Anuário da Justiça

"TJ-RJ tem se antecipado ao crescimento no estado"

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24 de agosto de 2011, 10h07

Mailson Santana
O Rio de Janeiro está em alta, não apenas pelos eventos esportivos que serão sediados na cidade, mas também pelos investimentos de grandes empresas no estado, sobretudo em infraestrutura. O Tribunal de Justiça do Rio já está se preparando para receber a demanda que esse boom de crescimento vai gerar. Quem conta é o presidente do TJ-RJ, desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, em entrevista para o Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2011, lançado na terça-feira (16/8).

"Em Itaboraí está sendo construído o Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro], que vai ser uma das maiores refinarias de petróleo do Brasil. Isso significa que nós teremos uma explosão de crescimento em Itaboraí. Conseguimos com o prefeito do município um terreno de cerca de 10 mil metros quadrados, onde construiremos um Fórum", afirma.

Atento à questão ambiental, a atual administração pretende construir os novos fóruns de forma ecologicamente correta. "Terão teto verde, processo de captação de água da chuva para a jardinagem e lavagem de sanitários, energia solar, vidros transparentes nos locais onde não haja necessidade de uso intenso de ar condicionado. São sistemas que acarretam um aumento de 20% a 30% na construção da obra. No entanto, acredito que em quatro ou cinco anos, com a economia que vamos fazer já teremos compensado o que foi gasto a mais."

Na entrevista, o desembargador contou que pretende organizar concurso para preenchimento de 185 cargos de juiz, mas que se depara com dificuldades. Ele afirma que há uma série de impedimentos. "Como fui diretor-geral da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, o entendimento do Conselho Nacional de Justiça é de que não posso integrar a comissão do concurso nem a banca examinadora, mesmo sem ter dado uma aula."

Seguindo o que tem sido regra no TJ, o que foi começado e não finalizado na gestão anterior, terá continuidade. O processo de virtualização é um deles. No final de 2010, as oito Câmaras Criminais passaram a adotar o processo eletrônico. A ampliação do sistema para as Câmaras Cíveis foi alterada, mas Manoel Alberto espera que até 2015 toda a Justiça estadual fluminense tenha adotado o processo virtual.

Há uma semana, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem enfrentado um dos momentos mais difíceis à frente da corte fluminense. O motivo é o assassinato da juíza Patrícia Acioli, que era titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo (RJ). Ele afirmou que, antes da morte da juíza, já havia determinado a compra de automóveis blindados. Após o assassinato, foram incluídos mais quatro na lista de compras. "Estamos, efetivamente, reforçando a segurança, não só através do DGSI [Departamento Geral de Segurança Institucional] como da própria Secretária de Segurança", disse à ConJur.

Juiz de carreira, com atuação centrada no Direito Criminal, Manoel Alberto colocou o foco de sua administração na primeira instância. Formado em Direito pela Universidade Federal Fluminense, em 1969, Manoel Alberto nasceu em Cambuci, no noroeste fluminense. Ingressou na magistratura em 1980 e foi promovido a desembargador do TJ em 1998.

Leia a entrevista:

ConJur — As Câmaras Criminais já estão com os processos eletrônicos. As Cíveis vão aderir?
Manoel Alberto —
Nós vamos ampliar o projeto de virtualização, começando pelos Juizados Especiais e, em seguida, as Câmaras Cíveis. Mas faremos isso aos poucos, para que não haja o que, de certa forma, aconteceu com relação às Câmaras Criminais. O projeto foi feito muito rapidamente. E essas novidades sempre causam problemas. Se estendermos ao tribunal todo de uma vez, a dificuldade será muito maior. Até 2015 planejamos estar com todo o procedimento da Justiça do estado do Rio de Janeiro virtualizado. Para isso, nós implantaremos o sistema aos poucos, para aprender com os erros e fazer as correções.

ConJur — E quais são as expectativas dos desembargadores em relação ao processo eletrônico?
Manoel Alberto —
Sem dúvida, alguns encontrarão dificuldade. Mas isso, em pouco tempo, será superado. Os desembargadores terão assistência e logo vão perceber a importância da virtulização, que torna mais rápido o processo de julgamento. Em última análise, perceberão como facilita o seu próprio trabalho.

ConJur — O tribunal tem dado conta dos recursos em menos de 90 dias, em média. Mas a primeira instância continua a ser o gargalo da Justiça do Rio.
Manoel Alberto —
A preocupação é o primeiro grau. Nós temos hoje cerca de 185 cargos de juiz vagos. Em um estado pequeno, como o do Rio de Janeiro, isso é uma verdadeira tragédia. Ainda que todos esses cargos estivessem ocupados, o número de juízes não seria suficiente. Todas as obras iniciadas na minha gestão têm como público alvo os juízes. Estou tentando me antecipar a alguns problemas que teremos. Em Itaboraí, está sendo construído o Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro], que vai ser uma das maiores refinarias de petróleo do Brasil. Isso significa que nós teremos uma explosão de crescimento em Itaboraí. Conseguimos com o prefeito do município um terreno de cerca de 10 mil metros quadrados, onde construiremos um Fórum. Esse crescimento não vai se limitar a Itaboraí; vai se estender para Rio Bonito e São Gonçalo. Também conseguimos um terreno em Rio Bonito, onde construiremos um Fórum e, praticamente, já conseguimos um terreno do estado, que ainda não foi formalizada a entrega ao tribunal, para construirmos um Fórum em Alcântara. Em São João da Barra, será construído o Porto do Açu, que também vai trazer um crescimento muito grande à região. Lá, obtivemos da prefeitura terreno para construirmos um fórum.

ConJur — A ideia é que o Judiciário acompanhe o boom do crescimento?
Manoel Alberto —
O que nós queremos, na medida do possível, é nos anteciparmos a esse boom de crescimento e fazermos com que a Justiça esteja preparada, com a realização de concurso e aprovação de juízes e serventuários, para atender a esses lugares. Em minha administração, estou tentando me antecipar para construir os fóruns nos locais onde sabemos que vai haver um grande crescimento. E com um detalhe: todos esses fóruns já serão construídos de forma ecologicamente correta. Terão teto verde, processo de captação de água da chuva para a jardinagem e lavagem de sanitários, energia solar, vidros transparentes nos locais onde não haja necessidade de uso intenso de ar condicionado. São sistemas que acarretam um aumento de 20% a 30% na construção da obra. No entanto, acredito que em quatro ou cinco anos, a economia que vamos fazer já teremos compensado o que foi gasto a mais. Outro projeto que me é muito caro é o da Justiça Itinerante.

ConJur — Como funciona?
Manoel Alberto —
São ônibus convertidos em cartórios. Quando eles se deslocam para uma comunidade, vão juiz, promotor, defensor público, serventuários, advogados que atendem as partes como se fossem um juízo. Ao tomar posse, descobri que temos quatro ônibus que atendem a Justiça Itinerante. Um deles fica em Campos, para atender o norte e o noroeste fluminense; outro está muito velho e passa mais tempo na oficina do que em funcionamento. Estamos limitados a dois ônibus para atender ao Rio e Grande Rio. Quando tomei conhecimento dessa situação, fiz uma espécie de promessa a mim mesmo de pelo menos dobrar essa frota. Tenho esperança de ganhar, pelo menos, mais dois ônibus, um para transformarmos em consultório médico e o outro em consultório odontológico. Com a ajuda da secretaria estadual e municipal de saúde, poderíamos levar a Justiça a essas comunidades carentes e, ao mesmo tempo, assistências médica e odontológica. A Justiça Itinerante é um passo além da conciliação e mediação, outro projeto que é extremamente importante. A Justiça Itinerante vai atender a pessoas que, por algum motivo, não chegaram a resolver o conflito de interesse por eles próprios.

ConJur — Enquanto a maior parte dos tribunais não conta com um fundo especial e depende do Executivo, no Rio, o Judiciário até ajuda o Executivo. Qual é a dica ou conselho que o senhor daria para os demais tribunais?
Manoel Alberto —
Eu entendo que o fundo deveria existir em todos os tribunais. Não recebemos um centavo do Poder Executivo para nenhuma obra. O Poder Executivo, no estado do Rio, paga os funcionários e os magistrados. Só que, muitas vezes, o Judiciário tem que dar um aumento aos funcionários. Temos limites orçamentários. O governador libera uma verba para que, em comum acordo, possamos dar o aumento. Em troca, o governador pede uma colaboração do Tribunal de Justiça. Nós nos comprometemos a construir dois prédios para o Poder Executivo, no valor de R$ 30 milhões. Para isso, nós temos um relacionamento o melhor possível.

ConJur — Embora não haja independência financeira total do Poder Judiciário, podemos dizer que, no Rio, há uma igualdade entre os poderes?
Manoel Alberto —
Há colaboração. O governador, muitas vezes, pede porque também tem suas dificuldades orçamentárias. O problema da ampliação da estrutura é que para cada real que se gasta em uma obra, serão gastos, depois, R$ 3,50 em custeio. Temos um cuidado muito especial com os gastos, há limitações orçamentárias. Não podemos também ir além do que podemos gastar.

ConJur — Em relação à parte jurisdicional, como o senhor avalia a chamada PEC dos Recursos, que pretende fazer com que as decisões possam ser executadas a partir do acórdão da segunda instância?
Manoel Alberto —
Sou inteiramente a favor. Nós temos um caso emblemático do jornalista Pimenta Neves, réu confesso que matou uma jornalista. No entanto, o número de recursos que existe no país fez com que se levasse 11 anos para que finalmente transitasse em julgado a decisão que reconhecia que ele era culpado. Nós não podemos transformar a presunção de inocência em um valor que torne as decisões judiciais inexequíveis. O ministro Cezar Peluso [presidente do STF e autor da PEC dos Recursos] pretende, com base em dados estatísticos, fazer com que as decisões de segundo grau sejam executadas. O número de processos que chegam aos tribunais superiores e que são revistos é relativamente pequeno. Então, é justificável que se dê início à execução das decisões depois de passar por um Tribunal de Justiça, porque a decisão será sempre de um colegiado. Evidentemente, há pessoas que são contra, acham que isso fere o princípio da autodefesa. A defesa continua. O que pode haver, no campo penal, é alguém eventualmente ter uma pena diminuída ou vir a ser absolvido. Mas na área cível não faz sentido. E, de qualquer maneira, como o número de processos que são reformados é irrelevante, não justifica que se leve 10 anos para executar uma decisão.

ConJur — Os tribunais costumam ter dificuldade exatamente na hora de executar a sentença. O Judiciário do Rio tem problema com a execução?
Manoel Alberto —
Até a última reforma no Código Civil, a execução era um novo processo. Havia o processo de conhecimento, que iniciava por um juiz, passava pelo tribunal, poderia ir para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo. Baixava e iniciava um novo processo que era a execução e que podia seguir o mesmo trajeto. E levavam-se 10, 15, 20 anos para ter uma decisão executada. Hoje, a execução passou a ser uma fase do processo de conhecimento. Percalços, dificuldades e recursos existem. Mas a legislação vem se modificando para fazer com que o direito reconhecido seja respeitado e executado realmente, dando a quem ganhou o que é dele. O que não pode é continuar como está: ganhar uma ação e levar anos para receber. Sem falar nos precatórios judiciais. Nós estamos começando a pagar os precatórios de 1994. Vamos ver se conseguimos pagar até 2005.

ConJur — O que o tribunal tem feito para tentar agilizar o pagamento de precatórios?
Manoel Alberto —
Nós intimamos 26 prefeituras e vamos intimar um total de 40, para que façam o depósito dos recursos dos precatórios da parte que podemos pagar, sob pena de sequestrarmos os recursos desses municípios. Algumas já pagaram, outras ainda estão no prazo. No entanto, as que não fizerem o depósito ou que tentarem postergar o pagamento, terão seus recursos sequestrados. Abriremos para discussão. Se os municípios tiverem razão, nós liberamos. Os prefeitos têm duas alternativas: ou pagam ou pagam.

ConJur — E com relação aos mecanismos que a Emenda 45 trouxe, como súmula vinculante e repercussão geral. Essas modificações já causam algum impacto no tribunal?
Manoel Alberto —
Já influencia, principalmente, em relação ao Supremo, que é composto de 11 integrantes. Se cada um deles receber mil processos por mês, fica absolutamente inviável. Não há ninguém que consiga. O advogado sabe que o Supremo decide de determinada maneira. Mas, muitas vezes, o cliente, independentemente de ter conhecimento disso ou não, quer entrar em juízo na expectativa de, quem sabe, a Justiça decidir de forma diferente no caso dele. Não faz sentido entrar com ação quando já se sabe que o Supremo tem decidido sempre em determinado sentido. Nós temos que criar mecanismos que permitam que a Justiça se torne efetiva. Há um ditado que diz: “A Justiça tarda, mas não falha”. Com todo respeito, acho que a Justiça que tarda, falha. Justiça demorada não é Justiça.

ConJur — O senhor falou sobre o advogado entrar com uma ação cuja matéria o Supremo já decidiu. Há uma alegação dos advogados de que eles fazem isso porque há juízes que decidem de modo contrário ao Supremo. Quando não há súmula vinculante, o juiz não é obrigado a seguir o entendimento do STF.
Manoel Alberto —
Não, não é obrigado. Como não há hierarquia no nosso meio, o juiz acaba de ser aprovado em um concurso, tomou posse como substituto, pode decidir de forma exatamente contrária à posição do Supremo. O juiz não está obrigado a decidir de acordo com o tribunal. A vantagem da súmula vinculante é exatamente essa, porque quando há uma, eles não têm alternativa a não ser aplicá-la. Isso evita com que os processos se acumulem e que as decisões não tenham efetividade. Não basta o processo, é preciso que ele seja eficaz. Uma Justiça que decide, mas não torna efetiva a sua decisão, é, em última análise, inútil.

ConJur — Sua carreira como juiz e desembargador foi na área criminal. O que o senhor acha da modificação da lei que aumentou a restrição para que o juiz possa prender, cautelarmente, o acusado?
Manoel Alberto —
Nós temos um problema muito sério no país. Como o Executivo não constrói um número de prisões suficientes para acomodar de forma decente o número de presos, a solução que tem sido encontrada é não prender ninguém. É o oposto do que acontece em outros países. No Brasil, procura-se resolver o problema através de uma legislação penal que, ao meu ver, está muito branda e, muitas vezes, é aplicada de forma mais branda do que a legislação já prevê. Nos Estados Unidos, há um foco completamente diferente. Provado o fato, o acusado é punido. Não tem essa questão de recuperação; é punição. Estamos caminhando para um limite de impunidade. Hoje em dia, manter alguém preso, preventivamente, é uma raridade. Alguma coisa tem que ser feita. Nós temos que rever isso, porque não podemos passar do extremo de um rigor absoluto a um extremo de abrandamento total das decisões, principalmente no campo penal. Nós temos que encontrar um meio termo. Eu tenho esperanças que a gente também encontre soluções criativas e boas nessa área.

ConJur — Há pouco mais de uma semana a juíza Patrícia Acioli foi assassinada. Os juízes do Rio estão vulneráveis?
Manoel Alberto —
Quarenta dias antes da morte da juíza Patrícia, foi determinada a compra de seis automóveis blindados. Após o assassinato, foram incluídos mais quatro. Estamos, efetivamente, reforçando a segurança, não só através do DGSI [Departamento Geral de Segurança Institucional] como da própria Secretária de Segurança. Haverá policiamento com um carro de choque que ficará no Fórum de São Gonçalo até que saia o último juiz. Também serão instalados detectores de metais e cancela de controle de entrada e saída de carros no estacionamento. Além de São Gonçalo, também serão instalados esses instrumentos nos Fóruns da Baixada Fluminense, em Campos, em Macaé e outras áreas problemáticas. A política será de reforço na segurança dos juízes. 

ConJur — E o tribunal está acompanhando as investigações?
Manoel Alberto —
Sim, o tribunal está acompanhando. Mas quanto a isso não posso fazer observações para não atrapalhar as investigações.

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