Local privado

Ecad não pode cobrar por música em quartos de hotéis

Autor

5 de dezembro de 2011, 11h45

Música escutada por hóspede de hotel, em ambiente privado, não gera direitos autorais ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Afinal, o quarto tem caráter privativo, que se assemelha a um prolongamento do lar. Logo, isento de interesse comercial. Com este entendimento, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul livrou uma rede de hotéis de pagar direitos autorais pela reprodução radiofônica de obras musicais. A decisão é do dia 13 de outubro.

Após ser visitada pelo Ecad, em fevereiro de 2008, a rede hoteleira foi surpreendida com o recebimento de um boleto para pagar, no valor  de R$ 946,44, referente aos meses de março e abril. A rede, então, ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Débito na 7ª Vara Cível de Porto Alegre. Liminarmente, pediu a determinação para que o Ecad se abstivesse de levar tais títulos a protesto como também de efetuar outras cobranças com o mesmo fundamento de débito.

A autora da ação afirmou que os títulos bancários se basearam nas informações prestadas para o pretenso preenchimento de cadastro, referindo-se à cobrança de diretos autorais em razão da existência de aparelhos televisores com TV a cabo nos aposentos destinados aos hóspedes. Repisou que tudo não passou de mero preenchimento de cadastro. O juízo concedeu a liminar.

O Ecad se defendeu. Afirmou que todos os hotéis são notificados sobre a obrigatoriedade de remunerar o órgão arrecadador quando da execução de obras musicais. Esclareceu que, a partir dos dados colhidos no cadastro, efetuou as cobranças das mensalidades devidas como direitos autorais. Argumentou que o artigo 3º., da Lei 9.610/98, legitima a cobrança em hotéis e motéis. Citou também o artigo 68, que considera execução pública a utilização de composição musical em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive radiofusão ou transmissão por qualquer modalidade. Disse que o artigo 29 exige a prévia autorização para a utilização da obra musical, por qualquer das suas modalidades. Por fim, pediu a aplicação da Súmula 63 do Superior Tribunal de Justiça para o caso.

O juiz José Antônio Coitinho observou que a demanda não trata de reprodução de músicas por meio de um sistema central de som ou outra forma de divulgação pública, mas de mera disponibilização para os hóspedes de aparelhos de rádio e televisão individuais e independentes. Em síntese, de sonorização para aposentos. ‘‘Por conseguinte, não há como exigir direitos autorais no caso em apreço, considerando que o simples acionamento do rádio ou da televisão no quarto do hotel — local que não é público —, em qualquer estação da conveniência do hóspede, sem que saiba o estabelecimento de hospedagem sequer as músicas que serão transmitidas pela estação sintonizada, não configura a usurpação de direito autoral — estes já recolhidos inclusive pela própria emissora que transmite a programação.’’

O juiz julgou procedente o pedido formulado na Ação Declaratória de Inexistência de Débito ajuizada pela rede hoteleira. A decisão, em consequência, tornou inexistente a relação jurídica referente aos direitos autorais e definitiva a liminar, cancelando as dívidas.

Derrotado, o Ecad apelou ao Tribunal de Justiça. Reforçou os mesmos argumentos oferecidos da ação inicial, a fim de pedir a reforma da sentença. Ou seja, o simples fato de haver aparelhos de sonorização instalados nos quartos do hotel autorizaria a cobrança relativa a direitos autorais.

O relator da Apelação, desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, considerou que a presença de tais aparelhos nas habitações não presume, automaticamente, a sua utilização. Disse que eventual cobrança de direitos autorais, em face de hotéis e assemelhados, não pode ser feita a partir de uma interpretação que separe o parágrafo 3º do caput do artigo 68. Trata-se, destacou, de regra basilar de hermenêutica.

Assim, o mais importante seria observar se os locais onde estão instalados os equipamentos de sonorização no hotel podem ou não ser considerados como de frequência coletiva. E, nestes, se são ou não feitas execuções públicas. Pelas informações dos autos do processo, a cobrança do Ecad se dá por simples instalação dos equipamentos nos quartos do hotel, e não nos ambientes de uso comum — saguão, corredores, elevadores etc.

‘‘Sucede que quartos de hotel não podem ser tidos como locais públicos, ou de livre acesso ao público, dado o caráter privativo dos aposentos. Nesses casos, o quarto de hotel se assemelha a um prolongamento do ‘recesso familiar’ (…).Tanto assim é que, aos referidos aposentos, somente têm acesso as pessoas ali hospedadas, ou quem que por essas for recebido. Logo, em princípio, se um hóspede eventualmente acompanha programação de rádio, ainda que com seus familiares, não há de se falar em exibição pública, menos ainda em exploração com fins de lucro, diante da equiparação ao recesso familiar de que fala a Lei nº 9.610/98, em seu artigo 46, inciso VI.’’

O relator documentou sua convicção com a jurisprudência do próprio Tribunal e do Supremo, que qualificou o quarto de hotel como ‘casa’, para feito da tutela constitucional da inviolabilidade domiciliar. O julgado cita o artigo 5º., inciso XI, da Constituição Federal; e o artigo 150, parágrafo 4º., inciso II, do Código Penal.

‘‘Em síntese, a verdade é que hotéis se assemelham a edifícios residenciais, correspondendo os quartos do primeiro aos apartamentos (unidades autônomas) dos últimos. Nesses, o acesso é limitado aos seus ocupantes (no caso dos quartos de hotel, os hóspedes ali instalados) ou a quem por eles autorizado. Logo, injustificada a cobrança intentada’’, afirmou o relator, que negou provimento ao recurso do Ecad.

Acompanharam o voto do relator, por unanimidade, os desembargadores Mário Crespo Brum e Orlando Heemann Júnior, presidente do colegiado.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!