Inovações do Projeto

Novo CPC só terá êxito se alterados serviços judiciários

Autor

  • Elpídio Donizetti

    é jurista professor e advogado. Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela elaboração do anteprojeto do novo CPC. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/MG. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino. Pós-Doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina. Fundador do Instituto Elpídio Donizetti e do Elpídio Donizetti Advogados.

20 de dezembro de 2011, 14h24

Depois de quase um século, os processualistas perceberam que o processo, embora autônomo, consiste em técnica de pacificação social, razão pela qual não pode se desvincular da ética nem de seus objetivos a serem cumpridos nos planos social, econômico e político (escopos metajurídicos). O direito processual, portanto, deve privilegiar a importância dos resultados da experiência dos jurisdicionados com o processo, valorizando a instrumentalidade deste – período de instrumentalismo (ou teleologia) do processo.

A evolução desse entendimento, principalmente em face da atual e saudável constitucionalização dos ramos do direito, defende o estudo do direito processual a partir de uma nova premissa metodológica, qual seja, a metodologia do neoconstitucionalismo (destacando-se a força normativa da Constituição e a concretização material dos Direitos fundamentais) – neoprocessualismo (“estudo do Direito Processual à luz do neoconstitucionalismo”).

Esse fenômeno da constitucionalização dos direitos e garantias processuais, além de retirar do Código de Processo a centralidade do ordenamento processual (descodificação), ressalta o caráter publicístico do processo; isto é, o processo distancia-se de uma conotação eminentemente privada, deixa de ser um mecanismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para realizar justiça (valor eminentemente social).

Hoje, o processo tutela uma ordem superior de princípios e valores que estão acima dos interesses controvertidos das partes, voltados à realização do bem comum (ordem pública). A preponderância do interesse público sobre os interesses privados conflitantes manifesta-se em diversos pontos da nova dogmática processual, resultando no grande número de princípios fundamentais do processo que hoje permeia o ordenamento jurídico brasileiro.

Tendo em vista a importância dos direitos fundamentais processuais para todo o sistema do processo (centralidade da constituição), o projeto do CPC positivou, nos seus primeiros dispositivos e de forma detalhada, os princípios processuais. Isso porque, consoante a nova ordem constitucional, um Código de Processo Civil deve ser prestar à concretização dos direitos fundamentais processuais; deve ser um esforço do legislador infraconstitucional para transformar o acesso à justiça em um direito a um processo justo (tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada).

Pode-se entender que a explicitação infraconstitucional dos direitos fundamentais processuais seja mera repetição inútil (tautologia). No entanto, essa reafirmação tem um importante significado (ainda que simbólico) ao disseminar para o ordenamento jurídico em geral o tratamento da legislação infraconstitucional como decorrente direta da Constituição. A positivação principiológica no novo CPC demonstra que todo e qualquer processo deve transitar pelos direitos fundamentais processuais previstos na Constituição, tornando-o um instrumento de participação democrática e promovendo decisões efetivamente apaziguadoras (processo justo).

Os princípios que constam do projeto do CPC foram escolhidos pela Comissão autora do Anteprojeto consoante os mais recentes movimentos de homogeneização do sistema processual, os chamados “princípios transnacionais de Direito Processual” (rol de princípios gerais elaborado por inúmeros processualistas de renome, que buscam adequá-los tanto ao sistema anglo-saxônico quanto ao romano-germânico, com o escopo de servir como modelo para uma possível harmonização e aproximação dos sistemas processuais).

Em consonância com princípio da verdade real, o projeto do CPC considerou, acima de tudo, os resultados práticos que seus efeitos podem gerar no contexto social, visando sempre seu escopo fundamental de pacificação.

Um dos aspectos dessa preocupação é a ênfase dada à possibilidade de as partes colocarem fim ao conflito pela via da conciliação e da mediação (arts. 144 a 153) – o projeto do CPC prevê, inclusive, a criação de um setor específico para promover conciliações e mediações (art. 144).[1]

Ademais, o projeto torna regra a realização de audiência para tentativa de acordo (via conciliação ou mediação) entre as partes antes mesmo de o réu apresentar contestação (art. 323). Além do autor (§ 4º) e do conciliador ou mediador (§ 1º), o réu deve comparecer a essa audiência, sob pena de sua ausência injustificada configurar ato atentatório à dignidade da justiça (§ 6º). Caso uma das partes comunique, com antecedência de dez dias, desinteresse em celebrar acordo, a audiência será cancelada (§ 5º). Realizada a audiência, se as partes transacionarem, o acordo será reduzido a termo e homologado por sentença; caso contrário, iniciará o prazo para contestação (art. 324).

Ora, não há dúvida de que as partes ficam muito mais satisfeitas quando a solução decorre diretamente delas, e não imposta um juiz.

Levando também em conta esse raciocínio, o projeto prevê a participação de amicus curiae (espontânea, solicitada pelas partes ou convocada de ofício), cuja manifestação certamente auxiliará ao juiz decidir de forma mais próxima à realidade das partes (art. 320). Essa possibilidade pode-se dar em qualquer fase do processo (inclusive na audiência de acordo) e grau de jurisdição, pois todas as decisões jurisdicionais devem proporcionar a presença do “amigo da corte” (não só a última).

A fim de simplificar o sistema processual, muitas alterações foram feitas pelo projeto do CPC, das quais passo a citar as que mais se destacam:

I) extinção de incidentes:

a) reconvenção: o réu pode formular pedido independentemente do expediente formal da reconvenção (art. 326) – o que era excepcional (pedido contraposto no procedimento sumário e ações possessórias) se torna regra;

b) impugnação ao valor da causa (art. 267: preliminar de contestação);

c) impugnação à concessão de assistência judiciária (art. 327, XIII: preliminar de contestação);

d) exceção de incompetência (arts. 64 e 327, II: as duas espécies de incompetência – absoluta e relativa – se tornaram preliminares de contestação);

e) ação declaratória incidental (inclusive a de falsidade de documento);

f) incidente de exibição de documentos;

g) exceção de suspeição (art. 126: alegação de impedimento ou suspeição se dá por meio de simples petição);

II) alteração nas formas de intervenção de terceiros: assistência, denunciação em garantia, chamamento ao processo e amicus curiae (arts. 314 a 321);

III) extinção de muitos procedimentos especiais: foram mantidos a ação de consignação em pagamento (arts. 524 a 534), a ação de exigir contas (arts. 535 a 539), as ações possessórias (arts. 540 a 553), a ação de divisão e demarcação de terras particulares (arts. 554 a 584), a ação de dissolução parcial de sociedade (arts. 585 a 595), inventário e partilha (arts. 596 a 659), embargos de terceiro (arts. 660 a 667), habilitação (arts. 668 a 673), restauração de autos (arts. 674 a 680), homologação de penhor legal (arts. 681 a 684); e foram excluídos o depósito, a anulação e substituição de títulos ao portador, o oferecer contas, a nunciação de obra nova, a usucapião, a venda a crédito com reserva de domínio e a ação monitória;

IV) extinção das cautelares nominadas (art. 276: basta demonstrar o fumus boni iuris e o periculum in mora para a concessão da providência cautelar pleiteada);

V) previsão de tutela à evidência (art. 278: concessão liminar da tutela independentemente do periculum in mora, nos casos em que inexiste razão para esperar);

VI) possibilidade de pedir tutela de urgência e à evidência antes mesmo do procedimento em que se pleiteia a providência principal (art. 269) e, não havendo resistência à liminar concedida, o juiz, depois de efetivá-la, extinguirá o processo, mantendo os efeitos da medida sem fazer coisa julgada (art. 281, § 2º); caso haja impugnação, o pedido principal será apresentado nos mesmos autos em que foi formulado o de urgência (art. 282, § 1º);


VII) o advogado pode promover, pelo correio (com aviso de recebimento), intimação do advogado da outra parte (art. 241, § 1º);

VIII) recebimento de todos recursos no efeito devolutivo, podendo o relator, a requerimento das partes, atribuir efeito suspensivo, se demonstrados os requisitos legais (art. 949);

IX) aumento do valor da condenação da Fazenda Pública para fins de reexame necessário (NCPC, art. 483, § 2º);

X) unificação de prazos de recurso para quinze dias (exceto embargos de declaração) – art. 948, § 1º;

XI) o juízo de admissibilidade de apelação, que continuará sendo interposta no 1º grau de jurisdição, será feito somente no 2º grau (suprime um agravo de instrumento) – art. 966;

XII) não há mais distinção entre praça e leilão (art. 835, § 2º), nem são mais necessárias duas hastas públicas (o bem pode ser alienado na primeira por valor inferior ao da avaliação, desde que o preço não seja vil – art. 841);

XIII) extinção dos embargos à arrematação (a ação anulatória tornou-se o único meio para o interessado impugná-la);

XIV) extinção do agravo retido e limitação do agravo de instrumento a hipóteses legalmente previstas (art. 969) – incidirá preclusão somente sobre essas hipóteses (as demais poderão ser impugnadas na apelação: o momento de julgamento será o mesmo, alterando-se o da impugnação);

XV) supressão dos embargos infringentes;

XVI) aproveitamento pleno do processo, devendo ser decididas todas as razões que podem levar ao provimento ou ao improvimento do recurso: o STF e o STJ, se acolher uma causa de pedir, deve (art. 988, caput e § 2º):

a) examinar todas as outras;

b) remeter os autos para o Tribunal de 2º grau para que decida as demais;

c) remeter os autos para o 1º grau, caso haja necessidade de produzir provas para decidir as demais questões;

XVII) caso o tribunal destinatário entenda que a competência seja de outro, cabe-lhe remeter os autos ao tribunal competente, inclusive no plano de STJ e STF (art. 988, § 1º);

XVIII) caso os embargos de declaração prequestionadores não sejam admitidos, considera-se o prequestionamento como havido (art. 979);

XIX) unificação dos critérios relativos ao fenômeno que gera a prevenção: a distribuição da inicial (art. 59), independentemente da coincidência de comarcas, considerando-se desde então a ação proposta (art. 43);

XX) explicitação das hipóteses de cabimento de ação rescisória e de ação anulatória, eliminando dúvidas como as sentenças homologatórias de mérito (art. 929);

XXI) diferenciação de litisconsórcio necessário de unitário (arts. 113 e 115);

XXII) inversão dos termos sucessão e substituição (arts. 107 a 111);

XXIII) criou-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 77 a 79);

XXIV) possibilidade de se exigir comprovação da necessidade de assistência judiciária (art. 99, § 1º);

XXV) contagem de prazos apenas em dias úteis (art. 186, caput) e suspensão do curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro (art. 187);

XXVI) distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 358);

XXVII) mecanismos de tratamento de demandas repetitivas (arts. 930 a 941);

XXVIII) valorização das decisões das instâncias ordinárias (arts. 506 a 508: executoriedade imediata – “cumprimento provisório da sentença condenatória em quantia certa”); entre outros.

O novo sistema processual quer permitir a cada processo, individualmente considerado, o maior rendimento possível. Nesse sentido foram feitas as seguintes mudanças:

I) estendeu-se a coisa julgada às questões prejudiciais (art. 490);

II) a possibilidade jurídica do pedido deixou de ser condição da ação (a sentença que no CPC vigente seria de carência de ação, no projeto do novo CPC será de improcedência, resolvendo definitivamente a controvérsia);

III) extinção do processo cautelar e manutenção da eficácia da medida de urgência (inclusive antecipatória de tutela) até que seja eventualmente impugnada pela parte contrária;

IV) concessão de poder para o juiz adaptar o procedimento às peculiaridades da causa (“poder de gestão de processos” – case management powers) – art. 118, V.

1.6 – Coesão legislativa

A elaboração do projeto levou em consideração a todo instante a necessidade de organizar as regras do processo civil brasileiro, a fim de dar mais coesão ao sistema.

A inclusão de uma Parte Geral é consequência dessa visão sistemática. O CPC vigente não tem Parte Geral porque em 1973 não havia uma desenvolvida teoria geral do processo. No projeto, o Livro I contém os princípios processuais e as regras gerais a respeito do funcionamento do sistema: princípios e garantias fundamentais do processo civil, aplicabilidade das normas processuais, limites da jurisdição brasileira, competência interna, normas de cooperação internacional, partes, litisconsórcio, procuradores, juiz e auxiliares da justiça, Ministério Público, atos processuais, provas, tutela de urgência e tutela à evidência e formação, suspensão e extinção do processo.

O Livro II refere-se ao processo de conhecimento, incluindo cumprimento de sentença e procedimentos especiais (contenciosos ou não), o Livro III cuida exclusivamente do processo de execução, o Livro IV disciplina processos nos Tribunais e os meios de impugnação de decisões judiciais e o Livro V trata das disposições finais e transitórias. Eliminou-se, como se vê, o Livro do Processo Cautelar, substituindo-o pelas disposições gerais da Parte Geral acerca da tutela de urgência.

Na medida do possível, aproveitaram-se todas as experiências válidas (avanços incorporados ao sistema processual) que deveriam ser conservadas, organizando-os e adequando-os ao novo paradigma constitucional.

2 – Emendas propostas pela Câmara dos Deputados

Foram apresentadas, até o momento[2], pela Câmara dos Deputados, 564 emendas (Emenda na Comissão – EMC). Muitas no sentido de simples melhoria no texto de determinados dispositivos, as quais, em sua maioria, procedem – principalmente tendo em vista que, como registrado na exposição de motivos do anteprojeto entregue ao senado pela comissão, “não se cultivou a obsessão em elaborar uma obra magistral, estética e tecnicamente perfeita, em detrimento de sua funcionalidade”.

No entanto, dentre as que tratam de conteúdo propriamente dito, algumas não são necessárias, como por exemplo:

a) EMC 1/2011: “Acrescenta nova disposição ao PL nº 8.046, de 2010, para prever o princípio da boa fé processual” – o princípio da boa-fé processual nada mais é do que uma das facetas dos princípios da cooperação (arts. 5º e 10º), da moralidade (art. 6º) e da lealdade processual (art. 8º), já previstos no projeto;

b) EMC 18/2011: quer suprimir o parágrafo único do art. 386, o qual dispõe que, “sendo necessário, pode o juiz adotar medidas coercitivas, inclusive de natureza pecuniária, para que o documento seja exibido” – a única sanção seria presumir os fatos como verdadeiros, mas, como a prática tem demonstrado, há casos em que a ausência do documento impede que essa presunção seja aplicada;

c) EMC 30/2011: quer manter o procedimento especial da ação monitória – não há necessidade, tendo em vista que a grande maioria entende que a apresentação de embargos torna a monitória simples ação de cobrança.

Vale lembrar que algumas emendas apresentadas são nitidamente decorrentes de lobby de grandes instituições financeiras, devendo tais propostas serem identificadas e sumariamente rechaçadas pela referida casa legislativa.

Isso não significa, no entanto, que todas as emendas não tenham valor. Ao contrário, algumas são de grande importância, como a EMC 16/2011, que inclui o § 3º ao artigo 797, estabelecendo que “as quantias em dinheiro deverão ser depositadas em instituição financeira autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil, em aplicações financeiras cujo lastro seja títulos da dívida pública da União”, uma vez que “a participação dos bancos particulares no segmento de depósitos judiciais fomenta a competição proporcionando maiores ganhos aos jurisdicionados e aos órgãos públicos contratantes”.[3]


3 – Há necessidade de um novo CPC?

Depois de toda essa exposição, fica a dúvida: há necessidade de um novo CPC? Não existe resposta correta a essa pergunta. Nada do que se diga ou se deixe de dizer conseguirá convencer, de forma absoluta, alguém com consciência crítica sobre a necessidade de uma nova legislação processual. Contudo, a fim de dar elementos para reflexão, passo a expor alguns pontos de extrema importância para a formação de opinião sobre o tema.

3.1 – Reformas pontuais e esgotamento desse modelo

O Código de Processo Civil atual (Lei 5.869/73) sofreu, ao longo desses quase 30 anos em vigência, importantes alterações para, sem perder as diretrizes fundamentais, adequá-lo às grandes mudanças que ocorreram em todos os planos durante esse período.

De fato, com o passar do tempo a experiência processual demonstrou que a disposição de determinado artigo se mostrava anacrônica, exigindo uma emenda renovadora – tendo em vista a morosa tramitação do Código Civil de 2002, o caminho mais fácil era editar leis sobre temas específicos, alterando pontos que exigiam urgente atualização. Essas alterações eram feitas com bastante estudo, rigor e cautela, introduzindo reformas extremamente necessárias, de modo a se dar mais funcionalidade ao processo civil, tornando mais efetivo o acesso à justiça lato sensu (concessão de tutela efetiva, célere e adequada). Chegou-se até mesmo em falar em “ondas renovatórias” para algumas alterações – como as realizadas em 1994 (generalização da tutela antecipada) e em 2005/2006 (implantação da fase de cumprimento de sentença).

Contudo, o que era feito “em bloco”, tornou-se muito esparso. Antes, as necessidades de reforma eram identificadas e depois pacientemente estudadas, demandando tempo capaz de reunir relevantes e moderadas alterações que, em conjunto, eram feitas no CPC. Na contramão desse procedimento assistimos, nos últimos anos, um alto número de inovações legislativas (somente em 2008 e 2009 foram 12 leis nesse sentido!) que, além de ganhar caráter banal e gerar insegurança jurídica, deu ao código vigente uma imagem de legislação defasada.

Não há dúvida de que a manutenção da frenquência de alterações que ocorreram nos últimos anos iria dificultar ainda mais a manutenção da harmonia da “colcha de retalhos” em que o processo civil se transformou.

Ganhou força, então, a vontade de um novo CPC, sendo criada uma Comissão para elaborar o anteprojeto (da qual tive o orgulho de participar). Posso afirmar que consideramos todas as experiências sofridas pelo processo civil ao longo dessas reformas pontuais, isto é, todos os desafios que os operadores do Direito superaram nos últimos anos não foram descartados (sem dúvida tivemos recentemente uma das maiores sagas interpretativas da história do direito processual!). As normas contidas no anteprojeto, portanto, não vieram de “lucubrações teóricas”: a ideia é trazer novas dinâmicas, mas, acima de tudo, evitar problemas. No entanto, tivemos apenas seis meses para prepará-lo, dando margens a imperfeições que o curto período de tempo não possibilitou sanar.

De qualquer modo, registre-se que a Comissão se preocupou constantemente em inserir no anteprojeto do CPC as mudanças substanciais que grande parte da comunidade jurídica (especialistas e operadores do Direito Processual) conclamava, as quais certamente serão muito bem vindas.

O projeto de CPC certamente contém excelentes benefícios para a nova ordem processual. Todavia, cabe-nos fazer uma advertência. A simples melhoria das normas processuais, por si só, não tem condições de tornar as tutelas jurisdicionais efetivas, céleres e adequadas. É um importante passo, sem dúvida, mas a solução da crise de resolução de demandas requer medidas mais contundentes. Esse problema, na realidade, decorre de inúmeros fatores existentes nos Poderes Públicos, principalmente em relação a (falta de) métodos e recursos de gestão pública.

Ora, atualmente é cada vez mais próximo o diálogo entre direito e administração – principalmente o direito processual, tendo em vista seu caráter instrumental. Deve haver, portanto, uma conscientização de que meras disposições normativas não são capazes de suprimir, por si só, as deficiências crônicas que permeiam o gerenciamento (administrativo e jurisdicional) do Poder Judiciário.

O novo Código de Processo Civil somente gerará os resultados pretendidos se houver, em conjunto à sua publicação, consideráveis alterações nos serviços judiciários. Essas mudanças devem ocorrer tanto em relação à gestão de pessoas (melhor seleção, preparação e distribuição de seus agentes), quanto no que se refere à adoção de técnicas de gestão pública (planejamento estratégico; metas factíveis/desafiadoras, e não irreais/desanimadoras; padronização de boas práticas; excelência na alocação de recursos; utilização de recursos tecnológicos disponíveis; transparência institucional; sustentabilidade; entre outros). Como se vê, o princípio da eficiência, em termos de gerenciamento administrativo e jurisdicional, trata-se de um ponto crucial para o acesso à justiça lato sensu.

O anteprojeto do CPC, na verdade, consiste em mero incentivo, uma simples contribuição técnica que nós juristas pudemos dar ao alcance do processo justo. A concessão de tutela efetiva, célere e adequada depende de esforço organizacional em todos os sentidos, de modo a concretizar a renovação que inspirou o CPC projetado.


 

[1] O projeto do CPC, em seu art. 145, diferencia conciliação (§ 1º: o terceiro sugere soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação das partes) de mediação (§ 2º: o terceiro auxilia as partes a entenderem as questões e os interesses em litígio sem opinar, de modo que elas identifiquem alternativas benéficas a todos).

[2] Artigo elaborado em 16/12/2011.

[3] No mesmo sentido é a EMC 25/2011.

Autores

  • é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, professor de Direito Processual Civil do IUNIB, doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa e membro da Comissão designada pelo Senado Federal para elaboração do Novo CPC.

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