Pacto de todos

Brasil tem que viver nova era: a do reinado da lei

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27 de agosto de 2011, 8h43

Spacca" data-GUID="antonio-siqueira-spacca.png">A Constituição de 1988 já está em vigor há quase 23 anos, o Código de Defesa do Consumidor há mais de 20 anos, a Defensoria do Rio atende muito bem a população. Se essas fossem as causas de uma demanda reprimida, esta já teria terminado, pois as pessoas teriam ido ao Judiciário e resolvido seus problemas. A alta demanda do Judiciário hoje é criada pelo descumprimento da lei. O Brasil precisa ser repensado.

A análise e a crítica foram feitas pelo presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), desembargador Antonio Cesar Siqueira, em entrevista concedida ao Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2011. Segundo ele, os juízes precisam, sim, de melhores condições de trabalho, sobretudo, os de primeira instância. Mas defendeu de forma enfática a necessidade de uma mudança no modo como a sociedade lida com suas relações jurídicas.

“Nós viramos uma grande repartição pública, cumprindo ou fazendo cumprir aquilo que deveria ser feito pelo Poder Executivo através de suas agências reguladoras ou de seus ministérios. Isso está errado! O Brasil precisa mudar”, diz.

Siqueira lembra que o maior cliente do Judiciário brasileiro é o próprio Estado. O desembargador dá uma série de exemplos em que o Judiciário acaba atuando onde o Executivo deveria tomar as rédeas da situação. “Quem decide quais são as taxas de juros a serem cobradas pelos bancos nos financiamentos da casa própria, hoje, não é o Banco Central. É o Poder Judiciário.”

O presidente da Amaerj conta que, certa vez, foi convidado a acompanhar uma equipe de saúde do governo estadual à Inglaterra. “Toda a vez que eu entrava em uma reunião de trabalho e me apresentava como juiz, a primeira pergunta que me faziam era o que eu estava fazendo ali. Tinha de explicar que, no Brasil, às vezes, os médicos prescrevem medicamentos que ainda não estão liberados pelo governo. Ninguém entendia como isso podia acontecer.”

Antonio Siqueira também defende que juízes e desembargadores devem receber os advogados. Como seus colegas de corte, alerta para a necessidade de o profissional entender que a conversa com os julgadores têm de ser para despachar algo importante. “Às vezes, os advogados entram no gabinete do juiz por questões que fogem até a própria solução do juiz, como, por exemplo, o emperramento cartorário. Por falta de funcionário, o cartório não tem condição de andar rápido. O juiz não tem poder para resolver isso, não pode criar funcionários para atender uma demanda extraordinária. Está errado não atender como regra assim como está errado levar ao juiz questões que ele não pode resolver”, diz.

Nas últimas semanas, com o assassinato da juíza Patrícia Acioli, que atuava em São Gonçalo (RJ), Antonio Cesar Siqueira assumiu a dianteira. Mobilizou seus colegas de toga e cobrou do Executivo uma resposta rápida sobre o caso. Questionado pela ConJur se os juízes estão vulneráveis, o presidente da Amaerj diz que não é questão de vulnerabilidade. “Algo falhou. Não era para a juíza Patrícia morrer. Não é para nenhum juiz ser assassinado.” Para o desembargador, é hora de tirar lições e criar mecanismos para melhorar a democracia.

Carioca, bacharel e mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Siqueira ingressou na magistratura em 1988. Tornou-se especialista em Direito do Consumidor em 1996, pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Em 2002, foi promovido a desembargador e hoje atua na 5ª Câmara Cível do Tribunal. Prestes a completar dois anos à frente da Amaerj, Siqueira é considerado uma liderança dentro do Judiciário. É procurado pelos juízes tanto nos momentos em que estes se deparam com violação a suas prerrogativas quanto de tensão, quando decisões judiciais passam a ser combatidas pelas partes através dos jornais.

Leia a entrevista:

ConJur — Um dos grandes dilemas do Judiciário, hoje, é adequar a rapidez que a sociedade exige com a qualidade de suas decisões? Como resolver essa equação?
Antonio Cesar Siqueira —
Em 2010, o Supremo julgou, em média, 11 mil processos por ano por ministro. Isso significa que, excluindo os dois meses de recesso, cada ministro julgou 1.100 processos por mês. Acredito que, até pelo grau de complexidade das matérias que são submetidas ao Supremo, não seria razoável exigir que um ministro fizesse uma análise cautelosa e eficiente de sequer a décima parte do que chega a ele. A minha preocupação reside no fato de que a maioria desses processos vai ser examinada por assessores, que sequer fizeram concurso. Não estou colocando defeito em nenhum assessor específico; estou apenas questionando o que está acontecendo. São assessores que vão decidir se aquela decisão proferida por três, cinco ou 25 desembargadores deve ser reformada. No segundo grau — e dou o exemplo do Rio — também há decisões que são preparadas por assessores que não foram concursados ou, se foram, não para o cargo de juiz. Isso também vai chegar ao primeiro grau, se é que já não chegou. Reconheço que isso acontece dado o volume de processo que está chegando às Cortes e que não deveria chegar. O Brasil está com um índice de litigiosidade extremamente elevado, fora de um padrão normal.

ConJur — Isso se deve à Constituição, ao Código de Defesa do Consumidor e aos Juizados?
Antonio Siqueira —
A Constituição de 1988 já está em vigor há quase 23 anos, o CDC há mais de 20 anos, a Defensoria do Rio está bem implantada. Se essas fossem, efetivamente, as causas de uma demanda reprimida, esta já teria terminado, pois as pessoas que estavam com direito ameaçado teriam ido ao Judiciário e resolvido seus problemas. O que acontece é que, mesmo com todas as conquistas, há, no Brasil, uma cultura muito pouco inteligente de desrespeito ao direito do povo. Não é só o Poder Judiciário que pode dizer ou efetivar o direito da população. O Judiciário não pode criar um sem número de cargo de juiz, porque não consegue prover nem os existentes. Ao mesmo tempo, ele tem que dar conta de uma demanda de massa. O Brasil precisa ser repensado.

ConJur — O Pacto Republicano não pode auxiliar o Judiciário nessa tarefa?
Antonio Siqueira —
Há uma tendência em se falar em Pacto Republicano em relação aos problemas da Justiça, como se todas as causas dessa verdadeira balbúrdia jurídica nacional fosse exclusivamente culpa do Judiciário. Não é. O maior cliente do Judiciário brasileiro é o Estado. Não existe democracia se todo mundo não combinar de cumprir a lei. Nós negamos a vigência da própria Constituição. No setor privado, acontece o mesmo: os grandes demandantes que abarrotam a Justiça comum são corporações transnacionais. Todas submetidas, de uma forma ou de outra, ao controle estatal. Quem decide, hoje, quais são as taxas de juros a serem cobradas pelos bancos nos financiamentos da casa própria não é o Banco Central. É o Poder Judiciário. As empresas de telefonia, que têm muito investimento externo, são campeoníssimas nos Juizados Especiais por não cumprir o direito do consumidor. Elas não corrigem o serviço. São as mesmas reclamações de sempre, que são julgados pelo tribunal da mesma maneira. As agências reguladoras, por sua vez, não fazem absolutamente nada. As empresas continuam a operar livremente no mercado. É preciso que se olhe para os Poderes da República e não só para o Poder Judiciário. Este não vai solucionar sozinho todas essas mazelas.

ConJur — A ideia do presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, de haver controle prévio de constitucionalidade das leis ajudaria?
Antonio Siqueira —
A função do Poder Legislativo é discutir soluções. Ele pode até rejeitar, mas não pode deixar de discutir. O que o ministro Peluso pretendeu foi a possibilidade de, havendo dúvidas quanto à constitucionalidade de uma lei, em vez de ficar 10 anos à espera de uma decisão judicial, o Congresso provocar o Supremo para que este diga se o projeto é inconstitucional ou não. Não tem interferência nenhuma de um Poder no outro. O exame será feito anteriormente e não depois da entrada da lei em vigor. Esse exame também pode ser feito pelo Poder Executivo. A minha proposta é que, uma vez que esse questionamento tenha sido feito pela Assembleia ou pelo Congresso, o presidente ou governador possa, no momento da sanção da lei, provocar o Supremo sobre sua constitucionalidade ou não.

ConJur — Há alguma proposta nesse sentido no Rio de Janeiro em relação à Assembleia Legislativa?
Antonio Siqueira —
Nós estamos tentando uma parceria com a Alerj, que poderá solicitar um parecer da Amaerj. É claro que os deputados não ficam submetidos ao nosso parecer. O que nós queremos é uma cooperação entre os Poderes. Com os três Poderes funcionando bem e de forma conjunta, ou seja, com o Legislativo discutindo e aprovando as leis de interesse nacional, o Executivo fazendo cumpri-las e o Judiciário fiscalizando o correto cumprimento e os limites de alcance dos diplomas legais, o Brasil vai crescer.

ConJur — Em qual fase está essa parceria?
Antonio Siqueira —
Estamos aguardando, eventualmente, a Assembleia nos fazer algum pedido de parecer. Já nos colocamos à disposição. O Rio de Janeiro vive um momento de grande felicidade exatamente pela harmonia entre os Poderes, que têm trabalhado em conjunto. Isso tem dado o resultado que o Brasil inteiro tem assistido.

ConJur — Em relação à saúde, também há uma parceria entre o Judiciário e o Executivo?
Antonio Siqueira —
Sim. Há uma parceria que surgiu para que o Judiciário pudesse se utilizar de meios que garantissem uma apreciação mais técnica dos pedidos feitos na área da saúde, deixando de proferir decisões indevidas. Ficou combinado que as decisões, em que houvesse a aprovação de um núcleo de assessoria técnica de auxílio do magistrado, seriam imediatamente cumpridas pela administração pública. O próprio núcleo, ao informar o juiz ou desembargador que o requerimento feito pela parte tem que ser atendido, também remete a mesma comunicação para a Secretaria de Saúde, para que esta adiante o procedimento e forneça o medicamento ou o tratamento que está sendo requerido. Não adianta só o Judiciário funcionar; o Executivo e o Legislativo também têm que seguir a mesma direção. O Pacto Republicano tem que ser geral.

ConJur — No caso do projeto Expressinho Telemar, em que a empresa atua diretamente no Juizado, é uma maneira de fazer com que a iniciativa privada também exerça seu papel nessa cooperação?
Antonio Siqueira —
Não. Na verdade, essa atuação é no sintoma e não na causa. A demanda do Expressinho não deveria ter chegado até a Justiça, porque a lei deveria ter sido cumprida antes. Eu não consigo compreender como é que ações cuja matéria está sumulada vêm parar no Judiciário reiteradamente. É um ataque voluntário à democracia. Às vezes, as questões continuam sendo discutidas e vão parar nas últimas instâncias, sem nenhuma justificativa jurídica nova. Isso parece ser dolo.

ConJur — Um dos argumentos usado para entrar com ações cujo tema já foi resolvido pelo Judiciário — e o próprio Judiciário tem feito isso ao levar a discussão quanto à fração do quinto constitucional ao STF — é o de que a composição do Supremo é diferente daquela que julgou tal matéria anteriormente. O senhor não acha que muitas empresas apostam nessa mudança jurisprudencial?
Antonio Siqueira —
Isso não passa pela cabeça deles. O que o empresário pensa é por quanto tempo vai conseguir não cumprir a lei e com isso obter um resultado econômico. O país tem que viver uma nova era: a do reinado da lei, que é igual para todos e todos têm que cumpri-la. Não pode ser só o consumidor a cumprir todas as leis. Cumprindo-se as leis, a demanda naturalmente vai diminuir. O Judiciário vai ser provocado nas questões onde há dúvida na aplicação do Direito.

ConJur — Aumentar a estrutura do Tribunal de Justiça e da primeira instância ajuda a resolver o problema da demanda?
Antonio Siqueira —
Acho que não é preciso ampliar a estrutura. É preciso melhorar as condições de trabalho, principalmente, do primeiro grau, que está muito abandonado no Brasil inteiro. Eu atribuo isso à falta de democratização do próprio Poder Judiciário. Como os juízes não fazem parte das escolhas das administrações, eles são deixados em segundo plano no atendimento as suas necessidades. Também acho que a gente não pode sair criando cargos de juízes aos borbotões. Não adianta colocar juiz sem qualidade, porque, no fundo, isso só vai atentar contra o direito do cidadão. Temos que preservar a qualidade. A solução para uma Justiça séria e eficiente é o Brasil passar por um pacto de cumprimento da lei. E isso cabe até aos próprios juízes.

ConJur — De que maneira?
Antonio Siqueira —
Acho que, hoje em dia, o Brasil não pode mais se dar ao luxo de ter juízes que, por diletantismo pessoal, reitere decisões que já estão definitivamente julgadas de forma contrária pelos tribunais superiores. Na minha opinião, eles não têm o direito de desenvolver doutrina no julgamento de processos, que é eminentemente técnico. Esse desenvolvimento de doutrina, que dá satisfação pessoal a ele, obriga a parte a percorrer um caminho muito mais longo para obter algo que ela vai conseguir. Ao chegar ao STJ, por exemplo, será aplicado o entendimento daquela Corte e o processo voltará para ser cumprido no Rio. Ou seja, há um prejuízo para a parte. Nada impede que o juiz, mesmo aplicando um entendimento já sumulado, emita seu ponto de vista pessoal. É uma crítica interna que faço ao Poder Judiciário. Suponhamos que dois vizinhos, no mesmo condomínio, na mesma situação, ingressem com ações para não pagar uma taxa. O Judiciário dá duas respostas diferentes a eles. O povo não entende isso e está certo em não entender. Como é que o Judiciário diz que um tem direito e outro não em situações absolutamente idênticas? Nós precisamos prestar atenção em como é que atendemos o povo.

ConJur — Houve um aumento de decisões monocráticas no tribunal. Recentemente, foi aprovada a resolução que permite que o julgamento dos agravos internos, ou seja, daqueles recursos contra as decisões monocráticas, aconteça de modo virtual. Os advogados reclamam que, ao recorrer das decisões monocráticas, não podem fazer sustentação oral no colegiado, mesmo quando se trata de Apelação. Essa crítica procede?
Antonio Siqueira —
Só se o instrumento for mal utilizado. O julgamento monocrático foi criado para aqueles casos de absoluta improcedência do recurso, quando há defeitos formais ou quando o entendimento do órgão julgador está estratificado. O relator não precisa levar ao colegiado, porque sabe como seus pares vão julgar aquele caso. Se, eventualmente, este instituto está sendo aplicado de modo a extrapolar esses limites, é querer tratar a exceção como se fosse a regra, quando não é. Os tribunais, como o do Rio de Janeiro, vêm sumulando seu entendimento para legitimar o julgamento pelo artigo 557 [do CPC, que prevê a decisão monocrática]. As súmulas fazem referência à própria unificação de jurisprudência do tribunal.

ConJur — E quanto ao julgamento virtual dos recursos?
Antonio Siqueira —
As pessoas têm que ser realistas. Hoje, às vezes, até com advogado presente — e no Superior Tribunal de Justiça se procede assim — quando a situação é conhecida dos colegas se faz o julgamento por ementa. O relator diz qual é a hipótese e o entendimento dele; se os outros estiverem de acordo, vão aderir. E não há nenhuma reclamação disso. No julgamento virtual, o relator passa o acórdão inteiro para o revisor, que por sua vez diz se está de acordo ou não. Só então, com o voto do revisor, o acórdão é remetido para o vogal. Na verdade, é um julgamento mais completo do que aquele feito na sessão de julgamento da Câmara. Não vejo sentido na reclamação se o advogado não está presente ou se já não tem direito à sustentação oral. Se o advogado está presente e diz que quer acompanhar o julgamento, logicamente, assim tem que ser procedido, pois o advogado tem direito de acompanhar, de levantar uma questão de ordem. Mas se o advogado não está na sessão e não há ninguém para exercer o direito de manifestação, não tem sentido os juízes ficarem falando um para o outro aquilo que eles já passaram por escrito. É um formalismo absolutamente ineficaz, que, ao contrário, atrapalha, porque esses processos sequer deveriam encher a pauta de julgamento.

ConJur — Na resolução, há uma previsão caso o advogado queira que o recurso seja levado à sessão.
Antonio Siqueira — Claro. Ninguém quer impedir o exercício da profissão do advogado. O advogado ajuda na prestação à Justiça. Mas a gente também não pode perder tempo com coisas que são absolutamente irrelevantes. O que vai acontecer com o processo é que o relator vai ler a ementa, os outros vão votar pela ementa e acabou. Ao passo em que, se ele passar o acórdão inteiro, o revisor vai ler o relatório, onde estão narrados os fatos, ter possibilidade de ver todos os fundamentos de direito que estavam no voto do relator, manifestar sua opinião, e votar de acordo com o relatou ou divergir. E se tiver divergência, será levado a julgamento. Nesse caso, o ideal é que toda câmara tome conhecimento da divergência. Se todos estão de acordo, não tem sentido colocar em julgamento. Isso já acontece no Supremo Tribunal Federal com a questão da relevância, da repercussão geral. Os ministros aceitam ou não a repercussão geral por voto virtual.

ConJur — O TJ-RJ tem aprovado muitas súmulas. É uma maneira de dar celeridade ao julgamento?
Antonio Siqueira —
Os verbetes das súmulas estão sendo aprovados porque, hoje, a demanda é massificada. Antigamente, os julgadores recebiam processos muito diferentes uns dos outros. Hoje, em cada sessão, temos de 15 a 20 casos sobre fixação de dano moral por anotação na Serasa e no SPC. Não há nenhuma novidade nisso. Nesses casos repetitivos, o tribunal tem conseguido fazer uma unificação de entendimento para que o próprio relator possa, acompanhando a tendência já manifestada pela maioria do tribunal, julgar pelo artigo 557, e dar maior celeridade sem prejuízo do direito da parte.

ConJur — O senhor é presidente da Comissão nomeada pelo tribunal para tratar da virtualização nas Câmaras Cíveis que, segundo o TJ, deve adotar o sistema até o ano que vem. Qual é a avaliação que o senhor faz da expectativa de seus colegas quanto ao processo eletrônico?
Antonio Siqueira —
A expectativa é a melhor possível. Mas temos que tomar cuidado para não deixar nenhuma situação fora da previsão do sistema. Não tem como, em uma sessão de julgamento, voltar a usar o papel por não saber como proceder em determinado caso. Se o processo é virtual, tem de ser assim até o final. O presidente Manoel Alberto me pediu para fazer parte dessa comissão, exatamente para que levantemos junto aos colegas, às câmaras, todo mundo que trabalha na área cível, todas as hipóteses. É a orientação do próprio Conselho Nacional de Justiça. A partir daí, criaremos um sistema onde todas as hipóteses estejam prevista para só então colocá-lo para funcionar. Do contrário, vamos acabar criando dificuldade em vez de facilidade. Esse sistema tem que vir para facilitar, não para atrapalhar.

ConJur — No Anuário, procuramos saber o que os desembargadores do TJ-RJ pensam em relação às metas de produtividade do CNJ. O tribunal adotou uma medida para cumprir a meta 2. Os desembargadores disseram que com essa resolução do tribunal os juízes acabaram extinguindo alguns processos que não poderiam extinguir.
Antonio Siqueira —
É quando processo está parado há mais de seis meses. São processos antigos, de 2005 para trás e que, na verdade estavam abandonados.

ConJur — Os desembargadores estão revisando essas decisões que extinguiram o processo, anulando e fazendo com que ele volte à situação anterior. Isso atrapalha a Justiça de primeiro grau?
Antonio Siqueira —
Não, não acho que atrapalhe. Foi isso que foi feito. O que eu posso questionar é a validade da decisão do Conselho Nacional de Justiça, que fez uma opção pela estatística. Ele deu prazo aos tribunais para resolver os processos que estavam há mais de cinco ou seis anos parados. O Conselho disse: “Julguem todos esses processos.” Só que esses processos, na grande maioria, dependiam de diligência da parte. Os juízes, sabendo que o Código de Processo exige a intimação pessoal, intimaram as partes pelo Diário Oficial, porque seria impossível, pelo número de pessoas, intimar a todos pessoalmente. Os processos continuaram para aqueles que vieram e atenderam a intimação. Aqueles que não atenderam a intimação tiveram seus processos julgados extintos, mas com possibilidade de recurso da parte e possibilidade inclusive do próprio juiz reconsiderar a decisão anterior e mandar prosseguir o feito. Isso não significa que os juízes tenham agido irresponsavelmente. Os processos que estão chegando ao segundo grau é um número residual. Estatisticamente os processos foram extintos.

ConJur — O senhor disse que pode questionar a decisão do Conselho. De que maneira?
Antonio Siqueira —
O Conselho fez uma opção pelo número e não pela qualidade do julgamento. Extinguido um número extraordinário de processos, nós deixamos de resolver um número extraordinário de litígios. Esse é um questionamento pessoal. No que se refere ao cumprimento da meta, o que foi feito foi absolutamente correto. Aliás, o Rio de Janeiro deu um show, porque foi o que mais solucionou. Como sempre o Rio de Janeiro sai na frente.

ConJur — Eu fiquei na dúvida se o cumprimento da meta não se deve à maneira como foi feito.
Antonio Siqueira — Mas era isso que o Conselho queria. Ele não queria qualidade, queria número. Ele teve número.

ConJur — O CNJ também decidiu sobre o horário de funcionamento dos tribunais.
Antonio Siqueira —
O CNJ não tem a menor condição de fazer isso. É uma questão federativa. Cada estado toma conta do seu atendimento. Isso cria despesa, que, por sua vez, depende de arrecadação, de dotação orçamentária. O CNJ também quer decidir pelo estado qual é a dotação orçamentária que vai ser destinada para a Justiça? Isso é completamente inconcebível. O que não quer dizer que a Justiça trabalhe menos de oito horas. Quando os escreventes chegam para atender de tarde, eles já tiveram que trabalhar de manhã ou ficam trabalhando depois. Durante o atendimento eles não têm condições de processar. O mesmo acontece com o juiz. Enquanto está fazendo audiência e quando está atendendo advogado, ele não tem condição de despachar. Ele precisa de outro horário para trabalhar. Eu te desafio a entrar em qualquer cartório do estado e ver alguém lendo jornal. Isso não existe no Poder Judiciário. Está todo mundo trabalhando o tempo todo.

ConJur — O assassinato da juíza Patrícia Acioli demonstra que os juízes estão vulneráveis?
Antonio Siqueira —
Não é questão de vulnerabilidade. Algo falhou. Não era para a juíza Patrícia morrer. Não é para nenhum juiz ser assassinado. Não devemos procurar eventuais culpados além daqueles que cometeram o crime e sim tirar lições para a melhoria e fortalecimento da própria democracia. Nomeamos uma comissão [Comissão em Defesa da Segurança dos Magistrados] e convenci o presidente do tribunal a fazer de São Gonçalo um exemplo de segurança para a magistratura do país. Já consegui apoio do ministro Peluso [presidente do CNJ e do STF]. 

ConJur — Os juízes estão se sentindo ameaçados pela criminalidade?
Antonio Siqueira —
A ameaça que o juiz recebe é analisada caso a caso. O que os juízes não estão dispostos é retroceder no combate ao crime. Muito pelo contrário. Mesmo que ameaça haja, vamos continuar a fazer nosso trabalho.

ConJur — A Justiça Federal está pleiteando reajuste de salário e, no início do ano, chegou-se a cogitar greve. Há o risco de juízes do Tribunal de Justiça do Rio, por alguma razão, fazerem o mesmo?
Antonio Siqueira —
Um conselho de representantes de juízes estaduais se reuniu em Brasília e declarou ser absolutamente contrário à greve. Acho que o juiz tem que decidir se quer ser um funcionário público ou um agente de Estado. O juiz é um agente de Estado; é o próprio Estado. O Estado não pode fazer greve contra o Estado. A ideia de greve para o juiz, na minha concepção técnica, é muito difícil de ser aceita.

ConJur — O Judiciário, então, nunca paralisaria suas atividades para reivindicar algo?
Antonio Siqueira —
Há a obrigação de paralisar as atividades toda a vez que a liberdade do Poder Judiciário for atingida ou estiver sob ameaça. Porque, nesse caso, ele está agindo como Poder, está reagindo ao ataque de outros Poderes da mesma envergadura que ele. Toda a vez que ocorrer um fato, como na ditadura, em que o Executivo fez uma interferência radical no Supremo Tribunal Federal, para excluir alguns ministros considerados comunistas ou com ideias esquerdistas, o Judiciário tem que parar. É a única forma, já que o Judiciário não vai pegar em armas. Nossa arma é a caneta. Nós temos que mostrar para o povo que não aceitamos tal interferência.

ConJur — Como a proposta que prevê a revisão de decisões judiciais pelo Congresso?
Antonio Siqueira —
Exatamente. Isso acaba com o Poder Judiciário. Nós não teremos mais três Poderes; só dois. Nessas situações, a paralisação pode se tornar um instrumento de restabelecimento da igualdade entre os Poderes. Já a paralisação por melhores condições salariais e de trabalho, acho que é uma atividade que deve ser negociada dentro do regime democrático. Se o Congresso não pudesse decidir se nós podemos ou não ter aumento, não precisava de lei. Ou seja, o Supremo poderia pura e simplesmente arbitrar sobre seus valores. Mas não é isso. O Supremo, democraticamente, envia ao Congresso Nacional sua pretensão. O Congresso, por sua vez, deve apreciar e decidir. No momento em que ele deixa de apreciar, desrespeita um dos Poderes da nação. Ele pode até ser contrário, mas tem que votar.

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