Testemunha ocular

EUA reavaliam método de reconhecimento de suspeitos

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30 de dezembro de 2011, 6h05

O estado de Connecticut, nos EUA, vai reformular seus procedimentos de identificação de suspeitos – geralmente feitos por vítimas nas delegacias – depois da divulgação de uma série de estudos que demonstraram que reconhecer agressores e criminosos usando fotografias ou mesmo ao vivo pode dar margem para erros graves.

O semanário Connecticut Law Tribune publicou um artigo, no mês de dezembro, com o resultado de estudos recentes sobre os métodos de reconhecimento de suspeitos. De acordo com a publicação, pesquisas provaram que a diferença entre apresentar às vítimas as fotos de seus possíveis agressores todas de uma vez só, deixando-as na mesa para exame, por exemplo, ou mostrá-las uma a uma pode a levar a erros que resultam na condenação de inocentes.

Em Connecticut, o tema é mais sensível do que em qualquer outro estado americano, por conta do caso de James Tillman, que foi preso e condenado depois que uma vítima de estupro o identificou como o autor do crime. Ele era inocente. Quando o resultado do exame de DNA apontou o erro da Polícia e da vítima, Tillman já havia perdido 18 anos atrás das grades.

O caso chocou a população do estado e, desde então, inúmeros esforços têm sido empreendidos pelas autoridades e milhões de dólares foram gastos em estudos na área forense. Desde o caso de James Tillman, que veio a público em 2006, o aprimoramento da metodologia de reconhecimento de suspeitos se tornou uma prioridade para a Justiça de Connecticut. Uma força-tarefa foi organizada sob a supervisão da Assembleia Legislativa do estado.

Coube à Força-Tarefa para a Identificação por Testemunho Ocular (Eyewitness Identification Task Force) promover políticas e iniciativas para que o caso de James Tillman servisse de exemplo e não manchasse completamente a reputação da Justiça local. “ Sabemos agora que o método em uso, utilizado por tribunais e agentes da Justiça nos últimos 35 anos, tem levado a falhas no reconhecimento de suspeitos”, disse David Borden, juiz aposentado da Suprema Corte de Connecitcut e atual presidente da Força-Tarefa, ao Connecticut Law Tribune por ocasião da divulgação dos estudos.

Line up
De acordo com o juiz, 75% das anulações de sentenças na Justiça Penal ocorrem por conta de erros de identificação de suspeitos em todo os Estados Unidos. Os problemas não envolvem apenas fotografias, mas também a exibição dos suspeitos em um quarto de observação geralmente separado por um vidro. O suspeito é colocado em meio a cidadãos convocados aleatoriamente e não consegue enxergar a testemunha do outro lado do vidro, que é espelhado para ele. São os célebres line ups, popularizados por filmes policiais.

Depois de criar a força-tarefa, a Assembleia Legislativa também aprovou leis para aperfeiçoar tanto os métodos de exibição por fotografia quanto os line ups. O novo pacote de leis entra em vigor no estado no primeiro dia de 2012.

Uma das leis determina, por exemplo, que a vítima ou testemunha ocular não pode ser informada pelas autoridades sobre quem realmente é o suspeito ou quem é o principal suspeito. Outra das leis vai exigir que a testemunha seja comunicada que talvez o suspeito não esteja na relação de imagens ou presente no quarto de observação.

Será obrigatório também que, no caso de fotografias, haja pelo menos cinco fotos de não-suspeitos e, no caso de apresentação ao vivo, de pelo menos quatro cidadãos voluntários. E tudo terá que ser registrado por escrito, em detalhes e apresentado em relatório ao chefe de Polícia.

A força-tarefa é composta por legisladores, promotores, defensores públicos, acadêmicos de Direito, além de diversos profissionais da Justiça do estado. Os estudos demonstraram que uma mesma testemunha pode se confundir sobre quem é o agressor dependendo de como as imagens ou os suspeitos são exibidos. Os resultados também apontaram o comportamento dos agentes durante a apresentação de suspeitos como decisivo para que erros aconteçam.

Pessoa errada
De acordo com pesquisadores da Universidade de Iowa, vítimas são mais propensas a escolher alguém em apresentações simultâneas, mesmo que seja a pessoa errada. Enquanto que, em apresentações sequenciais, um a um, as testemunhas se mostram mais criteriosas. Em diversos outros estudos, apresentações sequenciais de suspeitos resultaram em menos “falsos positivos” do que em exibições simultâneas.

Representantes da força-tarefa pretendem propor, já na próxima sessão da Assembleia local, que deve ocorrer na primeira semana de janeiro, que os procedimentos atuais de identificação por fotografias ou por line up sejam substituidos por um novo método sequencial chamado “duplo-cego”, onde nem mesmo o agente policial ou a autoridade que conduzir a exibição possa estar ciente sobre quem realmente é o principal suspeito.

O juiz David Borden afirmou ainda ao Connecticut Law Tribune que a dificuldade para reformar o sistema sempre se deu por conta da resistência de promotores e policiais. Além de Connecitcut, a Suprema Corte de Nova Jersey determinou que tribunais estaduais revisem sempre as provas, evidências e identificações obtidas por meio de procedimentos de reconhecimento por testemunho ocular.

A exigência em Nova Jersey passou a vigorar depois que, no julgamento do processo “Estado de NJ contra Henderson”, foi apurado que policiais também faziam comentários sugestivos à testemunha ao orientar o procedimento de reconhecimento de suspeitos.

Quando o caso chegou à Suprema Corte de Nova Jersey, em 2010, a organização The Innocent Project, que atua para reverter condenações de inocentes na Justiça, produziu um relatório apontando as irregularidades no procedimento de reconhecimento do suspeito durante o caso Henderson. Na ocasião, a alta corte do estado chegou a recomendar, em casos futuros, a adoção de métodos sequenciais de exibição de suspeitos.

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