Orgulho Profissional

Orgulho de cardeal espanhol era ser advogado do Estado

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22 de dezembro de 2011, 10h00

A história que transmito foi a mim contada por Manuel Rivero, abogado del Estado de la Abogacia de España, em uma visita que fiz à Procuradoria do Contencioso daquele país. Como advertência, devo alertar que o relato traz muitos sinais de veracidade.

Durante a visita me espantei com um grande quadro a óleo à cabeceira de uma mesa de reuniões, estampando a imponente figura de um cardeal católico, que desejei saber quem fora. Meu anfitrião, com orgulho insuspeito esclareceu tratar-se do Cardenal Herrera, que como tal exercera além da função nobre de abogado do Estado espanhol, também, a não menos admirada de cardenal.

Prontamente, contudo, fez-me saber um dos feitos que lhe é atribuído.

Conta-se que chamado a Roma por um Papa moribundo, que lhe balbuciava a revelação das humanas fragilidades de quem chega à beira da morte, prontamente respondera ao seu líder e superior católico.

O Papa lamentara: – Herrera, nosotros no somos nada.
Ao que o Cardenal teria, soberbo, respondido: – Usted no es nada; yo soy abogado del Estado.

Conta-se também que até hoje seu escore no concurso (oposiciones) para Abogado del Estado é a mais expressiva pontuação de todos os tempos, mantendo-se insuperada por cem anos em uma das provas mais difíceis para o acesso ao serviço público espanhol.

Ángel Herrera Oria nasceu em 19/12/1886, em Santander, no País Basco, filho de um montanhês de uma madrilenha, criado em um ambiente católico ao lado de outros quatorze irmãos, dos quais cinco também seguiram a carreira religiosa jesuíta. Sua formação jurídica se inicia em Valladolid, continua em Deusto e é concluída em Salamanca (1905).

Advogado do Estado tendo ingressado no terceiro cargo oferecido a concurso, em 1907, manteve-se apenas sete meses na Delegación de Hacienda de Burgos, pedido logo após o seu afastamento da função pública (excedencia), instituto existente até hoje naquele órgão estatal de advocacia. No ano de 1908 se transfere para Madri onde completa os estudos de Doutoramento em Direito e se licencia em Filosofia e Letras e inicia uma longa atividade política e jornalística de propaganda católica.

Entre os anos de 1908 e 1936 desenvolve a atividade de jornalista, propagandista católico, editor e professor. Inicialmente na Asociación Católica de Jóvenes Propagandistas, como seu presidente, depois fundam o diário católico El Debate, sob a direção de Herrera (1911-1933), onde, paralelamente cria a Escola de Jornalismo El Debate.

Sua atividade pública na política se inicia em 1920 com a fundação da Confederação dos Estudantes Católicos e com a organização em 1924 da Juventude Católica. Após a declaração da Segunda República espanhola (1931) Herrera cria o partido Acción Nacional, depois renomeado para Acción Popular, atividades associadas à criação do Instituto Social Obreiro e do Centro de Estudos Universitários (CEU), instituição de ensino superior até hoje existente. Reconhecida como força política de direita a Acción Popular teve Herrera como presidente e como candidato às Cortes Constituintes, sem contudo ter sido eleito, embora proclamasse bandeiras católicas de defesa da família, da propriedade e de simpatia à monarquia.

Em 1936 começa a carreira eclesiástica no Seminário São Carlos, na Suíça, ordenando-se sacerdote (1940) ; após exercer a função de sacerdote em Santander é nomeado bispo de Málaga (1947) recebendo o anel de bispo como presente de seus colegas Advogados de Estado. É finalmente elevado à função de cardeal (1965), retirando-se do sacerdócio aos setenta e cinco anos (1966).

Desenvolve ao longo da vida religiosa um intenso trabalho social, como a construção de casas para trabalhadores, construção de residências para padres recém ordenados, constrói também cerca de duzentas escolas-capelas rurais para a alfabetização de camponeses e chega a organizar projeto de reforma agrária, depois abandonado.

Mantém sua atividade educacional na Escola Social Sacerdotal e no Instituto Social Leão XIII que no ano 1950-1951 é reconhecido com a seção especializada da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Pontifícia de Salamanca.

Essa longa vida de asceta e de dedicação social não impede que se conte seu ato de orgulho frente a um Papa fragilizado pela proximidade da morte.

Uma outra versão da mesma história afirma que o Papa teria perquirido Herrera dizendo: – “Bueno Cardenal, yá ve usted … Al final no somos nada….”, ao que teria replicado o Cardenal Herrera: – “…bueno, Santidad, eso lo dirá por usted, porque yo soy abogado del Estado”.

Verdade ou não, entre a sua ordenação como sacerdote em 1940 e o sua retirada do sacerdócio (1966) faleceram os Papas Pio XII (1958) e João XXIII (1963), este último sucedido pelo Papa Paulo VI, precisamente aquele que ordenou Herrera cardeal em 22 de fevereiro de 1965.

Certo ou não, exagerado ou imodesto, o relato revela o sentimento de orgulho que acompanha a advocacia de Estado em suas atividades de zelo das coisas e dos negócios do Estado e, nestes tempos, o cumprimento das funções estatais de “viabilização da políticas públicas”.

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