Pensando Direito

Pesquisas analisam processo legislativo brasileiro

Autor

10 de dezembro de 2011, 16h39

Já estão disponíveis as novas pesquisas realizadas no projeto Pensando Direito, do Ministério da Justiça. Os estudos abordam diversos aspectos da legislação brasileira, como a tramitação e o conteúdo de projetos de leis em matéria penal apresentados ao Congresso Nacional nos últimos 20 anos. Outra pesquisa analisou como tem sido a aplicação de medidas de segurança, sanção penal aplicável aos inimputáveis ou semi-imputáveis por motivo de transtorno, doença ou deficiência mental.

O secretário de Assuntos Legislativos, Marivaldo Pereira, explica que as pesquisas são fontes de novas ideias e subsidiam a definição de políticas públicas do governo. “No Congresso Nacional, por exemplo, estão em curso uma série de discussões importantes para se corrigir problemas do dia a dia dos brasileiros e as pesquisas trazem diagnósticos, dados e sugestões que enriquecem e aprimoram esses debates”.

Os grupos de pesquisadores que desenvolveram os estudos foram selecionados por meio de edital público do projeto Pensando o Direito, iniciativa realizada pela Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

O objetivo é contribuir para o trabalho da Secretaria, que analisa projetos de leis em tramitação e propõe novos textos normativos. O Pensando o Direito é também uma forma de democratizar o processo legislativo, permitindo a participação de novos atores na discussão sobre a política legislativa do país.

Desde o início, em 2007, já investiu R$ 6,1 milhões no desenvolvimento de mais de 40 estudos, que envolveram cerca de 30 instituições de todo país. Em abril deste ano, a iniciativa foi premiada no 15º Concurso de Inovação na Gestão Pública Federal da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), em conjunto com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).

As pesquisas, ainda que pautadas por temas previamente definidos pela SAL, são desenvolvidas com plena autonomia acadêmica e seus resultados representam a opinião de seus autores e não a do Ministério da Justiça. Veja a seguir o resumo dos volumes do Pensando o Direito lançados neste ano.

Análise das Justificativas para a Produção de Normas Penais (Volume 32)
Escola de Direito de São Paulo (FGV/SP).
Coordenadora: Maíra Rocha Machado.

A pesquisa analisou 100 projetos de lei que tramitaram na Câmara dos Deputados
entre 1988 e 2006, com o objetivo de conhecer mais sobre o conteúdo das propostas e as justificativas apresentadas. Nos 100 projetos de lei analisados, o estudo encontrou 531 propostas de criação de novos crimes e 837 referentes à criação de alguma punição (fosse por meio de prisão, multa ou outra forma de sanção). Nenhuma proposta sugeria a descriminalização de condutas e ou a despenalização.

Os pesquisadores entenderam que os dados do estudo confirmam a hipótese de que as propostas legislativas são majoritariamente voltadas para o aumento de penas prisionais. Proposições que contemplem medidas alternativas ou multas são praticamente inexistentes.

Coordenação do Sistema de Controle da Administração Pública Federal (Volume 33)
Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP-FGV).
Coordenadora: Maria Rita Garcia Loureiro.

Trata-se de análise do funcionamento e da relação entre o Tribunal de Contas da União e a Secretaria Federal de Controle Interno da Controladoria Geral da União (SFCI-CGU) – que são, respectivamente, o órgão de controle externo e o de controle interno do Poder Executivo Federal –, além do Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União, por serem órgãos com participação nos processos de controle sobre a gestão pública.

Entre as conclusões da pesquisa, está a constatação de que o sistema de controles da administração pública federal, no Brasil, é caracterizado pela multiplicidade e diversidade de órgãos e ações. Tal fragmentação foi considerada pelos pesquisadores positiva do ponto de vista democrático, por distribuir atribuições entre diferentes instituições, sem que haja, necessariamente, sobreposições de funções. O modelo brasileiro, contudo, lança alguns desafios, como a necessidade de coordenação entre os mecanismos e órgãos existentes. Para que haja maior eficiência e efetividade no controle dos atos do Executivo, as ações de fiscalização, auditoria, investigação etc demandam mais um esforço de coordenação, do que uma revisão legislativa sobre suas atribuições.

Improbidade Administrativa (Volume 34)
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP).
Coordenadores: Paulo Eduardo Alves da Silva e Susana Henriques da Costa.

A Lei 8.429/1992 regulamenta o princípio constitucional da legalidade, impessoalidade e moralidade na administração pública. A lei estabelece que os atos de improbidade administrativa, que ocorrem quando um agente público fere tais princípios, acarretarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível.

Por meio de análise de jurisprudência, direito comparado e realização de grupos de discussão, a pesquisa analisou a aplicação da improbidade administrativa em decisões judiciais entre 2005 e 2010.

A pesquisa indicou pontos a serem aprimorados para fortalecer o combate a irregularidades no exercício da função pública. Segundo os pesquisadores, seria importante, por exemplo, incentivar a delação e ampliar prazos prescricionais.

Medidas de Segurança (Volume 35)
Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis).
Coordenadoras: Debora Diniz e Janaína Penalva.

A pesquisa analisou a execução das medidas de segurança, a sanção penal aplicável aos inimputáveis ou semi-imputáveis por motivo de transtorno, doença ou deficiência mental, de acordo com o Código Penal Brasileiro de 1940. O estudo buscou analisar esse tipo de sanção à luz das diretrizes da Reforma Psiquiátrica, presentes na Lei 10.216 de 2001. Ela estabelece que a atenção psiquiátrica deve ser estruturada de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, assistência social, apoio psicológico e ocupacional, além de lazer.

O estudo incluiu os estados da Bahia, de Minas Gerais e de Goiás, incluindo análise do perfil dos delitos e das pessoas hoje submetidas às medidas de segurança.
Foi identificado, por exemplo, que a maioria dessa população são pessoas negras ou pardas e têm baixa escolaridade (51% são analfabetos). A pesquisa também revela que 85% da população submetidas a medidas de segurança não têm internação anterior.

Trata-se, portanto, de uma população sem histórico penal. Quanto ao tempo de internação, cerca de 25% estão há mais de 15 anos excluídas do livre convívio social, o que é considerado longo tempo de internação. Aproximadamente 10% estão há mais de 30 anos internados, período máximo permitido no entendimento do STF.

Propriedade intelectual e conhecimentos tradicionais (Volume 36)
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).
Coordenador: José Rodrigo Rodrigues.

A pesquisa abordou as formas possíveis pelas quais as normas jurídicas podem reger a relação envolvida na exploração comercial de conhecimentos tradicionais, como as práticas culturais de comunidades indígenas e agricultoras. É o caso, por exemplo, de pesquisas em biotecnologia e a utilização de conhecimentos tradicionais para fins econômicos por empresas multinacionais (especialmente nos setores alimentício e farmacêutico). Essa relação gera demandas de parte da sociedade civil, tanto por repartição de benefícios entre empresas e comunidades quanto pela preservação das práticas tradicionais dessas comunidades.

O desafio para a regulação dessas relações é um modelo que seja capaz de favorecer a pesquisa e o uso comercial de saberes, mas que, ao mesmo tempo, respeite os interesses e os direitos das comunidades tradicionais, de maneira não tutelar e não subordinada.

Com o objetivo da pesquisa foi avaliar e encaminhar soluções para essa questão, os pesquisadores investigaram os principais casos judiciais sobre o tema, levantaram e discutiram mecanismos institucionais possíveis. O resultado, além de destacar, detalhar e prever possíveis impactos dos desenhos normativos possíveis para tais relações, inclui a sistematização de grande quantidade de dados sobre o tema, antes dispersos. Destaque-se a análise da questão da representação dentro das comunidades tradicionais e a proposta de distinguir com mais clareza os momentos do consentimento prévio para a prospecção e, principalmente, do aspecto da repartição dos benefícios.

Dano Moral (Volume 37)
Escola de Direito de São Paulo (FGV/SP).
Coordenadora: Flavia Portella Püschel.

O estudo buscou responder se há segurança jurídica no sistema atual de cálculo de danos morais no Brasil, ou seja, se o Poder Judiciário costuma conceder arbitrariamente altas indenizações a título de dano moral. Para isso, foi analisada a jurisprudência de decisões de 15 Tribunais de Justiças Estadual, Federal e do Trabalho de várias regiões do país. Foram observados os critérios adotados para o reconhecimento de dano moral, valores fixados e perfil socioeconômico das vítimas e dos acusados. Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que buscam preestabelecer o valor das reparações sobre o tema, também foram objetos da pesquisa. Tais propostas são polêmicas, tanto no que se refere à sua adequação, quanto à sua constitucionalidade.

A pesquisa identificou que a margem dos valores estipulados para as indenizações é pequena nas diferentes decisões e que os montantes são relativamente baixos – poucos casos ultrapassam R$ 100 mil. A pesquisa conclui, portanto, que a chamada indústria de reparações milionárias não é uma realidade no Brasil, de modo que a intervenção legislativa para a limitação e/ou padronização de valores (tabelamento de pisos e tetos) seria desnecessária.

Outra constatação, no entanto, foi a da ausência de critérios legais para o cálculo do valor da reparação por danos morais. Em razão disso, uma intervenção legislativa possível seria no sentido de estabelecer critérios mais claros.
O Desenho de Sistemas de Resolução Alternativa de Disputas para Conflitos de

Interesse Público (Volume 38)
Escola de Direito de São Paulo (FGV/SP).
Coordenadoras: Daniela Monteiro Gabbay e Luciana Gross Cunha.

O grupo de pesquisa mapeou e analisou casos brasileiros que envolvem direitos coletivos e conflitos de interesse público. O objetivo foi pensar um Desenho de Sistemas de Resolução Alternativa de Disputas para conflitos de interesse público (aqueles que envolvam a Administração Pública, que tenham por objeto um interesse público, social ou coletivo, ou que busquem no Judiciário tutela coletiva). Em outras palavras, como seria possível instituir um modelo extrajudicial de solução de conflitos envolvendo a Administração Pública.

Foram usados como estudos de caso as experiências envolvendo a criação de câmaras indenizatórias em acidentes aéreos: a Câmara de Indenização Voo 3054, criada em decorrência do acidente aéreo com o vôo Tam 3054; e o Programa de Indenização 447, originado com o acidente do vôo Air France.

Ambas são fruto de iniciativa do Ministério da Justiça juntamente com as companhias aéreas, suas seguradoras, órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e do Sistema de Justiça, além dos próprios familiares das vítimas. Esses atores construíram um sistema com o intuito de fixar e pagar indenizações coletivas, por meio de um modelo eficiente e menos custoso (o que inclui também os custos de transação), além da redução dos desgastes emocionais e psicológicos das partes e do seu maior controle e satisfação sobre o processo e o resultado das indenizações.

Foi constatado pelos pesquisadores que, atualmente, há uma série de “desincentivos” à resolução extrajudicial de conflitos por parte da Administração Pública, como excesso de burocracia a até mesmo falta de clareza sobre a extensão do conceito de interesse público. Foram sugeridas pela pesquisa proposições normativas para incentivar a Administração a considerar o desenho extrajudicial de solução de conflitos como uma alternativa viável.

Regime Jurídico dos Bens da União (Volume 39)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Coordenadores: Nelson Saule Júnior e Daniela Campos Libório di Sarno.
Em 2010, a Lei de Terras Devolutas, primeira lei brasileira sobre propriedade fundiária, completa 160 anos e, até hoje, muito pouco foi estudado sobre bens públicos e a gestão do patrimônio da União. O art. 20 da Constituição Federal trata especialmente dos bens imóveis da União e, de modo complementar, uma série de leis esparsas regulam a matéria. Por meio de estudos de casos e análise legislativa, a pesquisa discutiu a identificação, a delimitação e a gestão dos bens da União.

O foco foi avaliar como o regime jurídico dos bens imóveis da União tem viabilizado o desenvolvimento econômico, o equilíbrio ambiental, a inclusão socioterritorial, a redução das desigualdades regionais e o fomento ao desenvolvimento sustentável. Também foi observado como se dá a competência dos entes federados na implementação de políticas públicas na área.

A partir do diagnóstico, a pesquisa concluiu que as legislações existentes sobre os bens imóveis da União estão adequadas para a realização de tais princípios e objetivos, não sendo necessária uma revisão geral dessas legislações. Cabe, sim, a consolidação para se estabelecer um sistema padronizado de interpretação dessas normas, o que contribuiria para potencializar o desenvolvimento das políticas públicas nessa área. Outra medida recomendada pelos pesquisadores foi o fortalecimento institucional do órgão responsável pela gestão do patrimônio público (Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SPU/MP) atribuindo-lhe também a coordenação da articulação política institucional sobre o tema.

Repercussão Geral e o Sistema Brasileiro de Precedentes (Volume 40)
Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP).
Coordenadores: Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza.

A Repercussão Geral foi instituída em 2004 pela Emenda Constitucional n. 45, conhecida como “Reforma do Judiciário”. Trata-se de um mecanismo para diminuir o número de processos apreciados pelo STF e, assim, conferir mais celeridade à justiça. Com a mudança, para que determinado caso seja examinado pelo Supremo, passa a ser exigido que seu conteúdo, além de constitucional, tenha relevância jurídica, política, econômica ou social. Se houver, o mérito da questão é analisado e a decisão passa a valer para outras situações idênticas. A pesquisa realizou análise de jurisprudência de 2004 a 2010 para saber os critérios adotados para o reconhecimento da existência e da inexistência de repercussão geral e discutiu o desenho de propostas de ajustes procedimentais, com vistas a melhorar a utilização do novo instrumento.

Nessa análise, foi identificado que há matérias em que o Judiciário, proporcionalmente, reconheceu mais casos com repercussão geral: direito penal, processual penal e tributário. Os principais critérios usados pelos ministros para afirmar a existência ou não de repercussão geral de uma questão discutida são o número de pessoas e o número de processos judiciais afetados.

Segundo a pesquisa, é preciso que o STF defina, de forma mais clara, a qual é a questão constitucional alvo da repercussão geral. A falta de clareza dificulta que a decisão possa ser aplicada para casos similares, uma vez que não se identifica exatamente sobre qual aspecto constitucional aquela decisão do Supremo foi proferida. Outro ponto que pode aumentar a eficiência do instituto é uniformizar o procedimento e o critério para a seleção dos recursos que devem ser remetidos pelos tribunais ao STF. Com informações da Assessoria de Imprensa do Ministério da Justiça.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!