Nova Justiça

Judiciário brasileiro precisa padronizar os seus dados

Autor

  • Pablo Cerdeira

    é advogado e professor de Evolução Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

25 de agosto de 2011, 12h21

Spacca
Direito e números. Está aí uma combinação que não é muito comum aos profissionais do Direito, ao menos no dia-a-dia, mas que vem ganhando força e gerando ótimos frutos para o Poder Judiciário. Como linha de pesquisa, começou institucionalmente apenas em 2004, com a publicação do I Relatório Justiça em Números, à época pelo Supremo Tribunal Federal sob a presidência do ministro Nelson Jobim. Com a instauração do Conselho Nacional de Justiça em 2005, os relatórios do Justiça em Números passaram para este órgão, e desde então vem sendo publicados e aprimorados, ano após ano.

Também sob coordenação do CNJ, por sugestão do então conselheiro e diretor da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão. Foram estimuladas e financiadas pesquisas sobre dados empíricos do Poder Judiciário. Foi criado o Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário e os Núcleos de Estatística e Gestão Estratégica do Poder Judiciário em cada tribunal. Esses núcleos são compostos “preferencialmente por servidores com formação em Direito, Economia, Administração, Ciências da Informação, sendo indispensável servidor com formação em estatística”. Sob coordenação do agora conselheiro José Guilherme Vasi Werner, o CNJ lançou pesquisa com os 100 Maiores Litigantes do Poder Judiciário. A FGV Direito Rio, sob minha coordenação, lançou o Supremo em Números. Prepara-se, agora, para novas empreitadas no que se convencionou chamar de jurimetria, ou seja, medir o Direito.

Graças a este novo olhar que vem sendo lançado por algumas instituições de ensino e pelo CNJ sobre o Poder Judiciário sabe-se, por exemplo, que durante alguns anos, o Poder Executivo dominou o Poder Judiciário com milhares de processos, especialmente relacionados a planos econômicos e aposentadorias. Em razão desses números, também, o Poder Executivo, direta e indiretamente, adotou medidas muitíssimo positivas em favor do Judiciário. Exemplos? A desistência, pela Caixa Econômica Federal em mais de 500 processos que tramitavam junto ao STF, promovida por seu diretor jurídico, Jailton Zanon da Silveira. A instauração da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal, pelo então Advogado-Geral da União, agora ministro do STF, Dias Toffoli.

Também por conta de números que estão sendo apurados, verificou-se que hoje os principais litigantes são bancos e empresas privadas prestadoras de serviços públicos.

Para quem não é da área, consolidar e analisar os números do Poder Judiciário pode não parecer um trabalho muito complexo. Enganam-se. Em primeiro lugar, nem todos os tribunais contam com sistemas que armazenam, de forma estruturada, os dados necessários para esses estudos. Um bom exemplo é o TJ-RJ, que, de forma pioneira, anos atrás, instaurou um departamento de estatísticas. Mas outros grandes tribunais, como o de São Paulo, por exemplo, têm sistemas dispersos e que não se comunicam, o que dificulta muito a compilação de dados.

Quando os dados existem, ter acesso a eles não é nada simples. Alguns tribunais estão dando exemplos, como o próprio STF nesta gestão do ministro Peluso. Mas outros guardam seus dados como se fossem segredos de estado.

Outro problema muito comum é a falta de padronização nos dados. Sistemas de diversos tribunais têm campos abertos para que os usuários preencham os dados como bem entenderem, e isso complica muito a sua limpeza para pesquisas. Exemplo disso são empresas que aparecem com nomes diferentes. Volkswagen é encontrada com dezenas de grafias diferentes. Sociedades Anônimas aparecem com “S/A”, “S.A.”, “Sociedade Anônima” etc. Decisões de antecipação de tutela podem constar como “Tutela antecipada”, “Concedida antecipação”, “Tut. Antecipada”, “Deferido o pedido de tutela”. O mesmo vale para outros andamentos, como “Vista concedida”, “Deferido pedido de vista”, “Pedido de vista denegado” e assim vai.

Essa falta de padronização nos dados faz com que qualquer pesquisa sobre números no Poder Judiciário torne-se uma verdadeira batalha. A absoluta maior parte do tempo é gasto com obtenção, organização e limpeza dos dados. Tempo este que poderia ser economizado com medidas como a adoção das tabelas padronizadas desenhadas por todos os tribunais do país, sob coordenação do CNJ, colaborando em muito para a produção de mais dados, de maior qualidade.

Um exemplo de superação dessas dificuldades todas será lançado nesta próxima segunda-feira, dia 29 de agosto, quando o CNJ disponibilizará o Relatório Justiça em Números 2010. Este trabalho merece ser acompanhado, porque é a partir dele que será desenhado o Poder Judiciário de amanhã.

Resta, agora, a difusão do uso de informações como essas por mais faculdades e centros de pesquisa pelo país, bem como pelo Congresso, especialmente em um momento de reforma dos códigos de processo civil e penal. Como os números mostram, a lentidão no Poder Judiciário é uma soma de fatores, e não parece que estes estão sendo devidamente tratados pelo Legislativo. Mas isso é assunto para a próxima coluna.

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    é advogado e professor de Evolução, Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

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