Cooperação Internacional

Projeto pretende impor a empresas sanções penais

Autor

  • Antenor Madruga

    é sócio do FeldensMadruga Advogados doutor em Direito Internacional pela USP especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP e professor do Instituto Rio Branco.

14 de dezembro de 2011, 17h28

Spacca
O ainda recente projeto de lei que disciplina a responsabilidade "administrativa e civil" das pessoas jurídicas, de iniciativa do governo federal e em trâmite na Câmara dos Deputados (PL 6.826/2010), pretende habilitar o Estado a impor às empresas pesadas sanções pela prática de atos ilícitos contra a administração pública, tanto brasileira quanto estrangeira, estendendo também às pessoas jurídicas muitos dos comportamentos que o Direito Penal tipifica como crime quando praticados por pessoas físicas. Entre as sanções previstas no projeto encontra-se, inclusive, a pena de morte para a pessoa jurídica (“dissolução compulsória da pessoa jurídica” Artigo 19, III).

É louvável e tardia a iniciativa de ampliar a responsabilização das pessoas jurídicas por atos ilícitos praticados contra a administração pública, especialmente por aquelas condutas que a sociedade já considera tão graves a ponto de, quando praticadas por pessoas físicas, sujeitá-las ao duro regime do Direito Penal, cujas sanções são naturalmente mais graves que as consequências dos ilícitos meramente administrativos ou civis.

Sabemos que as corporações legalmente constituídas também praticam ou concorrem para a prática de condutas ilegais de elevado grau de ofensividade — tanto quanto os indivíduos. E o fazem institucionalmente, em comportamentos empresariais que podem não ser atribuíveis de modo isolado a determinado grupo de seus empregados, administradores ou representantes. Portanto, não se questiona a proposta de o Estado endurecer a repressão aos atos ilegais praticados contra a administração pública, obrigação, ademais, assumida com a comunidade internacional por meio da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Convenção da OCDE).

O que se coloca em dúvida é a opção de se castigar severamente a pessoa jurídica, impondo-lhe verdadeiras penas, sob o manto do Direito Civil ou Administrativo, longe do Direito Penal. Sem adentrar no mérito do debate acadêmico sobre a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica (ultrapassável, no limite, por simples alteração constitucional, como demonstra atualmente o direito penal ambiental), tem-se que o recurso à ameaça de castigos tão severos e vexatórios quanto os previstos no PL 6.826/2010 é próprio do Direito Penal. Ou seja, traveste-se de “administrativo e civil” aquilo que é penal. O fato de as pessoas jurídicas não poderem sofrer sanções privativas de liberdade não significa que, por meio de outras punições, não estejam sujeitas à força punitiva do Estado. Os que negam a responsabilidade penal da pessoa jurídica fundamentam-se no antigo princípio de que a sociedade não pode delinquir (societas deliquere non potest). Contudo, mesmo esses tradicionalistas não negariam que sanções como confisco de bens e dissolução compulsória da pessoa jurídica, além de outras, são, tecnicamente, próprias do Direito Penal.

Ao impor às pessoas jurídicas sanções típicas do Direito Penal, dando-lhes roupagem de punição civil ou administrativa, o PL 6.826/2010 nega-lhes, em consequência, os direitos e garantias que limitam e condicionam a aplicação do poder punitivo extremo do Estado. Pelo conteúdo desse projeto de lei, é importante que não convidem para o debate apenas civilistas e administrativistas. Chamem os criminalistas.

Autores

  • Brave

    é advogado, sócio do Barbosa Müssnich e Aragão; doutor em Direito Internacional pela USP; especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP; professor do Instituto Rio Branco.

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