Inúmeras as hipóteses de julgamentos emblemáticos, diante das modificações introduzidas pela Constituição Federal e pelos costumes, capazes de trazer o núcleo familiar para uma nova definição que afasta a figura do pater como seu condutor exclusivo, a mulher da submissão mais abjeta e os filhos da dependência econômica e do silêncio perante agressões físicas e morais. Cria-se o Estatuto das Famílias, surge a família mosaico, o Estatuto da Diversidade Sexual, a todos garantida a dignidade da pessoa humana.
Nada obstante a desnecessidade de algumas leis, para as quais bastaria a interpretação sistemática da própria Carta Magna, outros fenômenos invadem diariamente as emissões televisivas e as redes sociais, obrigando os lidadores do Direito a uma constante atualização de conceitos. Existe hoje crescente exigência por políticas públicas voltadas à Família e ao reconhecimento do mínimo existencial, capaz de garantir a dignidade da pessoa humana. Sob este aspecto são esclarecedoras as lições de Ricardo Lobo Torres (Direito ao mínimo existencial, Renovar/2009), de Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, (Controle Jurisdicional de Políticas Públicas, Forense/2011). Por outro lado, avolumam-se exemplos de retrocesso social (na lição de Ingo Wolfgang Sarlet – v. especialmente Rev. TST, vol. 75, n. 3, jul/set -2009), instituto que impede seja negada a aplicação a leis ou acórdãos paradigmas que se afastem das normas ou princípios constitucionais. Aceitos pelas Cortes Superiores (RE/STF 482.611/SC – Rel. ministro Celso De Mello, j. em 23/3/2010; RE/STJ n. 1.185.474/SC, Rel. ministro Humberto Martins, j. em 29/4/2010), examinada a figura da reserva do possível, com intervenção dos Poderes Legislativo e Executivo, no sentido de inexistência ou precariedade de verbas ou de previsão orçamentária.
Por fim, não há como deixar de recorrer às notícias estampadas diariamente pela mídia ou à criação de projetos, leis, regulamentos, provimentos, que busquem ampliar a proteção à dignidade da pessoa humana.
1. Acórdãos e leis emblemáticas
1. Paradigmáticas se revelam as decisões que aplicam a EC/66 do Divórcio e suas consequências, especialmente a decretação e prosseguimento, nos mesmos autos, da discussão e solução referente a assuntos pendentes, através de capítulos de sentença (Ag.I. 990.10.357301- 8ª CDP, v.u. j. em 10/X/2010). Extirpada a culpa na separação, diante da Emenda Constitucional do Divórcio, a discussão deixa de interferir na imediata decretação deste e passa a formar um dos capítulos da sentença, discutida nos próprios autos, em momento posterior ou, se o caso, na esfera civil. Desta forma, as discussões restantes: guarda e visitas aos filhos, alimentos, sobrenome, bem como a questão patrimonial, devem ser resolvidas, conforme ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco, em “cisão da sentença em partes, ou capítulos, em vista da utilidade que o estudioso tenha em mente. É lícito: a) fazer somente a repartição dos preceitos contidos no decisório, referentes às diversas pretensões que compõem o mérito; b) separar, sempre no âmbito do decisório sentencial, capítulos referentes aos pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito e capítulos que contêm esse próprio julgamento; c) isolar capítulos segundo os diversos fundamentos da decisão” (Capítulos de Sentença. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, p. 12). Por outro lado, a reserva por consciência religiosa preserva a figura da separação de corpos, como exceção, à permanência do vínculo conjugal. Mencionada a atividade dos delegados extrajudiciais nos casos de inexistência de litígio e sem a presença de filhos menores ou incapacitados.
2. É vinculante a decisão do STF, na ADPF n. 132 e da ADI n. 4277, Rel. ministro Ayres Britto ao reconhecer a união estável homoafetiva por votação unânime, em e objeto de reafirmação aos juízes brasileiros, através do Ofício 81, do Presidente, ministro Cezar Peluso, de 9 de maio de 2011: “Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafeitiva”. Desta forma, a não aplicação de acórdão de caráter vinculante, poderá implicar na imediata Reclamação, perante a Corte Suprema por se constituir em evidente retrocesso social, inclusive quanto à conversão em casamento. Por fim, este reconhecimento revê a discriminação da Lei Maria da Penha, devendo ser aplicada indistintamente para homens e mulheres, por agressões no âmbito familiar ou de convívio. Decisões esparsas admitem o casamento na esfera extrajudicial, inclusive com publicação de proclamas (PE); inclusive o STJ (REsp 1183378), enquanto muitos magistrados o continuam negando.
3. Projeto de Lei que pretende lançar o nome do devedor de alimentos no Cadastro Geral de Devedores (Serasa, Associação Comercial), desde 2007, apresentado ao Senador Eduardo Suplicy e convertido no atual n. 799/11, do Deputado Paulo Abi-Ackel, ampliam a proteção ao alimentando, como expressão da garantia da dignidade da pessoa humana. Existe ainda, apresentado à Corregedoria Geral da Justiça, pela Coordenadoria de Estudos, Planejamento e Acompanhamento de Projetos Legislativos do TJSP, Projeto de Provimento, a exemplo do que já ocorre em Goiás e Pernambuco, a partir do protesto do título judicial. (v. Ag. I. n. 0426626-45.2010.8.26.000 – TJSP, j. em 4/5/2011).
4. Proposta no sentido da regularização do Registro Civil da União Estável Homoafetiva é objeto de PL apresentado pela Coordenadoria de Assuntos de Família e Sucessões da OAB/SP.
5. Projeto de Resolução foi apresentado ao Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, para efetivar Registro Histórico do Nascimento, em Livro Classificador, visando regularizar o parto anônimo. Proteção ao recém nascido, adotado, produto de inseminação assistida ou colocado em risco de morte. Evitando-se, desta forma, a situação da França, em 2009, com mais de 400.000 pedidos de busca pela verdadeira origem do nascimento.
6. Retrocesso Social na guarda compartilhada por omitir a lei a fixação do domicílio da criança ou do adolescente e dos juízes que se recusam a intervir quando há litígio, o que pode agravar situação de alienação parental – conforme determinação de acórdão na Ap. Civ. TJSP, n. 581.970-4/9-00, j. 12/11/08.
7. Retrocesso Social na alienação parental – penas mais duras, prisão ou internação do alienador, diante do acerbado grau de dolo, a caracterizar tortura; aplicação de tornozeleira eletrônica para o guardião que constantemente e sem justificativa plausível muda de domicílio (v. acórdãos TJSP, na Ap. Civ. n. 544.107-4/0-00 e Ag. I. n. 630.114-4/4-00); abuso sexual com pedido de liminar, precariamente admitido ou negado, diante da ausência de peritos capacitados, também para caracterizar Síndrome de Alienação Parental, em evidente desprezo à dignidade da pessoa humano.
8. Apropriação dos espaços urbanos por gangues e submissão ao crime organizado. As meninas da Vila Mariana, as mutras búlgaras, a Mara Salvatrucha de São Salvador, enfim, as máfias, que se utilizam de famílias inteiras ou de algum membro para atividades da macro criminalidade. As diversas marchas ou passeatas: o sucateamento da Economia globalizada (ocupe Wall Street, bolha imobiliária, furacão Katrina) e do Ensino (Chile); o futebol, para amplificar a violência e os resultados das Eleições (Inglaterra e Itália); todos elencados como fenômenos que ampliam os dilemas da distribuição do poder e da mera permissão e melhor distribuição de renda.
9. Socioafetividade e posse do estado de filho – monetarização do afeto e direito à indenização: É mais fácil rotular do que julgar com Justiça. Abandono moral (v. Ap. Civ. n. 511.903-4/7-00 – TJ-SP; Ap. Civ. n. 408.550-5 – TJMG, j. em 2004).
10. A carga dinâmica da prova – proteção à parte vulnerável econômica ou tecnicamente. Presunção de Paternidade, lei n. 11.924/09 e a súmula 301 do STJ. Não há impedimento a sua aplicação diante do CPC, especialmente pela previsão constitucional: devido processo legal e do acesso à justiça, e artigos como o par. único, II, do 333, 125, I (igualdade no tratamento das partes); 339, 340, 342,345 e 355 (dever de colaborar na busca da verdade real), sem contar a aplicação do atentado à jurisdição quando possível por superioridade colaborar com a Justiça (Ap. Civ.TJSP – n.990.10.038334-5, j. em 12/5/2010).
11. Uniões estáveis simultâneas, impedido o reconhecimento. Putatividade. Poliamorismo. STF e o voto vencido emblemático do Ministro Ayres Britto (RE 397.762/BA e STJ, rel. Ministro Felipe Salomão (RE n. 912.926/RS) que nega e reforma decisão do TJ. Existem decisões esparsas de tribunais que o admitem para efeitos amplos, sem o reconhecimento de dupla união, mas de responsabilização e partilha, inclusive de pensão previdenciária (Ap. Civ. n. 478.819.4/4-00 e AP. Civ. 994.09.2888501-0)
12. Lei Clodovil 924, altera o artigo 57 da LRP, autoriza o enteado a utilizar o nome de família do pai ou mãe socioafetivos, que para garantir a estabilidade da Família necessitará de documento que esclareça seu alcance, na forma notarial.
13. A usucapião familiar urbana, Lei 12.424/2011, acrescenta o artigo 1240-A, ao CC e permite a usucapião de dois anos, diante do abandono do lar, cujo alcance deve ser ajustado à realidade de cada caso.
14. Estatuto da Diversidade Sexual, a partir das definições de gênero, identidade de gênero, sexualidade, orientação sexual, ou seja, homossexualidade, bissexualidade, transgênero, travestis e transexualismo, impõem-se o respeito à dignidade da pessoa humana na sua opção sexual e o reflexo, desta, na Família. Esta reforma atinge: artigo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; 15 artigos do CC; 5 da LRP; 2 do ECA; 1 da lei que regula a investigação de paternidade; de benefícios previdenciários; da Previdência Social; dos Códigos Penal e Penal Militar, dentre outros.
O que se pretende é chamar a atenção para as novas tendências do Direito de Família em seus julgamentos emblemáticos e vinculantes. Interpretação profunda das normas e princípios constitucionais e das novas leis, vinculando-as às políticas públicas e ao respeito a um mínimo existencial, capaz de garantir a dignidade da pessoa humana, tendo como consequência a inclusão de relevantes parcelas da Cidadania, que continuam a ser consideradas como de segunda classe.
A globalização da Economia, a partir da queda do Muro de Berlim e dos atentados de 11 de Setembro, acelerou a crise do Capitalismo, com reflexos nos movimentos de rua, na busca de melhor distribuição de renda e diminuição das desigualdades e que, com certeza, atingem a Família brasileira.
Cito duas lições, a primeira de Nouriel Roubini, que antecipou a crise da economia norteamericana (Folha de S.Paulo, B10 Mercado, em 16 pp): “Embora esses protestos não tenham um tema que os unifique, expressam de diferentes maneiras as sérias preocupações da classe média e da classe trabalhadora mundiais diante de suas perspectivas em vista da crescente concentração de poder nas mãos das elites econômicas, financeiras e políticas. As causas das preocupações são bastante claras: alto desemprego e subemprego nas economias avançadas e emergentes; capacitação profissional e educação inadequadas, entre os jovens e trabalhadores, o que impede que concorram no mundo globalizado; ressentimento contra a corrupção, inclusive em formas legalizadas como lobbies; e a alta acentuada na disparidade de renda e riqueza nas economias avançadas e nas emergentes”.
A segunda, de Nizan Guanaes (mesma fonte, B8 Mercado, em 18 do corrente) quando analisa seus filhos e os nossos, dependurados na internet e o poder desta: “Os jovens foram da frente da TV, uma janela com grades, para a frente da janela na web, enorme, escancarada. Nesse movimento, ganharam voz e ouvidos, ganharam dentes. (…) Eles estão usando armas como telefones celulares, câmaras digitais e redes sociais. Essas armas transformaram protestos por democracia em revoluções populares. E ajudam a organizar campanhas por direitos humanos, por melhorias na educação e contra a corrupção”.