Retrospectiva 2011

Justiça do Trabalho focou na efetividade da execução

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27 de dezembro de 2011, 10h32

ConJur
Spacca
Quando tomou posse da presidência do Tribunal Superior do Trabalho em 2 de março, o ministro João Oreste Dalazen elegeu como uma de suas metas o atacar a "elevadíssima e insuportável" taxa de congestionamento na fase de execução dos processos trabalhistas. Na ocasião, o ministro revelou que, de cada 100 trabalhadores que obtêm ganho de causa, apenas 31 conseguem vencer a fase de execução da decisão. Ou seja, 69% ganham, mas não levam.

O ministro também informou que o acervo na fase de execução, sem solução a vista, é de mais de dois milhões de processos. Dalazen passou o primeiro ano no comando do TST com esses números na cabeça e colocou em prática algumas ações para resolver o principal gargalo da Justiça do Trabalho.

De um lado, trabalhou firmemente junto ao Congresso Nacional para aprovar o projeto que se transformou na Lei 12.440/11, que criou a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) e instituiu a obrigação de as empresas que participam de licitações estarem em dia com o pagamento de suas dívidas trabalhistas. De outro, fez juízes e ministros arregaçarem as mangas e criou a Semana Nacional da Execução Trabalhista, dedicada a compor acordos para que empresas devedoras e trabalhadores credores acertem suas contas.

O presidente do TST acredita que essas duas ações conjugadas surtirão o efeito desejado, mas aposta mesmo na CNDT: "Eu diria que a certidão negativa é um meio de coerção indireto que certamente vai compelir milhares de empresas ao pagamento de suas dívidas junto à Justiça do Trabalho e, em consequência, dar maior efetividade à execução trabalhista."

Em entrevista à revista Consultor Jurídico para falar dos principais acontecimentos do ano de 2011 na Justiça do Trabalho, o ministro também falou entusiasmado sobre a implantação do Processo Judicial Eletrônico trabalhista e sobre a campanha de prevenção de acidentes de trabalho, entre outros temas.

Leia a entrevista: 

ConJur — A sanção da Lei 12.440/11, que criou a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), foi o ponto alto da Justiça do Trabalho em 2011?
João Oreste Dalazen Sim, mas não foi o único. Há, pelo menos, outros dois destaques em relação à atuação do Tribunal Superior do Trabalho. Um deles foi a audiência pública sobre terceirização, pela ampla repercussão e pelos desdobramentos que terá no plano interno e na jurisprudência do tribunal. O outro foi o lançamento do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho. Esse programa mobiliza hoje boa parte da opinião pública e se alastra com a realização de cursos, seminários e a distribuição de vídeos e de folders educativos. Muito brevemente, iremos ampliar a campanha de prevenção visando, em particular, a indústria da construção civil, que é onde se verifica o maior número de acidentes com vítimas fatais ou com sequelas muito graves e que, portanto, merece atenção especial. Estes foram os focos da atuação do TST em 2011.

ConJur — E quais os destaques em relação às outras instâncias da Justiça do Trabalho?
Dalazen O desenvolvimento e a implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJE), nacional e definitivo. Sua primeira versão foi implantada pioneiramente, com sucesso, na Vara do Trabalho da comarca de Navegantes (SC) e o desenvolvimento do processo eletrônico prossegue em relação à fase de primeiro e de segundo grau de jurisdição. Temos um calendário de difusão do sistema para 2012. O compromisso que firmamos com o Conselho Nacional de Justiça foi implantar o PJE em pelo menos 10% das comarcas de cada uma das 24 regiões da Justiça do Trabalho. Certamente cumpriremos esse compromisso. Mas a expectativa é superar a meta, além de implantar o PJE em muitos Tribunais Regionais do Trabalho. Isso porque não há como conceber a implantação do processo eletrônico só em primeiro grau quando se sabe que após a decisão de primeiro grau sobrevém a interposição de recursos. Seria inconcebível que esse recurso transitasse por meio físico depois da primeira instância. A meta em médio prazo é começar a implantar o processo eletrônico também no Tribunal Superior do Trabalho.

ConJur — A Justiça do Trabalho estará apta a emitir a CNDT a partir do dia 4 de janeiro, como prevê a lei?
Dalazen — Sim. Construímos um banco nacional de devedores trabalhistas, cuja base de dados é sediada no Tribunal Superior do Trabalho. Os 24 Tribunais Regionais estão engajados na alimentação dessa base de dados. Todos já transferiram, no todo ou em parte, os registros dos dados referentes aos processos na fase de execução. Os números parciais de que dispomos, até o dia 16 de dezembro, revelam que temos 1.446.173 processos já cadastrados. Foram 934. 614 devedores cadastrados no banco de dados até o último dia 16.

ConJur — Quase um milhão de devedores…
Dalazen Exato. E os números serão certamente maiores porque a partir de 19 de janeiro, no recesso, a alimentação do bando de dados se intensificou. Pouquíssimos tribunais não concluirão o cadastramento dos processos em fase de execução até o dia 3 de janeiro. E isso não acarretará qualquer prejuízo a qualquer das partes, porque se não houver o registro por falta de cadastramento a certidão será negativa.

ConJur — Há algum meio de as empresas consultarem se estão registradas no banco de devedores?
Dalazen Sim. Atendendo ao pedido de empresas e de entidades sindicais patronais, nós abrimos o banco nacional de devedores trabalhistas, em caráter precário e temporário, de 15 de dezembro a 3 de janeiro, para que qualquer empresa ou pessoa física possa consultar os dados ali registrados. Basta entrar no site do TST [www.tst.jus.br] e, com o número do CPF ou do CNPJ, ter acesso aos registros. Para dar uma medida da importância da certidão, apenas nos dois primeiros dias houve mais de 16 mil consultas ao banco de dados. Isso revela a preocupação de empresas com débitos contraídos e reconhecidos pela Justiça do Trabalho e o esforço que deve ser feito para quitar as dívidas. Tanto que nós determinamos que as Varas do Trabalho e os Tribunais Regionais, durante o recesso, funcionassem com um número maior de juízes e de servidores para que seja possibilitado o pagamento dos débitos trabalhistas e, principalmente, a exclusão do registro de devedores das empresas que quitarem suas dívidas. Considero a certidão negativa é um divisor de águas positivo na história da Justiça do Trabalho. Vai concorrer decisivamente para a efetividade da execução trabalhista e para o cumprimento espontâneo das obrigações trabalhistas pelas empresas, em particular as terceirizadas.

ConJur — O senhor acredita que a CNDT ajudará a reduzir a demanda na Justiça do Trabalho?
Dalazen Eu diria que a certidão negativa é um meio de coerção indireto que certamente vai compelir milhares de empresas ao pagamento de suas dívidas junto à Justiça do Trabalho e, em consequência, dar maior efetividade à execução trabalhista. 

ConJur — Só vai brigar na Justiça quem achar que tem direito? Quem usa a Justiça para adiar o cumprimento de uma obrigação não recorrerá mais?
Dalazen Exatamente. A certidão só prejudica os maus pagadores. O bom pagador age de duas formas: ou paga ou, quando não pode pagar, garante a dívida em juízo. Ele deposita o valor em juízo para discutir o débito quando acha que a dívida é inferior àquela que lhe está sendo cobrada. E as empresas que garantem a dívida em juízo já conseguem se precatar para participar de licitações, porque lhe serão expedidas certidões positivas com efeitos de negativas.

ConJur — O senhor afirmou que a CNDT vai fazer com que, principalmente, as empresas terceirizadas cumpram espontaneamente suas obrigações trabalhistas. A terceirização é uma das mais polêmicas discussão na Justiça do Trabalho, tanto que o TST fez, neste ano, uma audiência pública para discutir seus limites. O critério diferenciador entre atividade-fim e atividade-meio ainda é válido para distinguir a terceirização lícita da ilícita?
Dalazen Esse critério é questionado e questionável. É um critério muito controvertido, não há como negar. Mas, Winston Churchill disse certa vez que “a democracia é o pior dos governos, excetuados todos os demais”. O mesmo raciocínio se aplica para esse critério. Até agora, a maioria do TST não conseguiu chegar a uma solução melhor do que essa, a um critério que seja mais convincente ou satisfatório e que não implique a indesejável precarização das condições do trabalho. Essa é a solução que, embora não seja integralmente satisfatória, é a menos ruim porque permite certa margem de maleabilidade para concretamente reputar licita ou ilícita a terceirização.

ConJur — Há pelo menos dois projetos de lei no Congresso que estabelecem marcos regulatórios para a terceirização. É possível fixar balizas de forma genérica para a terceirização?
Dalazen — O tema é tormentoso. Mas é forçoso convir que todos aqueles que tenham comprometimento com a Justiça do Trabalho e com as razões históricas que ditaram o surgimento do Direito do Trabalho, e, portanto, com o princípio da proteção do trabalhador economicamente hipossuficiente, não considerarão razoáveis projetos que sejam como uma porta aberta, um sinal verde para as empresas terceirizarem seus serviços a seu sabor e a seu talante, sem nenhuma limitação. É necessário estabelecer limites, sim, em nome da dignidade da pessoa humana e da preservação do princípio da proteção que rege o Direito do Trabalho.

ConJur — Alguns ministros do TST e outros especialistas defendem que, no lugar de um marco legal genérico, seja feita uma regulamentação por setor econômico, de acordo com as especificidades de cada ramo. O que o senhor acha disso?
Dalazen É defensável, em tese, um disciplinamento por atividade econômica. Devo reconhecer que há determinadas atividades em que é mais aceitável e, sobretudo, é mais identificável o caráter eminentemente técnico, especializado, de determinados ofícios em que se conceberia com muito maior racionalidade a terceirização. Mas é forçoso convir que, do ponto de vista prático, isso é quase impossível. Imagine a quantidade de segmentos econômicos, de atividades econômicas que existem… Acho muito difícil do ponto de vista prático.

ConJur — A Justiça do Trabalho transformou a Semana Nacional da Conciliação na Semana Nacional da Execução Trabalhista. Qual foi o resultado prático?
Dalazen Um absoluto sucesso. Realizamos, por exemplo, um leilão nacional em que foram penhorados bens avaliados em mais de R$ 1,8 bilhão. Foram quase 30 mil audiências de conciliação na fase de execução, R$ 33 milhões arrecadados para o pagamento de dívidas trabalhistas e milhares de processos encerrados. Ou seja, milhares de credores poderão receber os seus créditos por conta dos acordos fechados. Os resultados foram extremamente auspiciosos e muito positivos, tanto que nós implantamos como política permanente da Justiça do Trabalho a Semana Nacional da Execução Trabalhista.

ConJur — Quando será a próxima?
Dalazen Todo mês de junho de cada ano, na primeira semana, será realizada a Semana Nacional da Execução Trabalhista. E a tendência é que seja feita cada vez mais, em menor espaço de tempo.

ConJur — Essa ação somada à chegada da CNDT fará com que a Justiça do Trabalho consiga atacar o seu maior gargalo, que é o congestionamento das execuções?
Dalazen Acredito que sim. Uma das metas da Justiça do Trabalho é a redução do número de processos na fase de execução em pelo menos de 10% do atual resíduo. Infelizmente, continuamos com o resíduo altíssimo. Até outubro de 2011, recebemos 723 mil novos processos na fase de execução. Conseguimos encerrar 690 mil. O que significa dizer que 33 mil novas execuções se agregaram ao resíduo de mais de dois milhões de execuções. Com a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas e a Semana Nacional da Execução, é de se esperar que esse número caia de forma bastante acentuada.

ConJur — Neste ano, o Congresso regulamentou o aviso prévio proporcional, como manda a Constituição. Com a nova lei, o empregado que pede demissão tem as mesmas obrigações do empregador que demite?
Dalazen A meu juízo, sim. O aviso prévio é uma obrigação que a lei previu para empregado e empregador. Até a entrada em vigor da nova lei, quando o aviso prévio era de 30 dias, ninguém discutia que o aviso prévio é um direito recíproco de empregado e empregador, e que a duração do aviso prévio também é, até em homenagem ao princípio da autonomia que deve nortear as relações jurídicas. A pior forma de injustiça é a desigualdade de tratamento na mesma situação. Eu diria que a duração do aviso prévio deve ser igual para o empregado e para o empregador.

ConJur — De acordo com dados do TST, o tribunal recebeu 206.113 novos processos em 2011 e julgou 204.690. Apesar de ter resolvido mais de 99% da demanda, o resíduo ainda cresce. O senhor não considera que um filtro como o princípio da transcendência, semelhante à repercussão geral no Supremo, seria interessante para o tribunal?
Dalazen Eu presidi a comissão que concluiu pela inconveniência da regulamentação da transcendência no Tribunal Superior do Trabalho. Apesar de ter examinado a questão com bastante isenção, com o ânimo de equacionar o problema do nosso acervo, que realmente é expressivo, percebi que é inviável, tecnicamente, a regulamentação da transcendência.

ConJur — Por quê?
Dalazen Primeiro, por conta da dificuldade de conceituação do que seja a transcendência do ponto de vista econômico, político ou social. Segundo, por conta da multiplicidade de temas que há em um único processo. A conjugação desses dois fatores, para mim, foi determinante para arquivarmos a ideia de regulamentar a transcendência. O entendimento foi acompanhado pela maioria do tribunal. Claro que, em tese, é muito sedutora a ideia de elegermos temas paradigmáticos e fixar as balizas da interpretação da legislação trabalhista, que é a função primordial do TST. Eu próprio me deixei simpatizar pela ideia, mas quando me aprofundei e pude identificar as dificuldades técnicas que haveria na implementação desse princípio, conclui que a ideia não é tão boa como pode parecer.

ConJur — Quais são essa dificuldades técnicas?
Dalazen Por exemplo, nos termos em que o princípio da transcendência está previsto, ele não obsta o exercício do direito do advogado sustentar oralmente em defesa do reconhecimento desse princípio em seu recurso.

ConJur — Ou seja, poderia se tornar um incidente processual…
Dalazen Sim. Aí começaram a surgir os problemas. Se disciplinássemos a transcendência no Recurso de Revista, nós elegeríamos as causas que deveríamos julgar. Mas esse juízo seria emitido em uma sessão pública. Ou seja, um julgamento para decidir pelo julgamento ou não de um recurso. Considerando esse aspecto, somado ao fato da multiplicidade de temas que há em cada recurso trabalhista com a dificuldade conceitual do que seja transcendência econômica, jurídica, social ou política, nos levou a concluir que, na prática, a ideia é inviável. E há mais: da decisão que nega a transcendência, cabe recurso. É mais fácil julgar o processo.

ConJur — Mas há algum outro filtro que poderia servir melhor ao TST?
Dalazen O que nós precisamos é de súmula vinculante para determinados temas. Porque o que se observa é certa resistência de alguns tribunais no acatamento da nossa jurisprudência.

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