Ordem de saída

Prós e contras do julgamento por ordem cronológica

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5 de fevereiro de 2011, 8h10

Uma proposta de resolução, que ainda será discutida pelo Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público, já está dando o que falar. De autoria do conselheiro Bruno Dantas, o texto estabelece que os processos distribuídos aos membros e órgãos do MP terão de ser analisados em ordem cronológica, ou seja, quando o processo está concluso, pronto para ser analisado, tem de ser apreciado de acordo com a ordem de chegada.

"Não pode existir preferências, senão aquelas legais", disse o conselheiro à ConJur. A lei prevê prioridades dos processos em alguns casos como os que envolvem pessoas com deficiências ou idosos, além de tutela de menor, Habeas Corpus, Mandado de Segurança. Nos demais casos que não são prioritários, diz Dantas, a escolha não deve ser aleatória. "Vontade não se coaduna com Estado de Direito", explica.

Dantas contou que o CNMP recebe muitas reclamações por conta de inércia e excesso de prazo. Em grande parte, isso se deve à falta de estrutura, reconhece. Mas também há casos em que um parecer foi dado mais rápido do que o outro. Por quê? Um é mais fácil, outro mais difícil? Qual o critério? Se for assim, exemplifica, um processo mais volumoso vai levar seis meses para ter solução. "A ideia não é criar camisa de força", diz o conselheiro. O MP tem liberdade, mas são necessários parâmetros, defende.

A ideia promete gerar muito debate. O promotor de Justiça Rodrigo Octavio de Arvellos Espínola, do MP do Rio, considera que a proposta foi inspirada em intenções louváveis e merece acolhimento. Mas entende ser necessária uma certa adequação à realidade das promotorias de Justiça. "O Ministério Público atua em uma amplíssima gama de áreas, incluindo a cível, a tutela coletiva, o crime, família, fazenda pública, infância e juventude, todas elas com suas peculiaridades", diz.

Espínola afirma que um promotor de Justiça recebe, diariamente, grande número de processos e procedimentos com diferentes prioridades. "Como se percebe, não é razoável que um processo volumoso de baixa prioridade, que demanda vários dias para análise, tenha que ser devolvido antes de outro de alta prioridade, como aqueles que envolvem prisão, danos ambientais atuais, crianças em situação de risco, por exemplo."

O artigo 5º da proposta de resolução dispõe que "estão excluídos dessa regra geral: I — as preferências legais; II — os pedidos liminares, de natureza cautelar, de efeito suspensivo ou de antecipação de tutela recursal e outras medidas urgentes; III — os pronunciamentos feitos em audiência; IV — outros casos definidos pelo Conselho Superior do respectivo".

Os dispositivos são citados por Rodrigo Espínola. "O artigo 5º resolve alguns desses problemas e abre a possibilidade de regulamentação interna pelos Conselhos Superiores dos Ministérios Públicos, apontando que o ideal seria criar classes de prioridades, dentro das quais seria respeitada a ordem cronológica", diz. "Assim, teríamos respeitados os critérios objetivos desejados pelo CNMP sem prejuízo da avaliação casuística da urgência de cada caso."

O promotor André Luis Melo, da promotoria de Araguari, em Minas Gerais, também reconhece a boa intenção do conselheiro. Mas entende que a medida tende a ser impraticável, sobretudo, quanto ao trabalho extrajudicial, que é muito mais complexo do que a atividade judicial. "Nesta fase [judicial] as questões já estão formatadas e delimitadas", disse.

"Os membros do MP têm o que a Sadek [pesquisadora Maria Teresa] chama de ‘poder de agenda’, ou seja, escolhem as prioridades mais relevantes para evitar que atuem como meros despachantes judiciais", disse. 

Ele considera como uma alternativa mais aplicável a publicação da produtividade, não só de medidas como de resultados de cada membro do MP na internet. "Haveria um controle social. Hoje quem encaminha um pedido ao PGJ ou ao PGR, um pedido de ADIN, por exemplo, não fica sabendo das medidas tomadas, pois não existe publicação dos andamentos.

Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), César Mattar Jr., a ideia é boa. Em tese, completa. "O objetivo é dar mais celeridade, evitando a procrastinação", diz. Ele observa que o conselheiro autor da proposta vem se destacando por ideias bastante inovadoras dentro do Conselho Nacional do Ministério Público. Mas que a proposta acaba não levando em conta a sistemática do MP e da Justiça. Segundo o presidente da Conamp, a proposta deve ser aperfeiçoada.

O assunto é de tal forma delicado que o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Antonio Carlos Bigonha, preferiu não se manifestar. Segundo a assessoria de comunicação, pela proposta ser muito recente, o presidente prefere consultar, primeiro, a direção da entidade sobre o tema.

Ordem no Judiciário
Para o conselheiro Bruno Dantas, a proposta é tão simples que dispensa lei. Se existe órgão como o CNMP ou o Conselho Nacional de Justiça, questiona, por que não fazer isso através de resolução?

Se no Ministério Público o debate já é acalorado, levantar essa discussão da ordem cronológica no Judiciário é jogar lenha na fogueira. Como lembrou Dantas, o novo Código de Processo Civil, em gestação no Congresso, prevê o julgamento dos casos na ordem cronológica quando estiver concluso. O dispositivo está no capítulo dos princípios e das garantias fundamentais do Processo Civil.

Diz o artigo 12: "os juízes deverão proferir sentença e os tribunais deverão decidir os recursos obedecendo à ordem cronológica de conclusão". Ficam fora da regra "I — as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II — o julgamento de processos em bloco para aplicação da tese jurídica firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em recurso repetitivo; III — a apreciação de pedido de efeito suspensivo ou de antecipação da tutela recursal; IV — o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; V — as preferências legais".

O integrante do CNMP Bruno Dantas também participou da Comissão do Senado que fez audiências públicas e elaborou o anteprojeto de reforma do CPC, grupo comandado pelo ministro Luiz Fux, recém-indicado pela presidente Dilma Rousseff para integrar o Supremo Tribunal Federal. Agora,a proposta (PLS 166/2010) está sendo analisada pela Câmara dos Deputados.

O estabelecimento de ordem cronológica divide a comunidade jurídica. O presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), desembargador Antonio Cesar Siqueira, criticou, duramente, o projeto em relação à imposição de ordem cronológica. Ele comparou com o atendimento na emergência de um hospital, em que são distribuídas senhas para os pacientes que chegam ao local. O que está com a senha 2, por exemplo, está com um resfriado. Já o que está com a 38 está sofrendo um infarto. "Não se sabe de antemão quais são os casos", afirma.

O desembargador esclareceu que não está se referindo a cautelares. Ele afirmou que, mesmo entre casos específicos, há aqueles mais graves e menos urgentes e outros menos graves e mais urgentes.

Siqueira criticou o modo como as leis são feitas. "É comum, na administração pública, os administradores partirem do princípio de que há falcatrua." Ou seja, com o propósito de resolver problemas de demandas, lançam-se regras moralizadoras.

O desembargador afirma que, antes de assumir a presidência da Amaerj, o processo levava, em média, entre a entrada do recurso no gabinete até o julgamento, 12 dias. "É isso que importa", disse. "Criar regras como essa [da ordem cronológica] não melhora em nada. É preciso fazer com que o serviço público dê conta da demanda", conclui.

Para o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcanti Jr., a regra é democrática. Ele afirma que é o tipo de prática que deveria ser rotineira no Judiciário, com exceção de algumas hipóteses como, por exemplo, aquelas que envolvam perecimento de direito. "Não justifica quem entra agora, na Justiça, ter uma resposta antes de alguém que aguarda há 10 anos", disse.

Entretanto, afirma o presidente da OAB, para que tal regra tenha efetividade, é necessário um controle rígido das corregedorias. "É muito fácil de não ser aplicada", afirmou.

Acesso à pauta
O novo CPC também prevê que a lista de processos prontos para serem julgados deve ser disponibilizada em cartório para consulta pública. A divulgação da lista também foi incluída na proposta de resolução do conselheiro Bruno Dantas.

"Os feitos antigos devem ser inventariados por cada membro e órgãos de execução, e relacionados, segundo a ordem cronológica de distribuição, em lista contendo o número e o tipo do processo, o nome das partes e a data de sua respectiva conclusão", diz o artigo 2º do texto. Já os processos novos devem ser incluídos na relação. Os processos que estiverem em segredo de Justiça terão apenas as iniciais das partes na lista.

Controle da conclusão
O desembargador Antonio Cesar Siqueira afirmou que no Tribunal de Justiça do Rio há um sistema que permite ao TJ saber quais são os processos que estão conclusos, ou seja, prontos para julgamento, há mais de 30 dias. Além disso, sabe com quem estão tais processos.

O presidente da Conamp, César Mattar Jr., diz que no Ministério Público também há controle, mas: "Não posso precisar que todos tenham o controle". O MP do Pará — estado onde Mattar atua como promotor — possui o sistema mesmo com uma estrutura de menos de 350 membros. Ele acredita que em outras unidades também possuam até pela facilidade de ser tal sistema.

Clique aqui para ler a proposta de resolução.

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