Ofensa a honra

Ciro Gomes é condenado a indenizar Fernando Collor

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26 de agosto de 2011, 11h24

A Justiça paulista condenou o ex-deputado federal Ciro Gomes (PSB) a pagar indenização de R$ 100 mil ao senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL). A decisão é do juiz Marcos Roberto de Souza Bernicchi, da 5ª Vara Cível Central da Capital. O magistrado entendeu que Ciro maculou a honra do senador alagoano, quando em entrevista chamou Collor de “cheirador de cocaína”, “playboy” e “safado”. Da sentença cabe recurso ao Tribunal de Justiça.

De acordo com o juiz, o valor da condenação seria suficiente para compensar o senador Fernando Collor pela ofensa sofrida e para por um freio na conduta do ex-ministro e ex-deputado federal Ciro Gomes. “Não existe qualquer dúvida de que tais expressões tenham sido proferidas com intenção clara de ofender o autor, mesmo porque escapam plenamente a qualquer campo do debate político e ingressam em seara pessoal que jamais deve ser exposta”, afirmou o juiz Marcos Roberto de Souza Bernicchi.

Quando cogitava ser candidato a presidente da República pelo PPS, Ciro Gomes afirmou que campanha eleitoral tem que ter baixo nível e atacou Fernando Collor. Segundo Ciro Gomes, o baixo nível seria a única forma de o povo compreender a linguagem e distinguir os bons candidatos dos picaretas.

“Dizem que campanha tem que ser de alto nível. Isso só interessa aos picaretas. Tem que ser o mais baixo nível, o que não significa má educação e nem violência”, disse o então pré-candidato. Para justificar sua afirmação, Ciro Gomes lançou mão do que aconteceu no debate na televisão durante a campanha de 1989 entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor. De acordo com Ciro, o exemplo serviria para mostrar como não se deve agir. Segundo o ex-deputado federal, Lula, em vez de ter mantido o nível do debate, deveria ter chamado Collor de “playboy” e “cheirador de cocaína”.

“Lula manteve o nível no debate com Collor. Não pode. Collor falou que Lula tinha um aparelho três em um e Lula ficou perplexo. Logo depois, Collor disse: você quis fazer um aborto em sua mulher. Collor baixou o nível e quem tinha rabo de palha era ele”, disse Ciro.

“Lula devia ter partido para cima. Ter dito: deixa de ser picareta, seu playboy safado. Eu sou um miserável do interior, vim num pau-de-arara. Engravidei involuntariamente minha namorada, mas não tinha dinheiro nem para comer. Passou na minha cabeça, esse negócio de aborto. Graças a Deus, ela não concordou. Minha filha está aí, estou criando. Agora, você é um playboy, cheirador de cocaína. Eu tinha mandado uma porrada nele (Collor) que ele tinha saído quase cego”, acrescentou.

O ex-presidente da República e hoje senador alagoano alegou que as palavras usadas por Ciro Gomes atingiram sua honra e, por esse motivo, o ex-ministro e ex-deputado federal deveria pagar indenização pelo dano moral causado. A defesa de Collor foi patrocinada pelos advogados Regina Manssur e João Vinicius Manssur.

Os advogados de Ciro Gomes sustentaram que seu cliente não agiu com dolo, que o fato ocorreu numa disputa política e que a conduta de Ciro gerou apenas mero aborrecimento, sendo inaceitável a obrigação de pagamento de dano moral. A ação civil foi proposta em 1999, tramitando por 12 anos no Judiciário paulista. Essa foi a terceira sentença proferida pela primeira instância, sendo que as duas anteriores foram anuladas.

No entendimento do juiz paulista Marcos Roberto de Souza Bernicchi, a idéia de dirigir as ofensas partiu de Ciro Gomes, ainda que este tenha externado apenas o que seria seu pensamento em eventual defesa, caso estivesse no lugar de Lula. Segundo o magistrado, Ciro teve a clara intenção de ofender Fernando Collor com os termos que usou contra o atual senador.

“Ainda que a intenção do réu [Ciro] tenha sido meramente explicativa de como entende que deveria ter sido a defesa do candidato Luis Inácio da Silva quando atacado pelo autor, o fato é que sua explicação traz conteúdo absolutamente individual em sua declaração”, disse o juiz da 7ª Vara Cível de São Paulo.

 Leia a sentença:

JUÍZO DE DIREITO DA 5a VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SÃ0 PAULO – ESTADO DE SÃO PAULO. Processo n. 000.99.941883-7

 V I S T O S

FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA contra CIRO FERREIRA GOMES, alegando em síntese que sua honra foi indevidamente maculada pelo réu que declarou que em campanha eleitoral o candidato Luis Inácio da Silva deveria ter dito ao autor que este era um playboy safado e cheirador de cocaína, além de tê-lo chamado de picareta e dizer que teria dado "uma porrada" no autor; o fato gerou dano moral que deve ser indenizado. Pede a procedência Citado o réu contestou. Houve réplica. Proferida sentença extintiva, foi anulada. Determinada produção de prova oral, foi ouvida uma testemunha. Proferida nova sentença, restou novamente anulada. É o relatório.

D E C I D O.

O pedido procede. Na conduta do réu, verifica-se ação culposa que gerou o dano ao autor. A esforçada defesa do réu apresentou tese sedutora, mas que não pode ser acolhida. Ainda que a intenção do réu tenha sido meramente explicativa de como entende que deveria ter sido a defesa do candidato Luis Inácio da Silva quando atacado pelo autor, o fato é que sua explicação traz conteúdo absolutamente individual em sua declaração. A idéia de chamar o autor de cheirador de cocaína e safado partiu do réu, ainda que tenha ele externado apenas o que seria seu pensamento em eventual defesa, caso estivesse no lugar de Luis Inácio da Silva. Mas não estava e, como ausente que era, caberia ter reservado sua opinião. O fato, incontroverso, é apenas um: o autor teve exposta sua honra em razão de declaração do réu que lhe imputou a pecha de cheirador de cocaína e safado. Não existe qualquer dúvida de que tais expressões tenham sido proferidas com intenção clara de ofender o autor, mesmo porque escapam plenamente a qualquer campo do debate político e ingressam em seara pessoal que jamais deve ser exposta. O autor foi ferido em sua honra objetiva e subjetiva, atingido social e individualmente. O dever de indenizar é manifesto. No que tange ao quantum, reputo suficiente para gerar benesse ao autor e freio à conduta do réu a quantia equivalente a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Face o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o réu no pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em favor do autor. Condeno o réu no pagamento de custas e despesas processuais corrigidas desde o desembolso e honorários de 10% do valor da condenação.

P.R.I.

São Paulo, 5 de agosto de 2011. MARCOS ROBERTO DE SOUZA BERNICCHI Juiz de Direito. 

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