Vaga garantida

Aprovados impedem a suspensão de concurso fraudado

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10 de dezembro de 2011, 8h00

Candidatos aprovados em um concurso fraudado no Rio de Janeiro impediram no Tribunal de Justiça que o concurso fosse suspenso e garantiram que o estado reservasse suas vagas.

O grupo de 93 pessoas entrou na Justiça contra ato da Secretaria da Fazenda, que suspendeu o concurso para auditor fiscal no qual cartões-resposta foram trocados na hora da correção da prova. Auditoria constatou que a fraude envolveu apenas três candidatos, os três primeiros colocados na prova.

Segundo o advogado dos candidatos, Sérgio Camargo, a troca de cartões não contaminou todo o certame, pois os candidatos privilegiados puderam ser identificados e retirados do concurso.

“Filmagens mostram claramente um funcionário da empresa responsável pela correção das provas trocando três cartões-resposta na hora de enviar os documentos para correção. Os cartões foram identificados e os candidatos também.”

Camargo classificou a suspensão do concurso determinada pelo governo como uma “arbitrariedade” do estado.

A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou, na última terça-feira (6/12), por unanimidade o Agravo no qual o estado pedia a reforma da decisão proferida pela 5ª Vara de Fazenda Pública. A juíza Roseli Nalin suspendeu a determinação do governo.

Na sentença, ela entendeu que para anular todo o concurso, seria preciso respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa, para que os candidatos aprovados pudessem se manifestar. O que não aconteceu.

No início de novembro, ao analisar Embargos de Declaração, o relator do caso no TJ-RJ, desembargador Carlos Eduardo Moreira da Silva, afirma em decisão monocrática do dia 7 de novembro, na qual negou Embargos de Declaração pedidos pelo estado que "não há nos autos qualquer elemento de prova, no momento processual atual, que indique que a fraude detectada pudesse comprometer a lisura e a segurança do concurso como um todo".

Para ele, o estado não conseguiu justificar a necessidade de suspensão do concurso. "A autoridade que invalidar o ato tem que demonstrar, no devido processo legal, a nulidade com que foi praticado", explicou.

O estado foi condenado também a não realizar novo concurso público e a pagar R$ 10 mil se descumprir a decisão.

Processo 0046269-15.2011.8.19.0000

Leia a sentença da juíza Roseli Nalin:

Trata-se de Ação Anulatória de Ato Administrativo c/c com Obrigação de Fazer, com pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela, ajuizada por LUISE PINHEIRO CHEVITARESE E OUTROS em face do Estado do Rio de Janeiro e da Fundação Getúlio Vargas, tendo por objeto principal a decisão administrativa que anulou o concurso público para o cargo de auditor fiscal da receita estadual, bem como a determinação para que a organizadora do concurso (FGV) efetuasse a devolução dos valores pagos pelos candidatos a título de inscrição no citado certame.

Alegam os Autores em seu longo arrazoado que a FGV, contratada pelo Estado do Rio de Janeiro para organizar e executar o concurso público, detectou, após a 1ª fase do certame, tentativa de fraude por ato de empresa terceirizada que detinha por obrigação realizar os serviços de ótica dos cartões de resposta (CONSUPLAN).

Aduzem ainda os Autores que após auditoria realizada pela FGV, inclusive com o acompanhamento da Polícia Civil do Estado, restou constatado, com provas robustas, que 3 (três) candidatos teriam sido favorecidos mediante a prática de fraudes nos cartões respostas executadas (as fraudes) por funcionário da citada empresa subcontratada.

No mais, demonstram que com base nas citadas constatações a Secretaria de Estado de Fazenda resolveu anular, integralmente, o concurso, a despeito de ter sido identificado que a tentativa de fraude restringiu-se aos 3 (três) candidatos, inclusive com a determinação de devolução dos valores das inscrições.

Como causa de pedir das pretensões formuladas pelos Autores, aduziu-se que não seria proporcional anular o concurso inteiro quando as fraudes detectadas foram restritas a determinados candidatos devidamente identificados, o que violaria, segundo a tese autoral, a boa fé dos demais concursandos e a teoria da convalidação dos atos administrativos, uma vez que o próprio Edital do concurso prevê a punição de exclusão do certame dos candidatos flagrados em tentativa de fraude.

No mais, alegam os Autores que a anulação do certame não foi precedida do devido processo legal, com a observância do direito ao contraditório e à ampla defesa dos demais concursandos interessados na manutenção do certame.

Com base nestes argumentos, os Autores requerem, liminarmente, a suspensão da devolução dos valores da inscrição, bem como a suspensão da realização de novo certame, com a reserva das vagas aos Autores, até o julgamento definitivo da demanda. Este o relatório.

Passo a decidir.

O exame dos autos revela que a liminar deve ser deferida em parte. A decisão que aprecia a medida liminar, como se sabe, é fundada em mero juízo de delibação, motivado pelo reconhecimento da ocorrência, ou não, dos requisitos inerentes à plausibilidade jurídica e ao periculum in mora. (STF, Pet. 2.570-9/RJ, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJ de 28.06.2002).

Na esteira deste juízo de delibação superficial e sumário, próprio das medidas liminares, não serão apreciadas neste momento processual as questões atinentes à possibilidade de que a detecção de tentativa de fraude poderia acarretar no comprometimento da segurança e da higidez do concurso como um todo, o que demandaria, por óbvio, dilação probatória inviável nesta fase do processo.

A verossimilhança das alegações autorais reside, entretanto, em dois argumentos contidos na causa de pedir inicial: o desrespeito ao devido processo legal e a ausência de proporcionalidade da anulação do concurso como um todo quando, a primeira vista, a tentativa de fraude foi restrita a apenas 3 (três) candidatos.

No tocante ao primeiro argumento, como se sabe, detém a Administração Pública o poder-dever de realizar autotutela administrativa de seus próprios atos, anulando aqueles que tiverem vício de legalidade, na esteira dos enunciados contidos nas Súmulas nºs. 346 e 473, ambos do Supremo Tribunal Federal.

O exercício do citado poder-dever, entretanto, encontra limites nos próprios direitos fundamentais daqueles que tenham sua situação jurídica atingida pela decisão de anulação dos atos administrativos, na forma do que prescreve o artigo 5º, inciso LV da Constituição da República, que assim dispõe: ´LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes’.

Assim, ainda que se admita tenha havido qualquer ilegalidade no certame a atingir sua legalidade como um todo, o exercício da autotutela administrativa não pode ficar a mercê da vontade do administrador público, tendo o mesmo limites jurídicos ao dever poder de invalidar os atos inquinados de ilegalidade.

Um destes limites é exatamente o princípio do contraditório e da ampla defesa. Verifica-se, desta forma, que sempre que um ato administrativo repercutir na esfera jurídica do administrado, ainda que este seja ilegítimo ou ilegal, deve, impreterivelmente, a Administração Pública conceder àquele que sofrerá os efeitos da invalidação oportunidade para se manifestar sob o crivo do contraditório e do devido processo legal.

A jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é repleta de decisões no sentido de que a anulação de concurso público que repercuta na esfera de interesse de terceiros deve ser precedida de processo administrativo específico com a garantia do contraditório e da ampla defesa, conforme se infere dos seguintes precedentes, verbis: ´EMENTA : MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. NOTIFICAÇÃO DE PESSOAS DIRETAMENTE INTERESSADAS NO DESFECHO DA CONTROVÉRSIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NECESSIDADE. Sempre que antevista a existência razoável de interessado na manutenção do ato atacado, com legítimo interesse jurídico direto, o CNJ está obrigado a dar-lhe ciência do procedimento de controle administrativo. Identificado o legítimo interesse de terceiro, o acesso ao contraditório e à ampla defesa independem de conjecturas acerca da efetividade deste para produzir a defesa do ato atacado. Segurança concedida, para anular o acórdão atacado e para que o CNJ possa notificar os impetrantes acerca da existência do PCA e de seu direito de serem ouvidos.´ (MS 27154, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 10/11/2010, DJe-025 DIVULG 07-02-2011 PUBLIC 08-02-2011 EMENT VOL-02459-01 PP-00016) ´CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – ATUAÇÃO – TERMO INICIAL.

A atuação fiscalizadora do Conselho Nacional de Justiça não ficou balizada no tempo, considerada a Emenda Constitucional nº 45/2004. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – DEVIDO PROCESSO LEGAL – CONTRADITÓRIO. Envolvida, no processo administrativo, situação constituída no tocante a terceiros, impõe-se a ciência destes para, querendo, apresentarem defesa. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – DEVIDO PROCESSO LEGAL – CIÊNCIA FICTA. A espécie de conhecimento ficto, presente publicação ou edital fixado em setor do Órgão, pressupõe a ciência do processo em curso, surgindo como regra a comunicação direta. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – PROCESSO – CIÊNCIA – ARTIGO 98 DO REGIMENTO INTERNO. Desconhecida a existência do processo, mostra-se inconstitucional dispositivo do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça – artigo 98 – prevendo a ciência ficta de quem pode ser alcançado por decisão administrativa. CONCURSO PÚBLICO – NOTÁRIOS E REGISTRADORES – COMISSÃO. Faz-se regular a comissão de concurso com a participação, personificando notários e registradores, da Presidente da entidade de classe, pouco importando seja esta notária ou registradora.´ (MS 25962, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/2008, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00156 RTJ VOL-00209-03 PP-01103 LEXSTF v. 31, n. 363, 2009, p. 108-126) ´

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. EXONERAÇÃO EM VIRTUDE DE ANULAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO POR ATO UNILATERAL DE PREFEITO. NECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Nos casos em que a invalidação do ato administrativo repercuta no campo de interesses individuais de servidores, firmou-se tese neste Sodalício segundo a qual é necessária prévia instauração de processo administrativo que assegure o exercício da ampla defesa e do contraditório. 2. A exoneração de servidor público em estágio probatório por ato unilateral do Prefeito, com base no seu poder de autotutela e em virtude da anulação de concurso público também por ato daquela autoridade, depende da prévia instauração de processo administrativo, sob pena de nulidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 3. Recurso ordinário provido.´ (RMS 24.091/AM, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 28/03/2011)

Além disso, não há dúvidas de que na hipótese da alegada fraude em relação a apenas 3 (três) candidatos, não se pode presumir a mesma ilegitimidade em relação aos demais candidatos, especialmente quando a conclusão da auditoria realizada pela FGV afirmou, categoricamente, que não foram encontrados indícios da existência de fraude em todo o certame.

Assim, ao menos diante da delibação sumária própria desta fase processual, o ato de anulação do concurso como um todo sem a devida motivação e demonstração de ter havido fraude em relação a outros candidatos implica, repita-se, em princípio e diante das provas carreadas na inicial, possibilidade de violação ao dever de proporcionalidade da medida, bem como infringência à boa fé dos demais concursandos que não teriam participado de qualquer ato fraudulento. Verifica-se, com isso, ao menos diante de uma análise superficial, que a anulação total do concurso sem uma comprovação de que a fraude detectada em relação a três candidatos contaminou o certame como um todo implica em violação ao dever de proporcionalidade que deve pautar os atos da Administração Pública. Isto porque, em uma primeira análise, a sumária anulação total do certame pode ter sido um meio inadequado ao alcance dos fins colimados (Geeignheit), ou mesmo desnecessária em relação à restrição imposta (Erforderlichkeit) e, por fim, veicular medida desproporcional (Verhältnismässigkeit). (CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2004, págs. 269/270).

Presente, deste modo, a verossimilhança das alegações autorais. Com o citado requisito coexiste o periculum in mora. Não há dúvidas de que o prosseguimento do processo administrativo correspondente, com a devolução dos valores pagos pelos concursandos a título de inscrição, assim como a possibilidade de instauração de um novo certame, pode gerar uma situação de fato cuja reversibilidade causará danos irreparáveis.

Por todas estas razões, defiro a antecipação dos efeitos da tutela, para: (i) suspender os efeitos do ato administrativo impugnado, salvo em relação aos três candidatos cuja fraude foi detectada, impedindo que se iniciem as devoluções dos valores pagos pela inscrição no certame; (ii) determinar que o Estado do Rio de Janeiro deixe de instaurar novo concurso com o mesmo objeto do certame objeto da presente lide, sob pena de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais).

 

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