Fé documental

Defensoria não tem obrigação de degravar audiências

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8 de dezembro de 2011, 13h34

A falta de degravação dos depoimentos colhidos na fase de instrução do processo criminal caracteriza cerceamento da defesa e prejuízo material ao réu. Esta tarefa, no entanto, não é da Defensoria. Cabe, obrigatoriamente, ao Poder Judiciário, que tem a responsabilidade de assegurar a fé documental das provas e a segurança jurídica do processo. Com este entendimento, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por unanimidade, ratificou liminar que determinou a suspensão do processo criminal enquanto os depoimentos não fossem transcritos. O Habeas Corpus, interposto por uma defensora pública estadual, foi julgado no dia 3 de novembro.

A decisão do Tribunal gaúcho choca-se com decisão tomada na semana passada pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de justiça do Rio de Janeiro. Acompanhando entendimento do relator, desembargador Geraldo Prado, o colegiado fluminense decidiu que o emprego de meios audivisuais no processo visa a celeridade do julgamento e por isso, a transcrição das gravações constantes nos autos pode ser perfeitamente dispensada.

O caso julgado pelo TJ-RS é originário da Comarca de Três Coroas, situada a 72km de Porto Alegre, onde tramita processo-crime contra um réu acusado de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo. Ele responde ao processo em liberdade.

Como a Vara Judicial da Comarca negou o pedido de transcrição dos depoimentos produzidos na audiência de instrução, a defensora pública entrou com Habeas Corpus, com pedido de liminar, para obrigar a autoridade judicial a degravar os registros contidos no CD juntado ao processo-crime originário.

A defensora afirmou que o indeferimento caracteriza constrangimento ilegal e violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia. Alegou que a Defensoria Pública não fez a tarefa por não dispor, sequer, de software para abrir os arquivos, em áudio e vídeo, contidos no CD.

Na análise definitiva do mérito, o desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, presidente do colegiado e relator do HC, confirmou os termos da liminar por ele concedida. O desembargador reconheceu que a adoção de uma ‘‘extraordinária ferramenta de celerização do processo judicial e de fidedignidade dos meios probatórios orais’’ acabou resultando, inadvertidamente, por carência de meios, em evidente e concreto prejuízo material à defesa técnica do réu.

‘‘Não é difícil imaginar a dificuldade que um defensor público terá para atender a sua – sempre imensa – clientela criminal pobre, se tiver que reassistir, durante horas a fio, as audiências de instrução de que participou nos processos criminais. Idêntica moldura pode ser aplicada ao juiz, ao membro do Ministério Público e aos defensores constituídos’’, complementou o relator.

O desembargador frisou que o Poder Judiciário é quem detém o monopólio estatal e a responsabilidade exclusiva de assegurar a autenticidade das provas produzidas em juízo, podendo atestar a fé pública dos documentos essenciais ao devido processo legal. ‘‘Portanto, em razão desta estrutura de garantias processuais in re ipsa, também é evidente que o Judiciário não pode delegar a terceiros a conteudização, o espelhamento e a manipulação processual das provas orais judicializadas, porque tal desvio orgânico de função poderá resultar, inclusive, na violação dos princípios da independência judicial e da imparcialidade dos julgamentos, além de uma eventual proliferação massiva de ações de revisão criminal e, no cível, de ações rescisórias." 

Assim, o relator determinou à autoridade de origem que suspenda o processo e providencie a degravação dos depoimentos contidos no CD, disponibilizando-os, após transcritos, para a Defensoria Pública. O voto foi acompanhado pelos desembargadores Cláudio Baldino Maciel e Ícaro Carvalho de Bem Osório.

Prazo razoável
Acompanhando voto do desembargador Geraldo Prado, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou o recurso do Ministério Público para que fosse feita a transcrição de provas audiovisuais produzidas na Audiência de Instrução para ser juntada aos autos e exibida aos jurados. A câmara confirmou a sentença de primeiro grau, segundo a qual, a utilização de recursos audivisuais tem entre seus objetivos, além de proteger o réu, dar celeridade ao processo, razão pela qual não se justifica a transcrição dos dados.

“Assim como o direito à produção das provas e ao contraditório é assegurado às partes pela Constituição da República, o direito à duração razoável do processo é cláusula pétrea, prevista no artigo 5º, LXXVIII , garantia diretamente ligada à dignidade da pessoa humana", afirmou Geraldo Prado.

O Ministério Público alega que a decisão de primeiro grau que indeferiu a transcrição das mídias audiovisuais viola os artigos 475 e 480 do Código de Processo Penal, e, por analogia, o artigo 417 do Código de Processo Civil. Sustenta que há vulneração ao devido processo legal, pois a obtenção da prova é direito público subjetivo. Continua a reclamação a afirmar que “o direito à prova não se limita à sua obtenção, estendendo-se também à sua exibição para exame no julgamento (direito a que a prova seja objeto de avaliação pelo julgador)”. Sustenta também que o artigo 6º da Resolução 14/2010 permite a transcrição da mídia. Por fim, arrematou o reclamante que houve contradição na postura do juiz de primeiro grau com as técnicas audiovisuais de registro das audiências adotadas pelo Tribunal de Justiça.

Consta da sentença que “os princípios da celeridade processual e da oralidade são o fim almejado pela utilização de mídias audiovisuais, não se coadunando com este objetivo a transcrição de todos os depoimentos e atos processuais. A duração razoável do processo está dotada de dupla dimensão, pois tanto visa proteger o acusado, submetido à persecução penal, do arbítrio estatal quanto, ainda, busca assegurar à sociedade a resposta jurisdicional com qualidade.” Decisão correta no entendimento do relator do caso.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.

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