A notícia da absolvição

Condenação pela imprensa: perpétua e definitiva

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28 de dezembro de 2011, 11h26

[Artigo publicado nesta terça-feira (27/12) na seção Circo da Notícia do site Observatório da Imprensa]

William Melo de Souza foi sequestrado e torturado por integrantes do PCC, Primeiro Comando da Capital, organização que, de dentro dos presídios, comanda pelo menos parte do crime organizado em São Paulo. Sob tortura (já confirmada pelas investigações, e com os torturadores condenados pela Justiça), ele foi forçado a admitir que tinha cometido crime de pedofilia. Era o início do famoso Caso de Catanduva — mais uma vez, imprensa e Ministério Público com o mesmo propósito, de mostrar que o réu era culpado.

Como de hábito, os promotores deram aquele show de entrevistas, que jogaram a opinião pública contra William (e à defesa coube pouco mais que aquela tradicional frase, "seu advogado nega as acusações"). Ele ficou quase três anos preso. E foi absolvido. Nada de "falta de provas", coisas desse tipo: a Justiça o declarou inocente. E como foi que a imprensa noticiou a inocência do cavalheiro que, em seu noticiário anterior, era apontado como culpado, monstro, sem-vergonha, que teria abusado sexualmente de 36 crianças de no máximo 14 anos de idade?

Foi incrível: noticiou a absolvição repetindo as acusações. Num grande jornal de circulação nacional, o Ministério Público, amplamente derrotado no caso, foi ouvido de novo (e, procurando minimizar a notícia, disse que era coisa velha, já que a sentença tinha saído há quatro meses). Se a notícia fosse velha, continuaria verdadeira; mas a sentença saiu na mesma semana em que a matéria da absolvição foi publicada, sem que a reportagem se desse conta disso. E as acusações derrubadas pela Justiça foram repetidas, uma por uma, como se julgamento não tivesse havido.

Os meios de comunicação não quiseram divulgar a sentença (na nota abaixo, veja o motivo). Alegaram que o processo correu em segredo de Justiça. Mas após o julgamento não há mais segredo: quem procura acha. Clique aqui no endereço.

Bastava pesquisar um pouco. Ou pedir ao tribunal o endereço do acórdão.

Clamor público
"A voz rouca das ruas", "clamor público", "aquilo que o povo quer esta Casa acaba querendo", todos esses argumentos em favor da acusação costumam esquecer um caso clássico de clamor público, de voz rouca das ruas, que condenou um inocente à morte: o julgamento de Jesus Cristo. A imprensa insiste — apesar do Bar Bodega, apesar da Escola Base, apesar agora do caso William. Não dá para esquecer que só um jornal, o Diário Popular de São Paulo, dirigido por um jornalista de primeiríssimo time, o lendário Jorge de Miranda Jordão, se recusou a publicar os destampatórios falsos da Escola Base, que destruíram famílias, destruíram um empreendimento e prejudicaram reputações — para nada.

No caso William, o desembargador Pires Neto põe o tal "clamor público" no seu devido lugar:
"A repercussão provocada pela grande exposição dos fatos — repercussão orientada no sentido único da condenação — não pode servir como elemento de prova para base da acusação posta na denúncia e a condenação não pode ser decretada apenas em razão da gravidade das infrações imputadas, sendo indispensável que a prova da autoria venha apoiada em prova cabal e estreme de dúvidas (o clamor público não serve como prova dessa qualidade que se exige para fundamento da condenação, como é evidente)."

Sempre culpado
Coincidência boa: junto com a sentença de absolvição de William Melo de Souza, sai um livro interessantíssimo, Operação Hurricane. É a história da avalanche em que Ministério Público, policiais e imprensa desmontaram o desembargador José Eduardo Carreira Alvim e o levaram à prisão — com transmissão direta pela TV. Culpado ou inocente? A Justiça ainda não se manifestou: seu processo está parado desde 2007 no Supremo Tribunal Federal.

Carreira Alvim foi preso sob a acusação de receber propinas para autorizar o funcionamento de casas de bingo no Rio de Janeiro (garante que a acusação é inverídica). Informa, no livro, que sua vida foi investigada pela Polícia Federal e pelo Fisco, que nada teriam encontrado; mesmo assim, foi afastado do Tribunal Regional Federal e aposentado compulsoriamente. Cita o nome de um delegado federal, do procurador-geral da República na época, do hoje presidente do Supremo, ministro Cesar Peluso, e afirma que o objetivo de seus perseguidores era impedir que chegasse à Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. No livro, Carreira Alvim tem a possibilidade de se defender. Os meios de comunicação seguiram o tal "clamor público" e se juntaram às acusações contra ele.

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