Banco de injustiças

Site traz casos de aplicação da nova Lei de Drogas

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10 de dezembro de 2011, 7h52

O caso aconteceu na Bahia e quem conta é a defensora pública Soraia Lima. Uma senhora de 70 anos ficou presa por três meses sob a acusação de tráfico de drogas. A Lei de Drogas, que determina que as pessoas que são acusadas de tráfico devem aguardar o julgamento na prisão, motivou a preventiva. Mas, ao contrário do que se pode pensar, a idosa não era usuária nem traficante. A Polícia encontrou, na casa dela, 50 gramas de maconha e 12 pedras de crack que pertenciam ao seu filho.

O relato pode ser encontrado no site Banco de Injustiças, lançado nesta quarta-feira (7/12), por Pedro Abramovay, professor e pesquisador da FGV Direito Rio.

Por meio de depoimentos e casos reais, o mote do site é um só: a Lei de Drogas (Lei 11.343), de 2006, é inconstitucional. Na época de sua aprovação, em substituição à Lei de Drogas 6.368, de 1976, a legislação foi apoiada pelos setores mais progressistas da sociedade. A prática, no entanto, se mostrou bem menos humana e liberal, apontam os criadores da página. E mais: a legislação tem pontos inconstitucionais que criam injustiças quando aplicadas na prática. Daí o nome do site. O projeto também tem perfil no Twitter, o @BancoInjusticas.

A iniciativa é apoiada pela organização não-governamental Viva Rio e foi possível graças a um trabalho conjunto da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia e da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). De acordo com a entidade, o site procura duas coisas. Uma é fomentar a discussão do tema de drogas a partir da perspectiva da Justiça e outra é desmistificar a ideia de que hoje todos os presos por tráfico de drogas são ou violentos ou vinculados ao crime organizado, como o caso da senhora de 70 anos.

André Castro, presidente da Anadep, conta que quando a nova Lei de Drogas começou a ser discutida, esperava-se que ela fosse capaz de reduzir o grande encarceramento. Não foi o que aconteceu. A população carcerária ligada à aplicação dessa lei cresceu de forma brutal: em três anos, de 2007 a 2010, aumentou em 62,5%. O índice se refere a réus primários. E, em meio a tudo isso, aponta o defensor público, direitos constitucionais vêm sendo desrespeitados.

Um desses direitos diz respeito justamente à prisão preventiva. “Essa prisão viola a presunção de inocência e o contraditório”, explica Castro. Enquanto o primeiro determina que só depois de o processo ter sido julgado e a culpabilidade do réu ter sido demonstrada o Estado poderá aplicar uma pena, o segundo, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, manda que o acusado tem o direito de se pronunciar.

“Não se trata apenas de um problema de aplicação da lei pelo juiz. As brechas da Lei de Drogas têm importância para todo o desdobramento do processo. Elas permitem um enquadramento amplo, que pode estar equivocado”, reiterou o presidente da entidade.

O idealizador do projeto, o criminalista Pedro Abramovay, toca em outro ponto. “No caso das drogas, a ideologia fica mais forte que o Direito e muitas garantias são deixadas de lado”, opina. Ele também chega à mesma constatação: a lei atual gera mais encarceramento. “Temos estatísticas, mas precisamos olhar também para os fatos reais e sensibilizar as pessoas.”

Assim como André Castro, Abramovay insiste que a lei dá margem para erros. “Se o policial diz que é tráfico, a pessoa é condenada pela prática, quando às vezes é só usuária”, conta. A conceituação do crime de tráfico se dá por meio de 18 verbos: “importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Outra inconstitucionalidade, aponta Abramovay, é a vedação para as penas alternativas. Ele já foi secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Como noticiou a Consultor Jurídico, indicado para assumir a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, foi desconvidado depois de defender em entrevista à imprensa a aplicação de penas alternativas para pequenos traficantes. O desconvite teria partido da própria presidente Dilma Rousseff, que defende posição contrária.

De acordo com ele, apesar de a Justiça Federal — a quem compete processar crimes como tráfico — dizer que não, a recusa na aplicação de penas alternativas já foi considerada inconstitucional pelo Superior Tribunal de Justiça. "Mas foi em um caso concreto." A Anadep estuda a possibilidade de apresentar uma ADI questionando a constitucionalidade da lei.

O criminalista critica também o fato de policiais entrarem, em 17% dos casos, na casa das pessoas sem mandado judicial. "Em qualquer outro caso, já que as provas são ilícitas, a operação toda seria anulada", diz. "A lei é pouco clara e o policial adota seus próprios critérios", acrescenta.

O advogado Marco Aurélio Florêncio Filho, que é professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, conta que a princípio, quando da redação da Lei de Drogas, chegou-se a discutir até a descriminalização do consumo. "Hoje, passados cinco anos, o aplicador da norma fica sem critério para enquadrar a conduta, tendo que se ater à advertência ou à pena de tráfico", aponta.

Ainda de acordo com o professor, antes da nova lei, o consumo era considerado como um crime de menor potencial ofensivo. Na prática, o condenado poderia se beneficiar da suspensão condicional do processo, da transação e de penas alternativas. Agora não mais.

Além disso, a pena prevista na Lei de Drogas, conta, é uma exceção. "Nela", explica o advogado, "a restritiva de direito é a própria pena prevista. Não é substitutiva", diz. "A lei acaba punindo duas vezes o usuário. Ele precisa de tratamento, não de punião. Eu nem falo em ressocialização, mas sim em socialização. Os traficantes estão à margem da sociedade", opina.

A inconstitucionalidade da Lei de Drogas, acredita Florêncio Filho, está no artigo 44, que estabelece que os crimes "são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos". Segundo ele, "isso viola a individualização da pena. Esse foi, inclusive, o motivo que levou à inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos, que impedia a progressão de regime".

O professor também critica, com base na ADI 3.112-1, que questionou o Estatuto do Desarmamento, a falta de fundamentação para a não concessão de liberdade provisória ao acusado. "Essa insuscetibilidade viola a presunção de inocência e a necessidade constitucional de fundamentação das decisões judiciais. Retira do magistrado a possibilidade de fundamentação", explica. "Acredito como urgente a apresentação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a Lei de Drogas", finaliza.

Penas mais fortes
Também nesta semana, a Câmara dos Deputados divulgou relatório da Cedroga sobre o assunto. O grupo estuda a implementação de políticas públicas e de Projetos de Lei destinados a combater e prevenir os efeitos do crack e de outras drogas ilícitas. Propostas para Políticas Públicas sobre Drogas no Brasil tem 346 páginas e uma proposta forte: aumentar a pena para traficantes, que hoje é de cinco a 15 anos.

Ao comentar o documento, Abramovay diz que é preciso foco. "Já ficou provado que o aumento do número de presos não diminui nem o consumo nem a violência. É impossível erradicar a venda. O que podemos fazer é reduzir a violência", acredita.

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