome a ser sugerido, ou seja, sem a materialização de um possível “indicável”, o debate se tornaria vazio, especialmente pela circunstância temporal que se apresentava, haja vista que a nomeação estava pendente há mais de seis meses. Ademais, pelo que recordo, a Constituição Federal não proíbe a apresentação de ideias e de sugestões, ainda que impertinentes e incômodas para alguns.

Portanto, a ideia de lançar um nome – ou nomes – com o apoio de movimentos sociais e de articulações populares, não se esgotou no objetivo imediato. Ela representa a semente de uma inédita mudança de paradigma na indicação de juristas ao STF, assim como outros tribunais, pautada pela união de importantes seguimentos da sociedade civil organizada. É preciso, portanto, a partir do comprometimento da própria sociedade, como já ocorreu na hipótese presente, continuar a luta pela legítima interferência e pela democrática participação popular junto aos poderes constituídos. O movimento já é vitorioso, pois representa antes de tudo o reconhecimento da importância do diálogo de todas as instituições públicas com a sociedade civil que reclama a abertura de novos e mais efetivos canais de interlocução. A luta, pois, continuará! É bem verdade que nem todos desejam ou estão preparados para ruptura da constante manipulação do poder. O progresso e as mudanças democráticas, certamente possuem inimigos. Lembrando John F. Kennedy: “O progresso é uma bela palavra. Mas o seu impulso vem da mudança. E a mudança tem inimigos”.

Além de tudo isso, as percepções relativas à realidade social e política do país são muitas vezes diversas e distintas. Para o correspondente, basta um aperfeiçoamento na sabatina do Senado, sendo a escolha presidencial democrática e ponto final. Do contrário, segundo assevera, só considerando o eleitor brasileiro inimputável, o que se recusa a fazer. Ora, como se disse alhures, a questão não é formal, pessoal ou pontual, mas sim estrutural, de origem prática e cultural. A análise desta complexa questão não pode ser simplista, limitada, superficial ou tendenciosa.

Posso estar equivocado, mas tenho uma percepção diversa dos acontecimentos. Vejo que o fenômeno da corrupção no Brasil possui um caráter essencialmente cultural. E isso ocorre em virtude da adoção de um modelo presidencial centralizador, que permiti a formação de uma estrutura incompatível com a consideração de interesses sociais, difusos e coletivos, avessa, portanto, à interferência e à participação popular. A corrupção quando institucionalizada, não é causa, mas sim efeito da incorporação pelos indivíduos de valores sociais negativos. Somente por meio de um processo de interferência e de participação popular voltado para o pleno exercício responsável da cidadania, é que se poderá alcançar um efeito prático e modificador da realidade atual, consubstanciada na falta de cultivo de uma ética social, resumida na esperteza individual e no favorecimento privado.

Por fim, analisando a indagação que dá origem ao título antecedente, resta responder qual democracia seria melhor? A minha ou a alheia? Não permitir que qualquer indivíduo manifeste livremente suas ideias significaria desrespeitar a livre manifestação do pensamento, compatível com a democracia e recomendada por uma concepção atraente do Estado de Direito, por argumentos de princípios, como diria Ronald Dworkin. O Estado de Direito, na concepção que acreditamos, enriquece a democracia ao acrescentar o diálogo franco, independente e responsável, um fórum de debates, e isso é importante, não somente porque a verdade pode ser alcançada, mas porque este debate confirma que a verdade é uma questão de respeito aos posicionamentos individuais, não, arbitrariamente, a reprodução de conceitos padrões e de interpretações manipuláveis. A resposta, portanto, é simples. Nem uma, nem outra, ou melhor, ambas. Eis a melhor democracia, aquela formatada a partir da consideração das idéias de todos!