Metas de produtividade

"A busca por estatísticas torna o processo um estorvo"

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4 de dezembro de 2011, 8h22

Spacca
Nas recentes discussões sobre mudanças processuais, muita gente ficou alarmada quando o ministro Cezar Peluso, chefe do Judiciário brasileiro, propôs que os tribunais de segundo grau passassem a ter a última palavra nos processos. Tradicionalmente, em casos de maior repercussão, a segunda instância sempre foi vista como mero ponto de passagem dos processos a caminho do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. A história mostra, no entanto, outra vocação para o segundo grau. Em São Paulo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região se orgulha de ter batido de frente com o governo federal contra a ditadura militar, na década de 1970, e contra o confisco das cadernetas de poupança durante o Plano Collor, vinte anos depois.

Não apenas testemunha ocular, mas protagonista, o desembargador Márcio José de Moraes esteve presente em julgamentos históricos da corte. Ainda como juiz de primeiro grau, foi dele a prolação da sentença que condenou a União a indenizar a família do jornalista Vladimir Herzog, em 1978, por sua tortura e morte no antigo DOI-Codi, departamento que cuidava da repressão aos opositores do regime. Já como desembargador, Moraes proferiu voto à parte no julgamento que reconheceu ser inconstitucional a medida provisória que baixou o Plano Collor, em 1990. Relatada pelo desembargador Américo Lacombe, hoje aposentado e exercendo a advocacia, a decisão da corte considerou empréstimo compulsório o bloqueio de cruzados novos em poupança. Como esse tipo de empréstimo só poderia vir por Lei Complementar, a Medida Provisória violava a Constituição. Para Moraes, no entanto, o ato não se enquadrava em nenhuma categoria legal. “Pertence a outro mundo, antinômico ao Direito, que é o mundo da força. É uma violência, simplesmente”, disse em voto proferido em 4 de abril de 1991.

A história de Moraes no tribunal lhe confere respeito. Na disputa política que divide o tribunal em dois lados, goza do privilégio de poder ser neutro. Presidente do tribunal entre 2001 e 2003, coube a ele implantar os primeiros Juizados Especiais Federais, revolução no ritmo de julgamento de pequenas causas. Na direção, também foi corregedor-geral e vice-presidente, entre 1997 e 2001. Atualmente, dirige a Revista do TRF-3, onde formou um batalhão para acompanhar todos os julgamentos do tribunal e divulgá-los entre os membros da corte. Também está encarregado da comissão que revê os planos de saúde de servidores e magistrados da 3ª Região. Moraes recebeu a ConJur em seu gabinete para conceder entrevista para o Anuário da Justiça Federal 2012, raio-X do Judiciário Federal a ser lançado no ano que vem.

Foi professor de Direito na FMU por dez anos, e recentemente se formou em Psicanálise pelo Centro de Estudo Psicanalítico e pelo Instituto Sedes Sapientia. Entrou para a magistratura em 1976, depois de ter advogado nas áreas tributária e comercial para o Banco de Minas Gerais e para o antigo Banco Real, hoje Santander. Formado em Direito pela USP em 1968, especializou-se em Direito Autoral e Tributário na instituição, e novamente em Tributário e Direito Público pela PUC-SP.  

Leia a entrevista:

ConJur — Pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região passaram casos emblemáticos, como o da indenização às famílias do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho, na década de 1970, mortos nos porões da ditadura militar. Em que outros momentos a corte foi decisiva para o país?
Márcio Moraes — O caso Herzog e outros semelhantes geraram responsabilização da União por tortura e morte de presos políticos. O do jornalista data de 1978, e o do operário Manuel Fiel Filho é posterior. Eles apressaram a redemocratização do nosso país, mas há outros também importantes para a cidadania. Depois do aumento das prestações da casa própria pelo Sistema Financeiro de Habitação, houve inúmeros processos contra a Caixa Econômica Federal, questionando valores. Formavam-se filas na Avenida Paulista. O Sistema Financeiro de Habitação desestabilizou-se em função dos sucessivos planos econômicos e os aumentos das prestações do sistema foram enormes. Até hoje temos processos dessa natureza no tribunal que, na maior parte das vezes, são solucionados pelo gabinete da conciliação. Antes de chegar a essa fase de conciliação, porém, julgamos milhares e milhares de causas. Essas fases da História passam e as pessoas não lembram mais. Também tivemos diversos casos questionando inúmeras medidas provisórias inconstitucionais, como a que aumentou o Finsocial [contribuição federal devida pelas empresas, hoje substituída pela Cofins]. Várias medidas provisórias sobre matérias tributárias foram reputadas inconstitucionais. Mas de todas elas, a que impôs o Plano Collor foi a mais impactante e repentina, de inconstitucionalidade fragrante, que atingiu toda a coletividade ao bloquear ativos financeiros. Esses casos históricos são marcos institucionais em benefício da cidadania. São demonstrações cabais da importância do Judiciário brasileiro para as liberdades públicas.

ConJur — O Plano Collor teve como resposta uma chuva de liminares por todo o país. Em que o TRF-3 foi protagonista?
Márcio Moraes — Sim, houve uma enxurrada de ações, mas este foi o Tribunal que julgou o primeiro recurso contra sentença concessiva de Mandado de Segurança contra o Plano Collor, o primeiro julgamento em segunda instância, mantendo a sentença que deu pela inconstitucionalidade do plano, isso na década de 1990, quando a corte ainda estava instalada em um prédio no Largo São Francisco. Foi uma sessão de julgamento memorável. O tribunal se reuniu na sua composição plenária, porque naquela época não tínhamos ainda o Órgão Especial. O Mandado de Segurança foi impetrado em nome próprio pelo professor Fábio Konder Comparato [da Universidade de São Paulo]. Parece-me que ele sustentou oralmente. O relator dessa apelação foi o hoje aposentado desembargador federal Américo Lacombe.

ConJur — Como foi o julgamento?
Márcio Moraes — A decisão foi unânime e a repercussão foi nacional. Não é fácil conseguir unanimidade em um tribunal, alguém sempre pensa diferente. Muitos debatiam qual seria a natureza jurídica daquele plano: empréstimo compulsório, tributo constitucional… Fiz uma declaração de voto em que dizia que aquele plano não tinha natureza jurídica nenhuma, foi um ato de violência, uma agressão tal como seria fechar o Congresso Nacional pela força das armas, como a ditadura fez pelo AI-5, uma antítese do direito. O direito se comporta pela supremacia da lei, já o ato de violência, não. É mera violência, não tem natureza jurídica. Votei pela inconstitucionalidade com esse fundamento. Foi um momento marcante do nosso tribunal, mas do qual a sociedade pouco lembra. Depois, a jurisprudência dos outros tribunais, inclusive do STJ, também se formou pela inconstitucionalidade. O próprio governo então percebeu que aquilo não podia ter continuidade e editou uma lei estabelecendo os prazos de devolução dos depósitos, dando outro contorno ao tal empréstimo compulsório. No fim, sobreveio o impeachment do presidente da República.

ConJur — Foi só o governo quem errou?
Márcio Moraes — A Medida Provisória se transformou em lei, portanto, teve aprovação do Parlamento, que aprovou o ato. Não se pode deixar de notar também que o Supremo Tribunal Federal teve nas mãos pelo menos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o plano, mas não se pronunciou, o processo não foi julgado naquela época. Ou seja,o Executivo baixou o ato, o Legislativo o transformou em lei e o Supremo não se manifestou, apesar de provocado. A situação foi combatida pelos juízes de primeiro grau, que começaram a dar liminares. Se não fosse a resistência deles, isso não teria sido possível. Alguns membros de tribunais de Brasília — ministros e dirigentes de tribunais superiores — vieram a São Paulo para conversar com os juízes, dizendo que tínhamos que prestigiar o plano do governo. Eu me pergunto o que teria sido do Plano Collor se houvesse, como há hoje, a Ação Declaratória de Constitucionalidade, que certamente o governo ajuizaria direto no Supremo. Não estou falando de qual decisão o Supremo tomaria, mas do perigo de instrumentos criados por construção teórica ou doutrinária para tirar a possibilidade de controle imediato e direto de constitucionalidade pelas mãos do juiz de primeiro grau. Em épocas de eventuais governos totalitários, como já tivemos, isso é um perigo para democracia.

ConJur — Foi nesse momento que a população brasileira passou a enxergar o Judiciário?
Márcio Moraes — Sim, de forma mais direta. A sociedade percebeu que tinha na Justiça um baluarte da democracia. Milhares de ações vieram e foram atendidas com rapidez.

ConJur — Como presidente do Tribunal, o desembargador instalou os primeiros Juizados Especiais Federais, que nasceram como solução para casos de valores menores. Hoje, eles estão no limite de sua capacidade, com congestionamento comparável ao das varas comuns. No que o projeto errou?
Márcio Moraes — Fui presidente de 2001 a 2003, quando implementamos os Juizados. Eles eram muito diferentes do que temos agora. Na época, não tínhamos condições de instalar para todas as matérias. Não tínhamos orçamento, prédio, funcionários, computadores. Deram apenas a ordem: “instalem”. Então, optamos por dar preferência ao jurisdicionado mais carente da Justiça Federal, que é o segurado da Previdência Social. Ele não pode esperar o processamento de uma ação em uma vara comum, que leva anos para julgar. Lá, instalamos inclusive autos sem papel, com a criação de um programa pelos próprios funcionários do tribunal. Um grande incentivador e planejador foi o então diretor do foro José Eduardo Santos Neves, hoje desembargador federal aposentado, que ganhou um prêmio Innovare pelo trabalho, em 2006. Criamos um fórum específico na rua São Joaquim, em que funcionários treinados atendiam sem a necessidade de advogado, e faziam as iniciais na hora, tudo virtualmente. Noventa dias depois, saía a sentença e, em 30 dias, o pagamento. A repercussão acabou acontecendo no “boca a boca”, já que a mídia não se interessou. Procurei pessoalmente todas as revistas. Tinha um assessor de imprensa muito ativo e procuramos um grande conglomerado televisivo, do qual eu não quero dizer o nome, e pedimos que divulgassem. Mas eles resolveram noticiar apenas a fila para atendimento, que em determinado dia dava a volta no quarteirão. Resolvemos o problema em dez dias, mas o que saiu publicado foi a fila. Na época, os Juizados se tornaram um sucesso, e alguns perceberam que também poderiam se tornar uma bela bandeira. Portanto, banalizou-se. Juizados não foram imaginados e criados para toda e qualquer matéria. Deveriam ter sido mantidos como uma Justiça específica para os mais carentes, os segurados da Previdência.

ConJur — O que provocou a ampliação da abrangência?
Márcio Moraes —
Vivemos hoje uma época em que os órgãos superiores da magistratura têm compulsão por números, por estatísticas, por divulgar o maior número possível de sentenças. O Judiciário nesse aspecto particular está se relacionando muito equivocadamente com a mídia, o que se lamenta. Não que nós não tenhamos de apresentar produtividade, mas nossa maior produtividade é de justiça, não de estatística. A ideia de se apresentar produtividade está correta, o discurso é que está errado. Pede-se aos juízes que simplifiquem ao máximo as sentenças, com tal ênfase que equivaleria a um jargão latente de “matar processos”. Ninguém fala em qualidade, menos ainda em justiça.

ConJur — Como explicar a um jurisdicionado que ele terá de esperar 20 anos para ver seu processo concluído?
Márcio Moraes — Isso se deve a um problema estrutural da Justiça. É um problema complexo, com inúmeros fatores que não podem ser resumidos em simplificações. A procura de soluções simplistas é um mal nacional. Já houve quem defendesse que, por ser atrasada, a Justiça Federal deveria acabar. Então, daqui a pouco, se a polícia é corrupta, acaba-se com a polícia. Se o Legislativo está envolvido, acaba-se com o Legislativo. Será a paz do cemitério. Não tenho uma receita para isso, embora seja juiz há 36 anos. Caberia ao CNJ fazer uma estratégia incluindo todos os fatores que contribuem para a lentidão do Judiciário, e não só o aspecto do trabalho do juiz. Essa é a sua principal finalidade. 

ConJur — Que fatores?
Márcio Moraes — Para começar, a autonomia financeira, que está na Constituição. É uma balela, uma ficção, não existe autonomia financeira. O Judiciário historicamente se submete a cortes orçamentários do Executivo, a ponto de mandar-se um orçamento para ser discutido no foro próprio, que é o Legislativo, e o Executivo cortar como se fosse um órgão hierárquico superior à magistratura. E no orçamento para o Judiciário estão incluídos os pagamentos de condenações à União, os precatórios. Esse dinheiro não é do Judiciário.

ConJur — Seu gabinete cumpriu as metas do CNJ?
Márcio Moraes — Estou dentro das metas.

ConJur — Como organiza o gabinete para dar conta dos processos?
MárcioMoraes Todos os funcionários têm cotas semanais de minutas de decisões, que são examinadas pelos assessores e por mim. As cotas variam conforme o trabalho do funcionário e a área em que ele trabalha. Há áreas de decisões mais respectivas, em que a cota é maior. Nas mais específicas, a cota é menor.

ConJur — Qual a sua opinião sobre as metas?
Márcio Moraes Ajudaram muito. O trabalho que o CNJ fez na 3ª Região, principalmente com as Turmas de Mutirão, foi muito produtivo. As metas são bem-vindas, movimentam não só os desembargadores, mas também os funcionários. Porém, precisam ser dosadas não só em termos numéricos, mas em termos de qualidade, de responsabilidade de cada um pela prática da Justiça. O discurso latente, que me incomoda, com o estabelecimento de objetivos eminentemente numéricos é de que os processos devem ser tirados da frente a qualquer custo. Isso não é conveniente para a Justiça. 

ConJur — A saída encontrada pelos tribunais brasileiros para acelerar os julgamentos tem sido decidir monocraticamente em substituição às votações em colegiado. Como o desembargador avalia isso?
Márcio Moraes O artigo 557 do Código de Processo Civil, que permitiu o uso de decisões monocráticas em casos com jurisprudência pacificada, tem nos dado um manancial muito interessante para uma prestação jurisdicional mais rápida, tendo em conta a sucessão de recursos à disposição dos advogados. No gabinete, a recorribilidade contra esse tipo de decisão tem sido inferior a 50%. Mas é preciso usar com cuidado. Não se decide monocraticamente com base em apenas um acórdão, ainda mais sendo de outro tribunal de segundo grau. Existe a tentação de se fazer isso, mas a jurisprudência precisa estar razoavelmente solidificada. Do contrário, o juiz pode pecar por excesso pelo afã da rapidez.

ConJurPor sua turma, no tribunal, têm passado casos tributários importantes, como ações questionando a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. O julgamento da questão está parado no Supremo e o prazo dado para que os tribunais esperassem a decisão já terminou. Como o desembargador tem votado?
Márcio MoraesEntendo que, embora a União tenha ajuizado uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, já existe maioria formada no Supremo pela não inclusão do ICMS, no julgamento do Recurso Extraordinário que foi interrompido com a entrada da ADC.

ConJur — O Supremo deve julgar em breve se é possível relativizar decisão transitada em julgado na fase de execução da sentença. Qual é a sua opinião?
Márcio MoraesCoisa julgada é manifestação do Judiciário e deve ser cumprida. Se a relativizarmos, ela passa a ser sujeita a interpretação em outra ação. A ideia surgiu com bons motivos, em função principalmente de indenizações astronômicas determinadas em ações por desapropriação, que sugeriam práticas de fraude. Mas isso interpretado como um instituto desmoraliza o Judiciário, pelo desprestígio da coisa julgada, algo que nem a lei pode fazer, segundo a Constituição. Contra a coisa julgada existe remédio legal, que é a Ação Rescisória. O mais prejudica o Judiciário.

ConJur — Em votação apertada, o STF recentemente foi contrário à abertura de informação bancária de contribuintes ao Fisco sem o aval do Judiciário. O senhor concorda?
Márcio MoraesHá muita divergência nessa matéria, mas o Fisco, como em outros países, tem muitos poderes, muitos privilégios processuais e legais. Não precisa adentrar na intimidade da pessoa, salvo em casos que devem ser tratados excepcionalmente segundo a lei, para o que o controle jurisdicional é imprescindível.

ConJur — Até a eleição da presidente Dilma Rousseff, o governo vinha defendendo projeto de lei que cria a execução fiscal administrativa. A ideia é acelerar a cobrança localizando e bloqueando bens do devedor. O projeto, que está parado no Legislativo, é conveniente?
Márcio Moraes É um erro. A jurisdição existe para isso, para controlar a atividade administrativa, inclusive fiscal. A execução administrativa existe em países com outras características jurisdicionais, como os Estados Unidos, onde a própria Administração é vinculada a determinados princípios, que aqui não são respeitados. No Brasil, não consigo perceber conveniência em afastar qualquer controle jurisdicional sobre andamento de processo administrativo tributário, sob pena de desproteção ainda maior dos contribuintes.

ConJur — Nas causas envolvendo o Fisco, a advocacia reclama da diferença entre os honorários sucumbenciais concedidos à Fazenda Pública e os determinados aos contribuintes. A lei não faz diferença, apenas fixa entre 10% e 20% do valor da causa. Em que se baseia essa fixação?
Márcio Moraes Nossa jurisprudência tem entendido que é o juiz quem deve estipular o valor, fora dos limites de 10% e 20%, tendo em conta a complexidade da causa e o exercício da advocacia. Particularmente, no entanto, acho que os advogados têm razão em grande parte dessa reivindicação. Não há motivo para a diferença de tratamento. É uma tese que merece dos advogados toda a dedicação e combate. Tenho limitado os honorários advocatícios dentro da jurisprudência da Turma, mas sempre de uma maneira mais liberal, no sentido de também respeitar outras indicações além do valor da causa, que tem sua importância, mas é suscetível a muitas interpretações. A jurisprudência tem que evoluir no sentido de igualdade de tratamento entre os honorários em prol e contra o Fisco.

ConJur — É antiga a discussão sobre até onde o Judiciário pode interferir na discricionariedade do Executivo sobre gestão. Existe um limite?
Márcio Moraes Ainda não avançamos suficientemente nessa matéria. Evidentemente, o critério de escolha das políticas públicas é do Executivo, mas os excessos, os exageros, podem ser controlados pelo Judiciário. Por exemplo, gastos com propaganda de governo. Em algumas hipóteses, isso pode ser um excesso que pode ser combatido pelo Judiciário. Toda questão se põe, primeiro, na liberdade governamental de escolher políticas públicas e, depois, na razoabilidade dessas políticas. Vejo essa matéria dentro da teoria do abuso de poder. Só o Executivo pode escolher políticas públicas, mas há situações em que ele abusa desse poder. Aí o Judiciário pode interferir, seja julgando casos de ação, seja de omissão.

ConJur — Ao decidir, consulta doutrinadores de sua preferência?
Márcio Moraes Há alguns sempre presentes, como Geraldo Ataliba, que em matéria tributária é um universo, e Celso Antônio Bandeira de Melo, em Direito Administrativo, que é extremamente importante. Fico nos dois como exemplos de doutrinadores que inspiram minhas decisões.

ConJur — O desembargador decidiu estudar Psicanálise, e se formou recentemente. Pretende abandonar o Direito?
Márcio Moraes Quero me tornar psicanalista atuante quando me aposentar da magistratura, e atender pacientes. Eu me formei este ano. Comecei a me envolver com a psicanálise lendo Freud e daí me apaixonei.

ConJur — Sob os parâmetros psicanalíticos, é possível analisar o Judiciário?
Márcio MoraesA loucura fundamentalmente não se entende, ela é. Está atrelada à condição humana. Talvez sejamos mais benevolentes ao conviver com ela tentando entendê-la, mas é preciso saber que isso é impossível. Estudar, prestar atenção, talvez nos leve a ser mais generosos com a diversidade dos outros e, principalmente, conosco mesmos, já que nós também fazemos parte da cultura como sujeitos. Isso se aplica também ao universo cultural do Judiciário que igualmente é trágico e divinamente humano.

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